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sábado, 26 de dezembro de 2020

Encarnação

 

José de Alencar (1829-1877) foi um romancista, dramaturgo, jornalista, advogado e político brasileiro. José Martiniano de Alencar Júnior (seu nome de batismo) nasceu em Mecejana no Ceará a 1º de maio de 1829. Filho de José Martiniano de Alencar (Senador do Império) e de Ana Josefina. Em 1838, a família mudou-se para o Rio de Janeiro (então capital do país). Na capital presenciava os encontros políticos de seu pai com importantes autoridades nacionais. Ingressou no curso de Direito da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, porém, concluiu o curso pela Faculdade de Direito de Olinda em 1851. Leitor ávido dos maiores expoentes da literatura nacional e estrangeira resolveu que seria escritor de romances, no entanto, suas primeiras iniciativas na área ficaram inacabadas e, outras somente foram publicadas após sua morte. Ainda em 1851, retorna ao Rio de Janeiro para exercer a advocacia.

            Em 1854, ingressa no Correio Mercantil onde escreve uma coluna sobre os acontecimentos sociais, as estreias de peças teatrais, os novos livros e as questões políticas. Em 1855, torna-se gerente e redator-chefe do Diário do Rio. Nesse período, inicia a publicação de suas primeiras obras, inicialmente no formato de folhetim. Em 1858, abandona o jornalismo para ser chefe da Secretaria do Ministério da Justiça, chegando a Consultor com o título de Conselheiro, ao mesmo tempo em que lecionava Direito Mercantil. Em 1860, com a morte do pai, se candidatou por meio do Partido Conservador a deputado pelo Ceará, sendo reeleito em quatro legislaturas. Em 1870, foi eleito Senador pelo Ceará, mas, foi preterido na escolha por suas desavenças com o Ministro da Marinha. Voltou e permaneceu na Câmara até 1877, porém, rompido com o Partido Conservador. Mesmo no auge da carreira política, José de Alencar não abandonou a literatura. Em 1864, casou-se com Georgina, com quem teve quatro filhos. Suas obras eram atacadas por jornalistas e críticos que faziam campanha sistemática contra o romancista, motivadas, em parte, por sua atuação como político.

            Sua obra é marcada por registrar as tradições, a história, a vida rural e urbana do Brasil. O escritor deixou como legado, livros que são classificados em diferentes gêneros (romances indianistas, históricos, regionalistas e urbanos). São suas, as principais obras indianistas da literatura nacional a saber: "O Guarani", "Iracema" e "Ubirajara". Dentre os livros com protagonista do sexo feminino, alcançou grande sucesso a obra "Senhora". Outras obras do autor são: Cinco Minutos, romance, 1856; Cartas Sobre a Confederação dos Tamoios, crítica, 1856;  O Guarani, romance, 1857; Verso e Reverso, teatro, 1857; A Viuvinha, romance, 1860; Lucíola, romance, 1862; As Minas de Prata, romance, 1862-1864-1865; Diva, romance, 1864; Iracema, romance, 1865; Cartas de Erasmo, crítica, 1865; O Juízo de Deus, crítica, 1867; O Gaúcho, romance, 1870; A Pata da Gazela, romance, 1870; O Tronco do Ipê, romance, 1871; Sonhos d'Ouro, romance, 1872; Til, romance, 1872; Alfarrábios, romance, 1873; A Guerra dos Mascate, romance, 1873-1874; Ao Correr da Pena, crônica, 1874; Senhora, romance, 1875; O Sertanejo, romance, 1875. (Fonte: https://www.ebiografia.com/jose_alencar/ - acesso em 26 de dezembro de 2020)

            Este escriba tomou conhecimento da obra "Encarnação" de José de Alencar por conta da polêmica existente entre as obras "A Sucessora" de Carolina Nabuco e "Rebecca, a mulher inesquecível" de Daphne du Maurier. As três obras guardam semelhanças entre si, sendo que a autora inglesa foi considerada suspeita de plágio do livro de Carolina Nabuco. Li os três livros neste ano e, tive a impressão que ao se fazer uma adaptação (junção) dos livros de Carolina Nabuco e de José de Alencar, o resultado não é outro que o livro de Daphne du Maurier. No entanto, como já disse em artigo anterior sobre o livro "Rebecca, a mulher inesquecível" não entro na polêmica de afirmar que houve ou não o plágio. Na obra "Encarnação" a trama se desenvolve em torno de três personagens principais: Hermano, que por muito tempo foi solteiro, enfim, casa-se com Juliete com quem tem uma relação intensa, sendo que para este, Juliete é uma espécie de alma gêmea, vê nela uma beleza, uma perfeição, não vista por outras pessoas. Amália, então uma menina, na condição de vizinha e voyeur observa diariamente o casal apaixonado com um olhar especial para Hermano, a quem aprecia a beleza. Amália passa uma temporada fora, ao voltar à Corte, o pai volta a fazer recepções na casa da família.  Neste ínterim, Juliete falecera por conta de um aborto espontâneo. Hermano (agora é tido como louco) se fechou em sua casa com as lembranças de Juliete (tudo fora conservado tal como ela deixara). Amália crescera e se tornara uma moça muito linda e retorna ao voyeurismo, não mais por Hermano, mas, pela curiosidade em vê-lo sofrer por alguém que há muito se foi. A jovem desdenha de paixões, do amor e, apesar de seus vários pretendentes, recusa-se a casar e, nisso deixa seus pais preocupados. Estes desejam encaminhar a vida da filha única e, consideram vital conseguir um bom marido para que esta tenha seu futuro e felicidade garantidos. Amália acaba se apaixonando pelo viúvo que, também dela se aproxima ao ouvi-la tocar no piano  uma canção que também Juliete executava. O casal se apaixona, porém, entre eles há Juliete, cuja existência física deixara este plano, mas, não a mente de Hermano (que se recusa a cometer adultério). Paro por aqui, para não dar spoiler! Fica a dica!

Sugestão de boa leitura:

Título: Encarnação.

Autor: José de Alencar.

Editora: Estronho, 2020, 127 p.

Preço: R$ 2,90 (e-book) - R$ 41,32 (físico).


sábado, 19 de dezembro de 2020

Olhai os lírios do campo

 

Érico Veríssimo (1905-1975) nasceu em Cruz Alta (RS) e faleceu em sua eterna Porto Alegre. Nascido numa família abastada, mas, que se arruinou financeiramente e, diante das dificuldades econômicas e da separação dos pais, trabalhou em vários ofícios, tendo sido inclusive farmacêutico. Mas, era nas redações de jornais e revistas, o ambiente em que se sentia melhor. Sua paixão era escrever, porém, não conseguia viver de sua literatura, seus livros encalhavam, embora, chamassem a atenção desde o princípio.

            "Nos livros que escrevia Érico despejava fora aquilo que angustiava sua alma, mas, também moldava o país que sonhava e acreditava ser possível. Érico não era dado a rompantes. Em sua obra passava a sua mensagem de forma quase sutil, mas, não tão sutil, afinal, a Érico não faltava coragem, mas, sobravam-lhe convicções. Érico Veríssimo defendia a justiça social, condenava a absurda desigualdade social de seu tempo (e nesse quesito o país piorou ainda mais). No entanto, ele não acreditava em soluções extremas (uma revolução armada) e pensava que o Brasil haveria de ser transformado por uma revolução por dentro, ou seja, por reformas que levadas a cabo por sucessivos governos democráticos melhorassem a condição de vida do povo brasileiro. [...] Em seu livro "Incidente em Antares" (1971) ele escreveu "comunista é o pseudônimo que os conservadores e saudosistas do fascismo inventaram para designar todo sujeito que luta por justiça social". Mesmo sendo avesso à soluções extremas foi fichado no DOPS por ser "comunista", ou seja, por desejar a justiça social". (Tributo a(o) Érico Veríssimo - Novembro de 2020 - A Vista de Meu Ponto!)

            Érico conta que somente conseguiu viver de sua literatura a partir da publicação de "Olhai os lírios do campo" (1938). Nesta obra, o escritor por meio da personagem Eugênio Fontes (um médico), cuja história de vida é contada na primeira parte do livro, na qual evidencia o complexo de inferioridade deste por sua origem humilde, filho de pai alfaiate e de mãe lavadeira de roupas. O então menino pobre consegue uma bolsa de estudos e entra num internato inglês na cidade de Porto Alegre, dedicado, consegue mais tarde entrar na Faculdade de Medicina e se formar. No curso, conhece Olívia, porém, ensimesmado, jamais lhe dá a devida importância. Eugênio é egoísta, e somente pensa em se dar bem na vida. Olívia gosta de Eugênio apesar de seus múltiplos defeitos de personalidade. Eugênio casa-se com uma moça rica, a qual não ama, com o único interesse de entrar para a alta sociedade e deixar para trás a pobreza. No casamento, não é feliz, sua esposa é atraente, porém, lhe é quase uma desconhecida. Com o tempo começa a se arrepender de ter se afastado de sua família. Apesar de estar rico e vivendo numa mansão, se sente deslocado nos luxuosos jantares promovidos pelo sogro a seus convivas. Não consegue se desligar de sua origem pobre. Lembra dos momentos vividos com a amiga Olívia que está no hospital morrendo e quer lhe ver, quando chega ao hospital, Olívia está morta.

            Ela deixou-lhe cartas que o motivam a dar uma guinada em sua vida. Pede a separação judicial, um escândalo na época, abre mão de qualquer direito econômico resultante do casamento e, volta a exercer a medicina e conviver com a precariedade das condições de trabalho à época (ainda hoje, longe de ser as ideais). Eugênio anseia por uma "medicina socializada" na qual os médicos seriam funcionários públicos e contariam com boas condições de trabalho para exercer uma medicina gratuita e essencialmente humana. Érico viu em seu tempo a falta que faz um sistema público e gratuito de saúde. Na época não havia o SUS, muita gente morria por falta de recursos financeiros, o que lhe impossibilitava o acesso à medicina, noutras vezes, alguns médicos atendiam gratuitamente pessoas pobres. Hoje temos o SUS, ele precisa ser melhorado, mas precisamos defendê-lo. A obra é embasada no Sermão da Montanha e não era o livro preferido de Érico Veríssimo, mas, é ainda hoje, o seu livro mais vendido e amado pelos leitores. Érico que era bastante crítico ao livro que escrevera disse nunca ter entendido o motivo de seu sucesso. O escritor morreu durante a ditadura militar (1965-1985) sem ver o retorno do país à democracia que tanto prezava. Trata-se de um livro inspirador. Fica a dica!

Sugestão de boa leitura:

Título: Olhai os lírios do campo.

Autor: Érico Veríssimo.

Editora: Companhia das Letras, 2005, 288 p.

Preço: R$34,93.


sábado, 12 de dezembro de 2020

Rebecca, a mulher inesquecível

 

Em abril deste ano (2020) publiquei neste espaço, a resenha sobre o livro "A sucessora" de Carolina Nabuco (1890-1981) na qual assumi minha ignorância a respeito da obra da autora, a quem somente sabia, ser a filha do importante político, diplomata, historiador e jurista Joaquim Nabuco (1849-1910). Gostei muito do livro de Carolina e afirmei que iria comprar e ler o livro "Rebecca, a mulher inesquecível" de Daphne Du Maurier (1907-1989) que muitos críticos literários afirmam ser um plágio da obra de Carolina Nabuco. O livro de Carolina foi lançado em 1934 e, o livro de Daphne foi publicado em 1938. As autoras tinham em comum, o mesmo editor na Inglaterra, o qual havia recebido o original de Carolina. Carolina no programa "Fantástico" da TV Globo, disse que ficou muito chateada e, que foi procurada por advogados estadunidenses para assinar um documento atestando que tudo era mera coincidência, em troca de uma compensação financeira. Ela se recusou por colocar a dignidade acima de tudo, porém, jamais processou a escritora inglesa ou, ainda, os produtores do filme "Rebecca" baseado no livro de Daphne Du Maurier. A escritora inglesa, por sua vez, sempre negou o plágio.

            Motivado pela curiosidade em averiguar as semelhanças entre as obras e ter uma opinião própria, adquiri o livro no formato digital, pois, não queria gastar mais por um livro que talvez fosse fruto de plágio, porém, errei,  vale muito a pena ter a obra em formato físico. O livro é excelente e, sim, há muitas semelhanças entre as duas obras. Não há como lê-la e não a comparar e lembrar de fatos e personagens semelhantes do livro de Carolina Nabuco, mas, nem por isso, a trama é igual a ponto de se pensar que ao ler um livro dispensa a leitura do outro. A impressão que dá é que o "esqueleto" ou fio condutor da obra de Carolina é revestida de nova roupagem por Du Maurier. Não vou ficar no campo da especulação acerca dessa polêmica, pois, se é perfeitamente possível que a escritora inglesa tenha lido a obra de Carolina e colocado novos ingredientes e temperos na receita, isso é algo que jamais saberemos, pois, ela já faleceu e, com os elementos que temos, não é possível ter certeza absoluta que houve ou que não houve o plágio.

            Na trama de Rebecca, a protagonista e narradora é a segunda esposa do rico Sr. Max De Winter, um viúvo próximo da meia idade que se casa com uma moça pobre, muito jovem e tímida. À segunda senhora De Winter não é atribuído nome, talvez propositalmente, pois, a falecida parece eclipsar a sucessora em beleza, finesse, etiqueta, talentos artísticos, cultura e espontaneidade. A segunda senhora De Winter, apesar de ser também bonita, sentia-se inferiorizada perante a falecida e da qual lembranças estavam presente nos objetos por ela deixados (cartas, roupas, vasos, quadros, etc.) e nos arranjos da decoração da gigantesca e luxuosa Mansão Manderley, propriedade de seu marido. A área exterior da casa é muito linda e aprazível, mas, a mansão, apesar de sua beleza centenária (propriedade da família há gerações) a oprime e angustia. Na propriedade há muitos funcionários que adoravam a falecida patroa, a qual sempre tinha instruções e ordens para estes. Entre os funcionários há a governanta Senhora Danvers que adorava a falecida senhora como se fosse sua própria filha (ela não se conforma com o novo casamento de seu senhor com apenas  dez meses de viuvez) e antipatiza com a sucessora, na qual não reconhece valor algum, além da juventude. A segunda senhora De Winter  titubeia ante os funcionários, pois, não sabe se portar no novo papel. De origem humilde, ela estava pisando num terreno que lhe era estranho, não via razão para tanto luxo e desperdícios e, julgava que não havia nada a melhorar, de forma inversa fazia a antecessora.

            Durante toda a obra, há um clima de mistério (algo que parece afastar o casal) cuja narrativa é contada pela protagonista (na maturidade) que lembra de momentos felizes e de situações que seria melhor esquecer. Não subestime a obra. Lembre-se que foi adaptada para a telona por ninguém menos que Alfred Hitchcock (1899-1980), o "Rei dos filmes de suspense". A história prende, principalmente quando o mistério começa a se revelar. Fica a dica! De minha parte, vou maratonar o filme de Hitchcock e o remake da Netflix!

 

Sugestão de boa leitura:

Título: Rebecca, a mulher inesquecível.

Autor: Daphne Du Maurier.

Editora: Amarilys Editora, 2012, 448 p.

Preço: R$33,90.


sábado, 5 de dezembro de 2020

A mulher de trinta anos

 

Honoré de Balzac (1799-1850) foi um prolífico escritor francês que apesar de ter morrido com apenas 50 anos, publicou mais de 80 livros. Sua obra o alçou ao patamar dos grandes nomes da literatura francesa e mundial, sendo também considerado o fundador do gênero realismo na literatura moderna. O escritor era filho de um funcionário público, que tendo vindo da pobreza, muito se esforçou para galgar posições na sociedade. Na época, era comum os casamentos arranjados e seu pai se casou aos cinquenta anos com uma mulher muito jovem. Honoré estudou em boas escolas, mas, não foi aluno brilhante, entretanto, era ávido leitor. Ainda muito jovem, resolveu que iria ganhar a vida como escritor, porém, inicialmente não obteve sucesso, mas, não desistiu. Montou uma editora para publicar obras de outros autores, foi à falência e acumulou vultosas dívidas, por conta das quais, o escritor se escondia de cobradores e oficiais de justiça. Balzac (que somente se casou aos 50 anos) costumava ter relacionamentos com mulheres maduras, sendo algumas casadas e, foi com auxílio de uma destas que sua enorme dívida foi paga, evitando-lhe a prisão. Essa sua benfeitora, a Madame Hanska, depois de muitos anos de relacionamento extraconjugal, após enviuvar, casou-se com Balzac (cinco meses antes da morte deste).

            Foi somente quando começou a escrever artigos publicados em revistas e jornais que conseguiu certa estabilidade financeira para escrever suas obras. Até então, uma de suas irmãs lhe auxiliava financeiramente. No início de sua carreira escreveu obras populares, nas, quais não obteve grande sucesso. Na atualidade, sua obra tem grande permeabilidade nas camadas mais cultas da sociedade. O livro "A mulher de trinta anos" é o primeiro contato deste escriba com a literatura de Balzac, dessa forma, a resenha que ora escrevo é apenas as percepções de um leigo sobre o mesmo, pois, certamente é material para leitura conjunta e debate em salas acadêmicas. Balzac que sempre teve grande apreço pelas mulheres maduras, via naquelas situadas na faixa de trinta anos, uma beleza não encontrada nas mais jovens. Segundo o autor, nessa idade, elas ainda encontram-se no auge da beleza e sua maturidade as torna mais interessantes do que as jovenzinhas (tão procuradas para casamentos). Envolvem-se, apenas no que desejam e o fazem com convicção. Este era (no entendimento de Balzac), o perfil da mulher moderna do século XIX, tanto que balzaquiana se tornou um adjetivo que qualifica a mulher de trinta anos. O escritor era um profundo observador da psique humana e estava atento a forma de pensar e agir de homens e mulheres independentemente de sua posição ou classe social. Balzac foi considerado o escritor que melhor conhecia o espírito feminino, por ter convivido, com muitas (amigas e/ou amantes) de diferentes idades e classes sociais. Observador atento, conseguiu mesmo na condição de homem, pensar a vida, o casamento e a sociedade (como se fosse) a partir do ponto de vista da mulher. Nem por isso, pode-se pensar que é uma obra antenada ao feminismo que naquela época sequer existia. É preciso que se diga que ao analisar uma obra de época com rígido pensamento baseado em valores da  atualidade se incorre em anacronismo, pois, trata-se de um produto de seu tempo histórico e, na obra em questão, retrata a  sociedade do século XIX que tinha no machismo (como ainda hoje) uma de suas características.

            Em "A mulher de trinta anos", Balzac publica seis partes (capítulos) que retratam a vida de uma mulher (Julie) desde seus 18 anos quando, fascinada pela beleza do militar (Victor D'Aiglemont) com ele se casa,  contrariando os veementes conselhos de seu pai. Com pouco tempo de casamento, ela se desilude com a instituição do casamento, a qual considera uma prostituição legalizada e que impunha deveres para as mulheres e, liberdade para os homens. A maternidade dá novo sentido à sua vida, mas, passa a repelir o marido (o único a tentar salvar o casamento). O Marquês e sua esposa passam a manter um casamento de aparências visando evitar um escândalo perante a sociedade que, em conformidade com as convenções sociais, continuam a frequentar. Durante toda a sua vida, Julie, frequenta a sociedade por obrigação, sendo considerada por  todos como doente (atualmente, seria diagnosticada como depressiva). Julie e seu marido têm relacionamentos extraconjugais. A Marquesa renega Hélene, filha primogênita que teve com o marido e mima os filhos de suas relações adúlteras. Victor, em que pese suas constantes ausências devido às inúmeras viagens a trabalho, é bom pai e único refúgio para a filha Hélene. Por sua vez, Julie não disfarça a preferência pela filha caçula Moïna. A trama trata ainda da perda de entes familiares, da bancarrota e recuperação financeira da família e, da velhice e morte da protagonista. Apenas um dos capítulos se refere diretamente à mulher na faixa de trinta anos. O livro é na verdade, a reunião de vários "contos" e,  inspirados em diferentes mulheres que o autor conheceu, não sendo, no entanto, relatos fiéis destas. O leitor terá a impressão de que o livro é uma colagem de escritos que não dialogam muito bem entre si, pois, parecem desconexos e com várias lacunas na trama. Também constatará que a cronologia da idade de Julie ao longo da obra não fecha. Balzac se recusou a fazer alterações no texto e afirmava que havia uma lógica implícita que amalgamava a história. A escrita do autor é elegante e prazerosa, além de ter conteúdo profundo que estimula a reflexão. Trata-se de uma grande obra cuja leitura é imprescindível, como todo clássico! Fica a dica!

Sugestão de boa leitura:

Título: A mulher de trinta anos.

Autor: Honoré de Balzac.

Editora: Penguin Classics Companhia das Letras, 2015, 238 p.

Preço: R$20,42.

 


sábado, 28 de novembro de 2020

A imprensa e a democracia

                   Lembro de ter lido em livro, uma frase de um general presidente da ditadura militar brasileira (1964-1985),  a qual dizia que à noite, após um dia de trabalho, ele adorava ligar a TV Globo e ver que problemas existiam em países europeus, mas, não no Brasil. Sabemos que desde que Cabral aqui aportou, os problemas abundam em nosso país e, que a Europa tem seus problemas, mas, é há muito tempo modelo de desenvolvimento para o mundo, em especial, as nações escandinavas. A explicação é que o Brasil vivia sob o Ato Institucional n.º 5 e havia censura aos meios de comunicação que nada podiam publicar sem a autorização do censor do governo. Não por acaso, vários jornalistas insurretos foram presos, torturados e mortos. A liberdade de expressão é uma cláusula pétrea das constituições de países democráticos, e, o Brasil em sua Constituição Federal (1988) também a contempla. A imprensa tem um papel salutar para a democracia, cabe a ela investigar e denunciar os mau-feitos na administração da coisa pública bem informando a população. E para garantir a independência da imprensa há uma  legislação que garante a repartição da verba publicitária oficial de acordo com critérios em conformidade com os interesses do Estado Brasileiro. Essa legislação visa evitar que governantes chantageiem a imprensa por meio das verbas publicitárias oficiais, afinal, estas são importantes para a sobrevivência das empresas de comunicação. Com a salvaguarda dessa legislação, os meios de comunicação receberiam recursos financeiros públicos para a execução dos serviços de divulgação das ações governamentais da União, Estados e Municípios sem alienar sua liberdade editorial.

            A liberdade de imprensa é, como disse, salutar para o pleno funcionamento da democracia. O genial Millôr Fernandes (1923-2012) afirmou: "imprensa é de oposição, o resto é armazém de secos e molhados" justamente por sua importância quanto a bem informar a população, dessa forma, não pode ser nunca uma imprensa "chapa branca". No entanto, vivemos no Brasil, a legislação é em muitos casos avançada e bem construída, mas, o fato de termos, uma boa legislação não garante por si, o seu cumprimento. Não faltam governantes (nas diversas esferas de poder) que direcionam o grosso das verbas publicitárias para os veículos que os apóiam deixando à míngua aqueles que publicam seus maus feitos. É importante salientar que não defendo que a imprensa desempenhe um papel de partido de oposição ao governo instalado, mas, de independência, denunciando e criticando quando necessário e elogiando boas ações. A boa informação é de suma importância para a democracia e o bom jornalismo é muitas vezes deixado de lado, por meio do que não se informa (de forma propositada) visando dar invisibilidade a fatos, pessoas e pautas da sociedade organizada ou, ainda, quando se pratica um contorcionismo na redação de fatos que pouco ou nada têm a ver com eles em si. Nem por isso acredito ou tenho a utópica pretensão que os jornalistas têm ou venham a ter o caráter de São Francisco de Assis. Eles também têm suas ideologias e nisso não há nada de errado. A imprensa precisa ser democrática e ouvir os clamores dos diferentes estratos que formam a sociedade divulgando seu pensamento, angústias e anseios.

            Parafraseando Galeano, "este não é o reino das fábulas", governantes chantageiam a imprensa e muitos veículos se tornam chapa branca para sobreviver financeiramente. Proprietários de empresas de comunicação, em conformidade com suas ideologias, engessam as linhas editoriais (para influir na sociedade) na defesa de seus interesses de classe social. Além disso, a propriedade cruzada dos meios de comunicação (proibida pela Constituição Federal), constitui-se em grave entrave para a democratização dos meios de comunicação e da própria informação como o demonstram os impérios midiáticos construídos ante a omissão dos poderes constituídos. A mídia alternativa desempenha importante papel na democratização da informação, trazendo à luz, fatos invisibilizados pela imprensa tradicional, porém, seu alcance, apesar de crescente, ainda é limitado. Importa, portanto, lembrarmos dos ensinamentos de Malcom X (1925-1965) quando disse: "a imprensa é tão poderosa no seu papel de construção de imagem, que pode fazer um criminoso se passar por vítima e a vítima se passar por criminoso. Esta é a imprensa, uma imprensa irresponsável. Se você não for cuidadoso, os jornais vão acabar te fazendo odiar as pessoas que estão sendo oprimidas e adorar as pessoas que estão levando a cabo a opressão". Fica a reflexão!


sábado, 21 de novembro de 2020

De mochila na China


 Neste ano de 2020 (sob a pandemia) muita gente, tal como este escriba, está sedento por viajar, mas, não é seguro e precisamos ter responsabilidade individual e coletiva. Uma forma segura de ter contato com outros lugares e culturas é viajar nas páginas de livros sobre viagens. Esta é a proposta do livro "De mochila na China" de Savannah Grace. A obra relata a primeira parte de uma viagem (China e Mongólia) a vários países. Viagens não era algo novo para a família que recebia em sua casa estudantes de outros países em programas de intercâmbio e possuía uma agência de viagens. Na separação de seus pais, a agência ficou para o pai, apesar de que a mãe sempre fora o cérebro a administrar a empresa. Após a separação, Maggie (a mãe) decidiu fazer um ano sabático (excursionando por vários países) levando os filhos Savannah, Breanna (Bree) e Ammon, o mais velho (25 anos), experiente em viagens e que seria o guia e contador incumbido da meta de gastar a média de US$ 5/dia e de impor freios aos impulsos consumistas da família.

            Savannah, a filha caçula  (14 anos) reagiu mal ao comunicado. Ela adorava o conforto de sua vida numa família da classe média canadense e, para o desespero dela, a viagem duraria um ano (prolongou-se por quatro anos) e, com isso perderia o convívio com suas amigas e colegas de escola e, também o contato com o garoto que estava paquerando. A adolescente fracassou em demover a mãe da "ideia maluca" e para seu desespero, era a única a pensar assim. Alegou o prejuízo da perda do ano escolar, mas, a mãe tentou lhe convencer que ela era jovem, retomaria os estudos depois e, que a viagem lhe traria grande enriquecimento cultural. Maggie vendeu seus pertences e doou os pets da família, inclusive o cãozinho de Savannah, apesar de seus protestos. Iam viajar como mochileiros, uma forma barata de viajar, porém, abdicando do conforto que a adolescente prezava tanto.

            Savannah não aceitou ter sua formação escolar atrasada em um ano e, aderiu a um plano de Ensino à Distância, mas, ao longo da viagem, seja pela falta de tempo e/ou de Internet razoável, não conseguiu fazer os trabalhos exigidos e, para aliviar o peso de sua mochila, jogou seus materiais escolares na lixeira. Também suas amigas a desapontaram, pois, não lhe enviavam e-mails regularmente como pensou que fariam e tristemente constatou que em seu país, mesmo sem ela, a vida seguia seu ritmo normal. A viagem de roteiro planejado, porém, não engessado, permitia alterações e improvisações, dessa forma, surpresas e decepções quanto a lugares e hospedagens ocorriam frequentemente. Savannah que não apreciava a leitura se revoltou quando descobriu que sua pesada mochila tinha vários livros colocados por sua mãe para a leitura da família. Com o tempo e alguma relutância começou a gostar de ler e apaixonou-se pelo romance "E o vento levou" e por "Rhett Buttler".

            Savannah fez juntamente com a família uma imersão na cultura dos países visitados, conhecendo sua geografia e história e se viu obrigada a utilizar banheiros públicos imundos e a fazer refeições com pratos esquisitos e sem as condições de higiene que considerava adequadas. As mulheres da família trocavam camisetas entre si para ter mais opções de vestuário (cada uma levava apenas três). Durante a viagem, Savannah foi amadurecendo e, ao ver pessoas humildes e felizes com tão pouco, começa a se questionar sobre porque precisamos de tanto para sermos felizes. A família passa por situações perigosas, ora perdidos e quase sem combustível no deserto, ora com a pane do veículo no meio do nada. A autora, hoje aos 30 anos (casada e mãe), reside na Holanda e trabalha como escritora, influenciadora digital e administradora de acomodações para o Airbnb. Viajante experiente (visitou mais de 110 países), planeja conhecer todos os países do mundo. A adolescente preconceituosa quanto a outras culturas (e países pobres), tornou-se uma mulher com mente aberta para o mundo e suas culturas. A autora tem um blog intitulado "sihpromatum", palavra chinesa que significa "benção que inicialmente parecia uma maldição" e que traduz a experiência pela qual passou. Fica a dica do blog e do livro.

 

Sugestão de boa leitura:

Título: De mochila na china.

Autor: Savannah Grace.

Editora: Duna Dueto, 2018, 443 p.

Preço: R$36,60.

sábado, 14 de novembro de 2020

Homens em guerra

            

Andreas Latzko (1876-1943) foi um escritor, biógrafo e pacifista nascido no então Império Austro-Húngaro. Dentre  sua obra, a que mais se destaca é "Homens em guerra" e que foi publicada de forma anônima no ano de 1917. Esse cuidado deve-se ao fato de seu autor ser à época um oficial do Exército Austro-Húngaro e, de seu livro  ser um pungente relato do horror diário da guerra. Latzko visava conscientizar as pessoas sobre a loucura, a insensatez, de enviar pessoas (que abandonam suas famílias e sonhos)  para morrer ou retornar da guerra com terríveis sequelas físicas ou mentais. Andreas Latzko acabou sendo descoberto e foi destituído de seu cargo de oficial. O livro foi proibido de circular nos territórios das nações beligerantes da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), porém, cópias clandestinas dele foram feitas e distribuídas de forma discreta nos círculos intelectuais da época. Lembro de ter lido uma frase de Hiram Johnson que considero emblemática "sempre que uma guerra se inicia, a primeira vítima é a verdade".

            A verdade, bem como quem a profere é considerado um estorvo, sinal de anti-patriotismo. Nesse sentido, o movimento pacifista The Flower Power que incluía importantes personalidades do meio artístico como o ex-beatle John Lennon (1940-1980) com seus inflamados discursos pacifistas irritou profundamente as autoridades civis e militares dos Estados Unidos da América, a mais beligerante das nações. É nesse contexto que o livro foi censurado, afinal, para que a sociedade apóie a guerra é necessário romantizá-la e, não há romantismo algum para quem a vive diariamente. Trata-se de uma morte em vida. Um pesadelo vivido enquanto se está acordado.O general estrategista militar prussiano Carl Von Clausewitz (1790-1831) afirmou sem chance para erro que "a guerra é a continuação da política por outros meios".Trata-se de uma política voltada via de regra para a defesa dos interesses privados dos grandes capitalistas e, levada a cabo pelo Estado com recursos públicos, o qual envia jovens (geralmente pobres) para o inferno a fim de que os ricos continuem a desfrutar das benesses que o  "paraíso capitalista" lhes concede.

            O livro de Latzko pertence ao gênero literatura de guerra que é bastante popular e conta com boas tiragens de exemplares mundo adentro, no entanto, tem a peculiaridade de ser uma leitura muito dolorida, afinal, tem a intenção de não poupar os leitores de detalhes vividos por soldados na dura rotina diária da guerra. O livro tem seis histórias (contos) vividos pelo próprio autor e/ou que lhe foram contadas por soldados com os quais conviveu. O escritor relata bailes realizados em cidades com o objetivo de homenagear os "defensores da pátria", mas, de entrada proibida aos soldados com sequelas. Detalhes como corpos estraçalhados, poças de sangue, etc. não são poupados ao leitor. O escritor lamenta as vidas desperdiçadas enviadas para a morte certa, seja pelo insuficiente treinamento e/ou pelo total descaso com o ser humano, pois,  idosos, pais de família e jovens que ainda não se encontravam na faixa etária ideal eram enviados para o front devido à necessidade de reposição de "material humano" (na denominação das autoridades).

            Dentre as histórias chocantes, há a de um lindo rapaz (desejado por muitas moças) e que namorava a mais bela moça de sua comunidade e que volta da guerra com o rosto desfigurado. Este jovem, na sua rotina diária na guerra, ansiava voltar para casar-se, promessa que ambos haviam feito reciprocamente  para a seu retorno. Ele não é reconhecido pelas moças que conhecia e, sua namorada (que não consegue fixar o olhar em seu rosto) termina o relacionamento. O autor relata que enquanto o soldado vive seus dias no inferno, a população civil toca suas vidas de forma quase normal e, consegue dormir à noite, sendo que muitos soldados jamais terão suas vidas anteriores de volta, pois, a vida comunitária seguiu sem eles e, também porque suas mentes e corpos se deterioraram em vida. O escritor afirma que o discurso do retorno glorioso proferido pelas autoridades (que não entram em combate) é uma farsa.

            Trata-se de um livro perturbador e o indico somente  para quem tem espírito e estômago fortes!

Sugestão de boa leitura:

Título: Homens em guerra.

Autor: Andreas Latzko.

Editora: Editora Carambaia, 2015, 160 p.

Preço: R$ 25,00.

 


sábado, 7 de novembro de 2020

Tributo a(o) Érico Veríssimo

 



"Falta alguma coisa no Brasil

depois da noite de sexta-feira.

Falta aquele homem no escritório

a tirar da máquina elétrica

o destino dos seres,

a explicação antiga da terra.

Falta uma tristeza de menino bom

caminhando entre adultos

na esperança da justiça

que tarda - como tarda!

a clarear o mundo.

Falta um boné, aquele jeito manso,

aquela ternura contida, óleo a derramar-se lentamente.

Falta o casal passeando no trigal.

Falta um solo de clarineta."

 

            Foi por meio desse poema intitulado "A falta de Érico Veríssimo" que Carlos Drummond de Andrade homenageou postumamente Érico Veríssimo (1905-1975). Ser homenageado na forma de uma poesia de Drummond é uma das maiores honrarias que um ser humano pode receber, dispensa estátuas. E o saudoso escritor gaúcho a merece e merece mais. Merece que o povo brasileiro conheça sua obra, não para que ela venda mais, mas, para que conheça por meio de seus escritos o maravilhoso ser humano que as escreveu. Enquanto não conseguia viver de sua obra, trabalhou em vários ofícios no Brasil e no exterior, foi farmacêutico e também professor, claro foi por pouco tempo, pois, se sentiu melhor na redação de jornais e revistas, porém,  sua paixão era escrever. E nos livros que escrevia despejava para fora aquilo que angustiava sua alma, mas, também moldava o país que sonhava e acreditava ser possível. Érico não era dado a rompantes. Em sua obra passava a sua mensagem de forma quase sutil, mas, não tão sutil, afinal, a Érico não faltava coragem, mas, sobravam-lhe convicções.

            Érico Veríssimo defendia a justiça social, condenava a absurda desigualdade social de seu tempo (e nesse quesito o país piorou ainda mais). No entanto, ele não acreditava em soluções extremas (uma revolução armada) e pensava que o Brasil haveria de ser transformado por uma revolução por dentro, ou seja, por reformas que levadas a cabo por sucessivos governos democráticos melhorassem a condição de vida do povo brasileiro. O que o escritor defendia era basicamente os princípios do artigo 3º da atual Constituição Federal (1988) quais sejam: uma sociedade livre, justa e solidária; o desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades sociais; a promoção do bem de todos sem preconceitos de qualquer origem. É verdade que a atual Constituição Federal não existia em seu tempo, nem por isso, defender algo semelhante a aplicação de seu artigo 3º  em seu tempo (tal como na atualidade) produzia resultado diferente que fosse não ser rotulado de comunista. Em seu livro "Incidente em Antares" (1971) ele escreveu "comunista é o pseudônimo que os conservadores e saudosistas do fascismo inventaram para designar todo sujeito que luta por justiça social". Mesmo sendo avesso à soluções extremas foi fichado no DOPS por ser "comunista", ou seja, por desejar a justiça social.

            Érico conta que somente conseguiu viver de sua literatura a partir da publicação de "Olhai os lírios do campo" (1938). Nesta obra, o escritor por meio da personagem Eugênio Fontes (um médico) que anseia por uma "medicina socializada" na qual os médicos seriam funcionários públicos e contariam com boas condições de trabalho para exercer uma medicina gratuita e essencialmente humana. Érico viu em seu tempo a falta que faz um sistema público e gratuito de saúde. Na época não havia o SUS, muita gente morria por falta de recursos financeiros, o que lhe impossibilitava o acesso à medicina, noutras vezes, alguns médicos atendiam gratuitamente pessoas pobres mesmo sem receber pagamento. Hoje temos o SUS, ele precisa ser melhorado, mas precisamos defendê-lo.

            No ano de 2012, este escriba empreendeu uma viagem solo de motocicleta pelo Rio Grande do Sul e entrou na cidade de Cruz Alta apenas para conhecer a casa em que o famoso escritor nasceu. Ao deparar com a casa em alvenaria de esquina, logo constatou que ele não devia ter nascido pobre, tendo em vista a época da construção. Érico, de fato, nasceu em família abastada, mas, cedo viu a ruína financeira e a separação de seus pais.Nesta casa (em que funciona o Museu Érico Veríssimo), lembrei-me da escola de minha cidade (Laranjeiras do Sul - PR) em que fiz as séries finais do Ensino de 1º Grau e que se chama Escola Estadual Érico Veríssimo. Lembrei de meus colegas, os quais, em sua maioria tomaram rumos diversos e ignorados por mim, deixando apenas as lembranças de momentos compartilhados. Lembrei de meus professores dentre os quais haviam aqueles que tinham como principal característica, a simpatia, outros, enérgicos, porém, todos comprometidos com os estudantes que formavam. Fui feliz, tive excelentes professores e se não sou algo melhor, não foi por falta de empenho dos mestres que tive. Sempre me questionei sobre quem dentre os professores teve a ideia de homenagear o famoso escritor, pois, a escola foi renomeada pouco tempo após sua morte. E que homenagem feliz! Mais do que uma homenagem ao escritor, ao ter seu nome é como se Érico Veríssimo é quem homenageasse a escola! Ainda mais, uma escola pública, gratuita, portanto a democratizar para todos, sem seleção para o ingresso ou discriminação quanto a permanência nela possibilitando a todos uma janela para o saber.

           

        É com grande tristeza que vejo a Escola Estadual Érico Veríssimo de minha cidade ser incluída num projeto de militarização (cívico-militar) implementado pelo governo do Estado do Paraná. Não sou contra os policiais militares, apenas prefiro vê-los em suas devidas funções, ou seja, cuidando da segurança pública nas ruas! Quanto às escolas prefiro que sejam cuidadas e administradas por professores, pois, foram formados para tal! Fiquei estarrecido por não ter sido dado prazo para um debate (debate mesmo, com direito ao contraditório) para que a comunidade escolar pudesse ser plenamente informada. Como estudante, professor e cidadão isso me entristece profundamente pois, é um reflexo do projeto autoritário que se busca implantar a toque de caixa em nossas escolas e no país. Matar uma unidade pública com modelo de acesso e permanência garantida (portanto democrática) a todos para implementar outra de um modelo que sabemos ser excludente é uma afronta ao real significado da palavra educação. Além disso, uma escola de nome Érico Veríssimo..., Érico Veríssimo..., que era avesso à todo militarismo e a todo autoritarismo. À memória de Érico Veríssimo cabe-nos pedir perdão..., aos descendentes dele, nem isso, pois, resta-nos a vergonha!

sábado, 31 de outubro de 2020

O Prêmio Nobel, o Brasil e os brasileiros

                 Alfred Nobel (1833-1896) foi um químico, engenheiro civil e inventor sueco que fez grande fortuna com a invenção da dinamite. Nobel, muito dedicado aos estudos e às pesquisas científicas registrou várias patentes e acabou não tendo tempo para a vida pessoal, dessa forma, não constituiu família. Tinha na escritora, pacifista e compositora Bertha Kinsky (1843-1914) integrante da nobreza do Império Austro-Húngaro sua grande amiga. Bertha com seus ideais pacifistas exerceu grande influência sobre Alfred Nobel. O inventor sueco ao falecer deixou grande parte de sua fortuna para que se criasse uma fundação cujos recursos deveriam ser utilizados para premiar anualmente pessoas (vivas) de qualquer nacionalidade que se destacassem no desenvolvimento de avanços que trouxessem grandes benefícios para a humanidade.

            A "The Nobel Foundation" foi criada em 1901, ano em que começaram a ser concedidos os prêmios nas categorias de Química, Física, Literatura, Medicina e Paz. Algum tempo depois foi incluído o prêmio de Economia, porém, os recursos financeiros para este último prêmio são oriundos de um banco sueco. Cada categoria tem seu comitê próprio que avalia as indicações de professores, cientistas e acadêmicos de todo o mundo. A Academia Real de Ciências da Suécia é responsável pelos prêmios de física, química e economia. O prêmio de literatura fica sob a avaliação da Academia Sueca de Letras. O Instituto Médico-Cirúrgico de Karolinska (Solna - Suécia) é responsável pelo prêmio de medicina. O prêmio Nobel da Paz (a pedido de Alfred Nobel em testamento) é escolhido pelo Parlamento Norueguês. Nobel pretendia solidificar os frágeis laços de amizade entre a Suécia e a vizinha Noruega. Os vencedores do prêmio são anunciados em outubro de cada ano e, na data de 10 de dezembro (aniversário de Alfred Nobel) ocorre a cerimônia de entrega do prêmio que inclui uma medalha maciça de ouro com a efígie do inventor, um diploma Nobel e cerca de 1,3 milhões de dólares estadunidenses. O prêmio confere ao seu ganhador reconhecimento internacional. O prêmio pode ser concedido a no máximo três pessoas no caso de um trabalho conjunto.

            O Brasil já teve vários candidatos ao prêmio Nobel em diferentes categorias, apenas, para citar alguns: Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade e Érico Veríssimo (1905-1975) na literatura. Na Medicina: Carlos Chagas, Vital Brasil, Osvaldo Cruz, Euryclides de Jesus Zerbini e Ivo Pitanguy. Oswaldo Aranha, Josué de Castro, Dom Paulo Evaristo Arns, Herbert José de Souza "Betinho", D. Helder Câmara. O prêmio Nobel é uma honraria jamais conquistada por um brasileiro. A nossa vizinha Argentina já recebeu cinco, o México 3, o Chile, a Colômbia e a Guatemala 2 cada e a Venezuela 1. Há países diminutos pelo mundo que já foram agraciados com o prêmio. É verdade que países que investem mais em pesquisa científica receberam mais premiações nas categorias de física, química e medicina, mas, há exceções. Espanta nunca termos vencido nas categorias de literatura ou da paz sendo que tivemos tantos nomes formidáveis por suas ações e obras.

            O brasileiro Ozíres Silva, ex-ministro de Estado, fundador da Embraer, ex-presidente da Petrobras e da extinta Varig em uma cerimônia em Estocolmo (Suécia) fez a membros do Comitê do prêmio Nobel a pergunta que todo brasileiro bem formado e informado gostaria: Por que o Brasil nunca ganhou um prêmio Nobel? Após hesitar, um dos membros respondeu: "vocês brasileiros são destruidores de heróis. Todos os candidatos brasileiros que apareceram (contrariamente a outros países, em particular, os Estados Unidos da América) todo mundo joga pedra do Brasil. Não tem apoio da população. Parece que o brasileiro desconfia do outro ou tem ciúmes do outro, sei lá o que acontece". Faz sentido, lembro de ter lido que a Fundação Nobel deseja que o prêmio concedido à alguém seja extensivo ao povo de seu país e que a acirrada polaridade aqui existente atrapalha muito a escolha de alguém daqui.Lembro que o sociólogo Betinho que criou a "Ação Cidadania contra a fome e a miséria" era criticado por sua ligação com o Partido dos Trabalhadores. D. Paulo Evaristo Arns era criticado pela direita por se opor fortemente à ditadura militar (1964-1985) e por seu papel determinante no esclarecimento dos crimes perpetrados pelos militares. Quanto a D. Helder Câmara pode-se sintetizar em sua célebre frase: "Se dou pão aos pobres. todos me chamam de santo. Se mostro por que os pobres não tem pão, me chamam de comunista e subversivo".

            O país está rachado e não é por culpa de Lula e/ou Bolsonaro. O que temos aqui é a própria luta (tensão) de classes que existia antes deles e continuará existindo depois. A polaridade existente não é fruto da idolatria, mas, oriunda das raízes colonizatórias. Afinal, esse país foi construído com as marcas do saque, do estupro, da escravidão, da grilagem de terras, da tortura e dos privilégios imorais. A riqueza (recursos naturais) é finita, grande é a miséria e a fome e, infinita a ganância e a ignorância das nossas elites. Enquanto houver essa extrema desigualdade social haverá gritos, se não os dos poderosos ao infligir a violência (nas suas múltiplas formas), os dos excluídos que passam fome e/ou que clamam por justiça. O Nobel fica para depois! 


 

            

sábado, 24 de outubro de 2020

A letra escarlate


 Nathaniel Hawthorne (1804-1864) é considerado um dos maiores escritores dos Estados Unidos da América. Oriundo de uma família puritana, era bisneto de um dos juízes do célebre e vergonhoso julgamento das bruxas de Salem. O autor ficou conhecido por meio de suas obras como sendo o puritano mais anti-puritano da história, isso porque suas obras em que pese a crítica contra o puritanismo histórico é dotada de grande pudor  e tem a moral como tema recorrente na qual considera ser a salvaguarda contra a crueldade humana. O escritor teve vários amigos ilustres, tais como o presidente Franklin Pierce (1804-1869) e os escritores Ralph Waldo Emerson (1803-1882), Henry David Thoreau (1817-1862) e Herman Melville (1819-1891) entre outros. Em 1842 casou-se com Sophia Peabody (1809-1871) com quem teve três filhos. Em 1845, voltou com a família para Salem onde trabalhou como Inspetor da Alfândega. Em 1849, a oposição vence a eleição presidencial e ele é demitido do cargo passando a dedicar-se exclusivamente à escrita, na qual sabia ter grande talento e queria ser reconhecido por ela. No ano seguinte lança "A letra escarlate", obra com a qual pretendia ganhar fama e dinheiro. A primeira edição esgotou-se rapidamente, mas, embora tenha ganho dinheiro e fama, em vida, estes não alcançaram a dimensão que projetara.

            "A letra escarlate", sua obra-prima é considerada por seu autor como um romance psicológico. A narrativa embora tenha traços históricos não pode ser classificada como romance histórico devido não ser fruto de profunda pesquisa embasada em métodos científicos, porém, de igual forma não pode ser considerada meramente ficcional, pois, contém traços históricos e autobiográficos. A obra se inicia com um conto intitulado "A alfândega" onde o escritor narra sua rotina de trabalho e descreve a personalidade de alguns de seus subordinados. O autor utiliza esse conto para levar ao conhecimento de seus leitores o surgimento da ideia da obra que teria sido quando em uma faxina encontrou um pacote com um pano com uma letra escarlate bordada junto a alguns documentos muito antigos. Após realizar uma pesquisa sobre o achado, resolveu escrever um livro para trazer sua história à luz do sol.

            Trata-se de uma obra escrita no século XIX que narra uma história do século XVII, na qual Hester Pryne, uma jovem casada com Roger Pryne, um médico culto, porém, muito mais velho. Roger Pryne enviou sua esposa antecipadamente para a Nova Inglaterra (embrião do futuro Estados Unidos da América) para adquirir moradia a fim de que ambos lá se instalassem enquanto ele resolvia assuntos pendentes na Inglaterra. Ela vem sozinha no navio e, sua forma de ser choca a sociedade puritana ali instalada. Jovem e linda traja roupas bonitas e luxuosas, culta e sem embaraços se permite discordar de opiniões masculinas. Ela mesma dirige sua charrete e monta a cavalo. Faz negócios com os comerciantes locais sem precisar de um intermediário do sexo masculino. Contrariando as lideranças do povoado, adquire uma casa em local lindo, porém ermo e vai morar sozinha (enquanto espera o marido). Sozinha e armada, repele as investidas masculinas.

             Passam-se alguns anos e o marido não chega. É dado como morto em um ataque indígena ao chegar na colônia inglesa. Viúva, escandaliza a sociedade puritana local, pois, não consegue esconder os primeiros sinais de gravidez e recusa-se a contar a identidade do homem com quem se relacionou. Mesmo sem julgamento é presa, porém, nem assim revela o nome do pai da criança que  nasce na prisão com o auxílio de uma parteira. Levada a julgamento cuja pena padrão para adultério era o enforcamento de ambos, pois, uma vez que o corpo não havia sido encontrado, ela somente poderia desposar outro homem após sete anos de seu desaparecimento (sexo antes do casamento era algo que ninguém deveria cogitar). As autoridades diante da negativa de Hester em revelar seu parceiro nem mesmo com a súplica de seu pastor Arthur Dimmesdalle, não consideram de bom tom enforcá-la sabendo que o homem com quem ela cometeu um pecado mortal permanecerá vivo e convivendo na sociedade. Resolvem, então lhe impor uma marca, uma letra "A" escarlate (adúltera)  que ela será obrigada a usar sempre que adentrar espaços públicos. No dia do julgamento aparece na localidade um médico que se apresenta como Roger Chillingworth. É na verdade, Roger Pryne, marido de Hester que deseja se vingar do homem com quem ela se relacionou e diz a ela que o encontrará apesar de seu silêncio.

            Chillingworth vive cada dia na busca da vingança. Hester é humilhada publicamente a cada ida ao povoado, todos dela se afastam e por onde passa ouve xingamentos. Resiliente, seu castigo a torna mais forte e consegue manter a moral elevada ante puritanos hipócritas que falam sobre Deus enquanto destilam ódio. Costureira de mão cheia atende a sociedade local com as lindas roupas que costura e borda. Faz roupas maravilhosas para a filha Pearl, porém, usa roupas excessivamente sóbrias (sempre no tom cinza escuro) evidenciando que vive apenas para a filha. Vive o dilema de não conseguir se arrepender, pois, arrepender-se é rejeitar a filha (o fruto de seu pecado) que ama. Do dinheiro que ganha, tira o suficiente para viver com modéstia, porém, dignamente e, pratica muita caridade, apesar de  muitas das pessoas que ajuda lhe retribuir com xingamentos. Algumas pessoas começam a sentir compaixão por Hester, porém,  ela recusa que dirijam-se a ela na rua, pois, quer viver sua pena de exclusão (em meio à sociedade). Roger Chillingworth explorando o fanatismo religioso de seus membros inflama o ódio na sociedade no intuito de ver sua ex-mulher e amante serem levados à forca.

            A obra foi adaptada para a telona, porém, a adaptação não é fiel à obra escrita, algo comum, pois, para fazer sucesso na mídia cinema há tempero próprio. A escrita do autor conta com poucos diálogos e um detalhismo muito grande na descrição de cenários e perfis das personagens, mas, trata-se de uma grande obra! Fica a dica para a leitura e para o filme!

P.S. No livro e no filme, o pai da criança é revelado bem antes do final. Não foi para evitar spoiler que eu não contei, foi por ruindade mesmo! Será que cometi pecado com isso?

Sugestão de boa leitura:

Título: A letra escarlate.

Autor: Nathaniel Hawthorne.

Editora: Penguin, 2011, 336 p.

Preço: R$26,89.

 

domingo, 18 de outubro de 2020

Os sofrimentos do jovem Werther

 

            "Os sofrimentos do jovem Werther" é o romance que lançou o polímata, escritor e estadista Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) do Sacro Império Romano-Germânico (o Estado Alemão moderno somente se constituiria em 1871) à fama. Goethe é um dos maiores nomes da literatura alemã e do Romantismo europeu. O livro de Goethe é considerado um precursor do Romantismo Literário que surgiria mais tarde, porém, Goethe, na maturidade, expressava um certo desdém por seu livro da juventude, não dando a ele o valor que lhe foi atribuído. Sua obra-prima é "Fausto", livro em que trabalhou praticamente a vida toda. Sua vasta obra é formada por romances, peças de teatro, poemas, artigos autobiográficos e reflexões teóricas sobre arte, literatura e ciências naturais. Goethe nasceu em uma família abastada, seu pai (Johann Casper Goethe) um jurista culto, jamais advogou, pois, vivia dos rendimentos de heranças recebidas por ele e sua esposa (Catharina Elisabeth Textor Goethe). O escritor alemão recebeu uma sólida educação, aprendeu francês, inglês, italiano, latim, grego e os rudimentos de ciências, religião e desenho, além disso, praticou aulas de violoncelo e piano e também dança e equitação. Jovem, estudou no curso de Direito na Universidade de Leipzig, formou-se e trabalhou na área, mas, sem jamais se empolgar. Goethe tinha ligações de amizade com a família real e frequentava o palácio e, dessa forma também trabalhou em cargos públicos.

            O livro "Os sofrimentos do jovem Werther" foi publicado originalmente em 1774 e tornou-se sucesso instantâneo em toda a Europa. O Imperador francês Napoleão Bonaparte (1769-1821) condecorou Goethe e disse-lhe que lera sete vezes a obra que levava sempre nas batalhas. A obra foi muito criticada por setores religiosos da sociedade que a consideravam uma má influência entre os jovens, pois, trazia uma narrativa de cobiça à uma mulher casada e a discussão acerca do sentido da vida e do suicídio. Jamais houve a comprovação, mas, credita-se à referida obra o suicídio de vários jovens. Trata-se de um romance epistolar, ou seja, sua narrativa é construída mediante cartas trocadas durante os anos de 1771 e 1772 entre o narrador e protagonista Werther com seu amigo Wilhelm que faz as vezes de confidente e também com Charlotte e seu noivo Albert. Na trama contada em primeira pessoa pelo narrador e protagonista Werther (um rapaz muito jovem e romântico) se desloca até uma pequena cidade do interior da Alemanha para resolver uma questão referente a uma herança. Na localidade é apresentado por sua prima a uma jovem chamada Charlotte, a qual tira para dançar e, apesar de ter sido avisado pela prima de que se tratava de uma moça comprometida, tem por ela uma paixão avassaladora. A jovem muito linda e gentil, talvez percebendo os seus sentimentos, informa-o que é compromissada. Werther conhece Albert, o noivo de Charlotte e dele se torna amigo. Para a infelicidade de Werther, Charlotte se casa com Albert. Apesar disso, Werther continua se correspondendo e visitando o casal. Nas cartas endereçadas a Wilhelm ele conta que a moça é a própria perfeição (bela e gentil) e que em certa oportunidade enviou um empregado para a casa de Charlotte para avisar-lhe que estava com visitas e não poderia ir lhe visitar e que no retorno do funcionário sentiu vontade de o abraçar e beijar-lhe o rosto que foi por ela olhado. Em outra oportunidade Werther aproveitando-se da ausência de Albert beija à força Charlotte. Charlotte irrita-se com ele e ele promete não mais voltar. Paro aqui para não dar spoiler!

            É importante que se diga que a personagem Werther é o próprio Goethe quando jovem que também se apaixonou por uma mulher casada, razão pela qual se afastou do casal, porém, mantendo a amizade. O rompimento da amizade ocorreu quando da publicação do livro, pois, o casal ficou revoltado com a atitude de Goethe que inclusive manteve o nome verdadeiro da amada na obra, mudando apenas o do marido. O amigo confidente (Wilhelm) é provavelmente o seu editor. A narrativa também é influenciada pela história de vida de Jerusalém, um amigo de Goethe.

P.S. Esta leitura pode perturbar pessoas sensíveis ou que não estejam em bom momento psicológico!

Sugestão de boa leitura:

Título: Os sofrimentos do jovem Werther.

Autor: Johann Wolfgang von Goethe.

Editora: Estação Liberdade, 1999, 200 p.

Preço: R$ 28,00.

terça-feira, 13 de outubro de 2020

Os sertões

 

     

            Ler "Os  Sertões" constitui um marco na vida de um leitor entusiasta, afinal, trata-se de um grande clássico. O fato de tratar-se de um calhamaço (700 páginas) e o cientificismo empregado no texto do livro assusta muita gente, mas, não devia. É importante que se diga que inúmeras vezes o leitor precisará recorrer ao dicionário, mas, que o esforço é grandemente recompensado. Na época em que "Os Sertões" foi escrito, a escrita rebuscada e a abundância de termos científicos eram comuns nas grandes obras e, o engenheiro, militar, naturalista, jornalista, geógrafo, professor, poeta, romancista, ensaísta e escritor Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha (1866-1909) o redigiu durante cinco anos para ser um grande livro, sua obra-prima e foi exitoso.

            A obra é dividida em três partes: A terra, o homem e, a luta. Na parte intitulada "A terra", Euclides da Cunha descreve e explica minuciosamente os aspectos naturais da região, sua formação geológica e geomorfológica. É importante que se diga que após 118 anos de sua publicação, o conhecimento científico evoluiu e a obra se encontra defasada. Há também críticos que afirmam que Euclides ousou demais e cometeu alguns deslizes (erros) na abordagem científica. Digo que não há como ler "Os Sertões" e não se assombrar com o gênio que o Brasil perdeu quando de sua trágica morte aos 43 anos de idade. Na parte intitulada "O homem" Euclides move seu olhar para o sertanejo, sua origem por meio da miscigenação e sua forma de viver no sertão. Descreve o jagunço e o vaqueiro e cunha a frase "o sertanejo é antes de tudo um forte". Faz isso sempre sem deixar de ancorar o que observa in loco no conhecimento antropológico e sociológico obtido por meio de suas leituras.

            É na parte intitulada "A luta" que o escritor vai dizer a que veio seu livro, ou seja, para denunciar o genocídio contra uma multidão de excluídos levado a cabo pela República recém instaurada por meio do Exército Brasileiro. É importante que se diga que Euclides foi militar e era republicano, logo, opunha-se à restauração da Monarquia. E com esse espírito ele acompanhou a quarta expedição militar à Canudos. Canudos era uma fazenda abandonada na Bahia na região da caatinga e nela foi fundado o povoado de Monte Belo pelo cearense Antonio Vicente Mendes Maciel vulgo "Antonio Conselheiro" (1830 -1897). Antonio Conselheiro foi um asceta que peregrinou pelo sertão pregando durante quase trinta anos, reformando e construindo igrejas e açudes para a população pobre. Tinha uma fala mansa e tratava a todos como irmãos e estes chamavam-no de pai. A forte religiosidade da população sertaneja pobre levava-os a acreditar que ele era a reencarnação de Jesus, embora, Conselheiro negasse ser. Na década de 1870 uma seca severa e prolongada tornou a vida dos sertanejos ainda mais difícil. A elite local já havia solicitado à Monarquia que se tomasse alguma providência contra Conselheiro e, ele até foi preso, mas, nunca se encontrou nada contra ele, apesar dos inúmeros boatos de assassinatos. A ascendência dele sobre a população incomodava os coronéis (fazendeiros) da região.

            O país havia passado por grandes transformações históricas, houve o fim do ciclo da cana-de-açúcar, a libertação dos escravos (1888) e, a consequente Proclamação da República (1889). A instauração da República não trouxe mudanças para a população pobre, menos ainda, nos rincões interioranos do Brasil. O país estava atrelado a uma grande e pesada dívida externa, a moeda estava depreciada, o preço do café (nosso principal produto de exportação) estava em queda e o governo republicano para fazer frente às dificuldades financeiras aumentara os impostos, no entanto, o sertanejo continuava tão abandonado quanto na época da Monarquia, porém, agora lhe eram cobrados pesados impostos. Os fazendeiros, se irritavam com Antonio Conselheiro, pois, os sertanejos o seguiram e com ele fundaram Monte Belo (1893), não mais trabalhando em troca de quase nada para os coronéis. Em Monte Belo (Canudos) construíram 5200 casebres e estavam construindo uma grande e nova igreja. Trabalhavam nas terras e produziam alimentos que eram divididos entre todos. Produziam farinha de mandioca, feijão, milho, batata, cana de açúcar, carne de sol (cabras), leite e queijo de cabra. Não era muito, mas, para muitos era mais do que tiveram a vida toda.

            Antonio Conselheiro adquiriu madeiras para a igreja nova e pagou à vista, o comerciante que não gostava de Conselheiro recebeu, mas, resolveu não entregar a madeira. Antonio Conselheiro avisou que levaria sua gente e traria a madeira à força para Canudos. O comerciante procurou autoridades locais e estas solicitaram ajuda do Governo Federal. No primeiro embate, houveram pesadas mortes no lado de Conselheiro e poucas das tropas oficiais (a madeira não foi entregue). Como os coronéis não suportavam mais Antônio Conselheiro juntamente com as autoridades locais ampliaram as falas de Conselheiro que considerava a chegada da República como se fosse a do próprio Anti-Cristo e "pintaram em seu grupo as cores" de um movimento com ramificações internacionais para a restauração da Monarquia (algo que absolutamente não existia). Por sua vez, a República queria dar uma demonstração de força e Canudos seria o exemplo para todo o país. Conselheiro e sua gente que nada recebiam em troca do Governo Federal, apenas, não queriam pagar impostos, pois, o povoado estava progredindo e até exportando couro.

            Estimulado pelas autoridades e pela elite baiana e, também pela classe média brasileira que exigia a asfixia do movimento tido por ela como monarquista, o governo preparou três expedições contra Canudos que foram humilhantemente rechaçadas pelos sertanejos que, embora mal armados, conheciam como ninguém o terreno e tinham ânimos invencíveis, pois, lutavam pelo Conselheiro a quem tinham como o próprio "Bom Jesus" e pela vida que, apesar de simples, nunca fora tão boa. O Governo Federal preparou uma mega expedição com tropas de vários estados brasileiros e levou o que havia de melhor em armamentos (canhões, carabinas, metralhadoras, fuzis, granadas, dinamite, etc.). Após uma campanha que se mostrou mais demorada e difícil do que se esperava, "Canudos que não se rendeu e que não foi vencida, foi extinta". À exceção de mulheres, crianças e velhos inválidos, todos os prisioneiros eram interrogados e degolados pelo Exército. Os mortos foram contados em cinco mil militares e vinte mil canudenses. O arraial foi reduzido à pó e a guerra só acabou a 05/10/1897 com a morte simultânea dos últimos quatro combatentes que de uma vala em meio a cadáveres repeliam o fogo de um destacamento inteiro de soldados. O palco da guerra retratado em fotografia mostrava a destruição das construções, cadáveres mutilados para todo lado e as duas igrejas destruídas encontra-se hoje sob 18 metros de água do reservatório de Cocorobó, que poderia ter sido construído a jusante de forma a evitar a inundação das ruínas do arraial (escolha infeliz se, não premeditada). Conselheiro que havia morrido cerca de duas semanas antes, teve seu corpo exumado, fotografado e sua cabeça cortada e levada para a capital. Foi um genocídio (mais um na conta do Exército Brasileiro) e Euclides fez questão de denunciá-lo. Fez bem e, de forma magistral!

 

 

Sugestão de boa leitura:

Título: Os sertões.

Autor: Euclides da Cunha.

Editora: Ubu Editora/SESC, 2016, 700 p.

Preço: R$178,50 (versão com fortuna crítica) - há versões mais baratas.