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sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Sobre os “mundoiletrados”

Concluí a leitura do livro “A importância do ato de ler” do sábio e saudoso mestre Paulo Freire, um pequeno livro em suas dimensões e grande pela profundidade do conteúdo que encerra. Quero dizer, portanto, que qualquer semelhança acerca do conteúdo aqui escrito com os ensinamentos do grande mestre não é mera coincidência. Paulo Freire afirma ser um absurdo os índices de analfabetismo que então às luzes do terceiro milênio a humanidade ostentava e infelizmente ainda ostenta. Segundo Paulo Freire não basta a mera decodificação da palavra escrita, é necessária uma compreensão crítica do ato de ler, ou seja, uma leitura crítica do mundo ou a “leitura da palavramundo”. O mestre muito se preocupou com a alfabetização de adultos, mas não a mera decodificação dos símbolos gráficos, pois pregava uma revolução na sociedade cujo princípio se daria na mente das pessoas. Era necessário ir além da alfabetização atingindo o estágio de “leiturização do mundo”, ou seja, mais do que ler entender as questões locais, regionais e mundiais para nelas interferir visando a transformação da sociedade. Mas estamos muito aquém do estágio de leiturização do mundo e os números do analfabetismo ainda hoje se mostram escandalosos nos países do Sul (subdesenvolvidos), e se a estes números acrescentássemos os malformados, a realidade seria ainda mais estarrecedora. A formação a que me refiro é aquela que vai muito além do ambiente escolar e que se realiza individualmente na leitura de obras de pensadores e também na reflexão daquilo que se aprende, na leitura ou na vivência. O ser humano possui não somente o direito de ler e ser uma pessoa melhor como a obrigação de aperfeiçoar-se visando contribuir para a melhoria da sociedade. Ocorre que muitos pensam não ser necessário estudar além da educação oficial, achando a leitura um ato penoso e há aqueles que embora portem um ou mais diplomas possuem uma visão míope de mundo, ou seja, são incapazes de fazer uma leitura fundamentada e crítica da conjuntura local, regional e mundial. Assim, falam sem ter uma argumentação consistente emitindo juízos de valor àquilo que de fato não conhecem, pois, se a alfabetização já é em si um desafio apesar da possibilidade de aprendizagem de qualquer ser humano dotado das faculdades que assim o favoreçam. Compreender a “palavramundo” mostra-se algo mais difícil, é preciso ter gana de viver e vivendo, a cada dia buscar aprender mais, entender o significado das coisas e dos fatos. Compreender a “palavramundo” exige fazer comparações e só se pode comparar aquilo que se conhece pela realidade vivida, para a qual não basta viver, mas refletir sobre os fatos, bem como pela leitura, mas não como uma mera decodificação dos símbolos, mas com o objetivo de desvelar a essência daquilo que lemos, vemos e vivemos. Atualmente assistimos os meios de comunicação pregarem a “neutralidade” da educação e seríamos ingênuos se pensássemos que a suposta e impossível neutralidade fosse fruto do desejo ingênuo da elite representada por tais meios de comunicação. A verdade é que à elite interessa esconder a perversa essência que se esconde por trás do modelo neoliberal, como educadores, precisamos e devemos auxiliar nossos educandos a descobrir a essência da vida e não apenas do modelo de produção que se apresenta hegemônico. Não é possível pensar a educação sem a reflexão da conjuntura do projeto de país que se não for pensado por todos, será pensado por alguns, pois quem não pensa é pensado pelos outros. Acredito que devemos ter mais que um discurso fundamentado na reflexão diuturna, “precisamos ter coerência entre a prática e o nosso discurso avançado”. Ao contrário do que pretendem os amantes do neoliberalismo, “o educador não tem como ser neutro, mas nem por isso é manipulador”. Cabe a nós educadores a necessária utopia de uma sociedade melhor, mais justa, pois a utopia é oxigênio que move a busca do conhecimento por educadores e educandos que pretendem na solidariedade encontrar a saída para um modelo autoritário, egoísta e perverso que concentra as riquezas nas mãos de poucos e a fome na barriga de muitos. Nessa realidade mundial, o Brasil também está inserido, pois, a fome mora ao lado do nosso quintal e como já afirmava o mestre “não nos esqueçamos que o Brasil foi inventado de cima para baixo” e, como tal permanece. Aos educadores cabe dar vida ao que se ensina, indo muito além do conteúdo, é necessário contextualizá-lo, pois “o contrário da manipulação não é a neutralidade impossível, nem o espontaneísmo, mas a participação crítica e democrática”. Precisamos passar de figurantes da história para construtores de nossa própria história, ajudar a construir uma sociedade melhor para todos os brasileiros. “Estudar é assumir uma atitude séria e curiosa diante de um problema” e estudar também é trabalho, trabalho que fortalece os “músculos” do pensar e que a todos cabe, pois “ninguém ignora tudo, ninguém sabe tudo”. Assim o autor destas linhas também é ciente de que muito tem por aprender e tal como afirmou o filósofo Sócrates apenas “sabe que nada sabe” e uma vez mais citando o mestre Paulo Freire quando afirmou que “estudar para servir ao povo não é só um direito, mas também um dever revolucionário” façamo-nos revolucionários e estudemos, pois para ajudar a construir uma nova sociedade, não importam quais sejam as suas cores e sim a onipresença da justiça social.

Sugestão de boa leitura:

FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 49 ed., São Paulo, Cortez, 2008.


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