Powered By Blogger

sábado, 29 de agosto de 2020

E o vento levou

      


M
argaret Munnerlyn Mitchel (1900-1949) foi uma jornalista e escritora estadunidense que se celebrizou internacionalmente por meio de sua única obra intitulada "Gone with the wind" traduzida para o Brasil como "E o vento levou" e em Portugal como "E tudo o vento levou" sendo esta a que me parece mais adequada. Margaret nasceu em Atlanta (Geórgia) e, cresceu ouvindo histórias sobre a Guerra da Secessão (1861-1865) ocorrida naquele país norte-americano e que eram contadas por seus parentes mais velhos e até mesmo por veteranos confederados. Desde criança, a autora demonstrava grande aptidão para a escrita. Quando jovem, escandalizava a sociedade conservadora local por se envolver diretamente em trabalhos sociais junto à população negra de Atlanta. Seu noivo faleceu na Primeira Guerra Mundial e seu primeiro casamento foi frustrado, pois seu marido (que era contrabandista de bebidas durante a "lei seca") era violento, o que levou-a se divorciar. Pouco tempo depois arranjou um emprego de repórter num jornal onde conheceu um colega com o qual se casou. Poucos meses após o casamento, sofreu um pequeno acidente que levou-a ficar em repouso, sendo que para passar o tempo solicitava que seu marido trouxesse livros da biblioteca pública para que pudesse ler. Os livros da biblioteca de seu interesse logo acabaram e seu marido  comunicou o fato e lhe entregou um caderno sugerindo que agora ela devia escrever seu próprio livro e, ela assim o fez. 

            Margaret escreveu sobre aquilo que estava muito vivo junto à sociedade e com o qual ela tinha intimidade, as cicatrizes remanescentes, as lembranças de um tempo que se foi para nunca mais devido ao conflito ocorrido durante o governo do republicano Abraham Lincoln (eleito majoritariamente pelo norte). O livro foi revisado durante dez anos para depois ser publicado (1936). A obra vendeu milhões de cópias e teve seus direitos vendidos para o cinema. O filme de título homônimo foi lançado em fins de 1939, teve treze indicações para o Oscar e levou oito estatuetas. A estrela do filme foi o galã Clark Gable (1901-1960) no papel de Rhett Butler e a bela atriz inglesa Vivien Leight (1913-1967) interpretou a personagem Scarlet O'Hara. O filme é até hoje um dos maiores sucessos de bilheteria e de renda. O dinheiro que Margaret ganhou a tornou milionária  e, assim, não escreveu nenhum outro livro. Passou a dedicar-se integralmente à filantropia, porém, morreu jovem (48 anos), vítima de atropelamento. Há uma continuação da obra com o título "Scarlet", nome da protagonista de "E o vento levou", mas, que não logrou o mesmo sucesso e, que foi escrita (com a benção de Margaret Mitchell) por Alexandra Ripley.

            É tarefa impossível resenhar a contento tal obra nestas poucas linhas. Trata-se de um calhamaço, um livro que exige coragem e fôlego do leitor, mas, que o gratifica imensamente pelo tempo despendido. A obra relata o faustoso modo de vida (embalado pelo alto valor do algodão) da aristocracia escravocrata da região sul dos Estados Unidos e o período da Guerra de Secessão e de reconstrução da região atingida pelo conflito. Não espere na obra rigor científico e imparcialidade quanto a relação dos senhores com seus escravos (romantizada) e quanto à interpretação do conflito em si, pois, a autora tem suas raízes familiares naquele local e coloca a história desta sob o prisma sulista. A personagem principal é Scarlet O'Hara, filha de uma rica família escravocrata, garota linda, mimada, egocêntrica e acostumada a ter todos os homens disputando seu amor, ela somente encontra dificuldades com o controvertido Rhett Butler, que até se torna seu terceiro marido, mas, sem que ela jamais tivesse controle absoluto sobre ele (algo que sempre buscou em seus relacionamentos). A obra discorre sobre várias famílias tradicionais do Condado de Clayton e, as cidades e localidades citadas na obra realmente existem e foram palco de guerra. Em Jonesboro há uma casa típica de fazenda algodoeira convertida em museu com modelos de roupas utilizadas na época e até mesmo no filme. A arrogância sulista e o menosprezo aos yankees (estadunidenses da parte norte) impediu que vislumbrassem que a campanha não teria outro final, que não o fracasso. Com a derrota, a economia local foi arrasada, as fazendas tiveram sua infra-estrutura incendiada, os negros libertados, os cultivos destruídos e os campos salgados, pois, os fazendeiros locais forneciam recursos financeiros para as tropas confederadas. A obra retrata ainda o horror da guerra (seus mortos e inválidos), a corrupção dos administradores ianques nas áreas sulistas controladas, o abismo cultural entre o povo do norte e do sul estadunidense, a soberba das famílias tradicionais sulistas e seu pouco apreço ao trabalho, o preconceito contra os negros e o nascimento da famigerada Ku Klux Klan, enfim, e não de forma menos brilhante, a dura realidade daqueles que continuaram acreditando em valores temporais de uma sociedade que desapareceu, como se levada pelo vento!

Sugestão de boa leitura:

Título: E o vento levou.

Autor: Margaret Mitchell.

Editora: Record, 1ª edição, 2015, 1477 p.

Preço: R$ 79,99 (Ed. Nova Fronteira, 1ª edição, 2020).

sábado, 22 de agosto de 2020

Um país se faz com homens e livros!

 


 

            A frase que dá título a esse artigo é do escritor Monteiro Lobato (1882-1948). Esta frase é para as pessoas esclarecidas, incontestável. Um país que busca ter um lugar de destaque no concerto das nações precisa ter na qualidade instrucional e cultural de seus cidadãos, sua maior riqueza, afinal, qual é a nação do mundo totalmente dependente de seus recursos naturais e que faz parte do grupo de países centrais? Nenhuma! Todas as nações protagonistas do capitalismo global investiram pesado no conhecimento, pois, embora algumas sejam ricas em recursos naturais e isso certamente é importante, porém, constituem um plus valor. Além disso, desenvolver o conhecimento possibilita industrializar matérias-primas e agregar mais-valor às exportações. As nações hegemônicas do capitalismo global têm no domínio do conhecimento científico, na formação de uma mão de obra altamente especializada em centros universitários e pólos científicos e tecnológicos, seus maiores trunfos.

            Não há como alcançar o nível de desenvolvimento socioeconômico, científico e tecnológico dos países desenvolvidos sem investir em educação, ciência e tecnologia. É necessário mudar esse paradigma de que investir nessas áreas constituem despesas, pois, se tratam de investimentos a longo prazo, sendo que a política do imediatismo nunca colheu bons resultados em lugar nenhum do mundo. É necessário pensar e agir hoje para construir o país que se quer amanhã. As boas políticas desenvolvimentistas são aquelas que sobrevivem à mudança de governantes, pois, constituem políticas de Estado e não como disse, políticas de governos, que mudam conforme a alternância das bandeiras partidárias no poder. Nosso país se encontra no top 10 das nações mais injustas no quesito socioeconômico. Ocorre que quando comparamos as nações que nos acompanham nesse ranking vergonhoso, pensamos: o que estamos fazendo aqui? O Brasil, pelo tamanho de seu território, PIB e recursos naturais não deveria estar nessa vergonhosa posição. Também não se pode pensar que ali estamos por obra do acaso, trata-se de um projeto. As políticas governamentais, salvo raros hiatos, jamais enfrentaram com seriedade a desigualdade social. Poucos governantes efetivamente desenvolveram políticas progressistas e desenvolvimentistas na história nacional.

            Nesse momento encontra-se no Congresso Nacional para discussão um novo projeto de tributo. Trata-se da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Muito já escrevi nesse espaço sobre a injusta forma como ocorre a tributação no país. A tributação é regressiva, atinge mais fortemente as classes baixa e média e, com menos intensidade em termos percentuais, a elite do capital. o sistema tributário brasileiro baseia-se no consumo, o que percentualmente afeta e reduz o poder aquisitivo da parcela menos favorecida da população, sendo que na outra ponta, o país é um paraíso para os milionários e bilionários. Se duvida disso estude a tributação que incide sobre heranças, lucros e dividendos das grandes nações capitalistas do planeta e compare. A CBS vai incidir também sobre livros, jornais e periódicos e, obviamente o custo será repassado ao consumidor, isso num país cuja população culturalmente lê pouco e cujo baixo poder aquisitivo da população sempre constituiu um obstáculo. Como a tributação vai incidir várias vezes sobre a cadeia de produção de livros ninguém sabe ao certo qual será o percentual final da majoração dos preços. Confrontado sobre essa questão, Paulo Guedes (Ministro da Economia) justificou a tributação afirmando que livros são produtos de luxo, adquiridos por pessoas privilegiadas. Esquece o ministro que iates, helicópteros e aviões são produtos adquiridos por pessoas privilegiadas e são isentos de tributos que recaem sobre setores menos afortunados e também que a majoração dos preços não contribui para que a população brasileira leia mais e, ainda evidencia a falta de projeto de país. Falar de distribuir livros gratuitamente às classes populares é mera falácia, como bem sabemos, a distribuição jamais teria a escala necessária devido ao alto valor que anularia os ganhos do referido imposto com o mercado editorial que se encontra combalido, com editoras e livrarias fechando. Livro é tão importante que deveria fazer parte da cesta básica. Mas, num país cujos governantes via de regra preferem conduzí-lo à sombra das grandes nações, buscar um lugar ao sol é uma heresia. Aliás, tributar livros (encarecendo-os) é a forma moderna de queimá-los!          

sábado, 15 de agosto de 2020

A ridícula ideia de nunca mais te ver


 

           

A jornalista, escritora e professora universitária espanhola Rosa Montero (Madri - 1951) é um dos principais nomes da literatura espanhola contemporânea. Reconhecida internacionalmente, tanto seu trabalho jornalístico como o literário lhe rendeu importantes premiações. Como jornalista contribuiu com grandes jornais do mundo e sua obra literária já foi traduzida para mais de vinte idiomas. O livro é surpreendente e, ao iniciar a leitura, não se consegue largá-la. Trata-se de uma convocação à reflexão sobre a vida compartilhada e o fim desta com a morte da pessoa amada. É principalmente uma biografia da genial cientista franco-polonesa Marie Curie (1867-1934) e os pontos de entrelaçamento da história de vida desta com a da autora.

            A obra traz uma análise feminista por parte da autora que se utiliza de hashtag’s para evidenciar/questionar o papel reservado às mulheres no tempo de Madame Curie e atualmente. Marie Curie, nascida Manya Sklodowska e sua irmã mais velha (Bronya) ambicionavam estudar e alcançar reconhecimento profissional, porém, nascidas no seio de uma família pobre, a empreitada era penosa. Marie combinou com Bronya de que trabalharia na Polônia (ocupada pelo Império Russo) onde vivia, para que esta pudesse cursar medicina em Paris e depois, a irmã a sustentaria em seus estudos. Marie foi preterida pela família de um pretendente devido à sua classe social. Desiludida no amor recebeu a informação de que a irmã formada em medicina iria se casar com um francês e a avisava que estava pronta para cumprir sua parte no acordo. Marie ingressou na famosa Universidade Sorbonne, formou-se em física e, em seguida em matemática. Conheceu o físico Pierre Curie (1859-1906) com quem se casou. Pierre percebendo a importância da pesquisa científica da esposa Marie, abandonou sua própria pesquisa (magnetismo) para ajudá-la.

 As condições de trabalho eram precárias e os recursos financeiros diminutos. O trabalho do casal em parceria com o cientista Antoine Henri Becquerel (1852-1908) lhes rendeu o Prêmio Nobel de Física de 1903. Mas, a Academia Sueca excluiu Marie por sua condição de mulher e, Pierre indignado, disse que não receberia o prêmio caso sua esposa também não o recebesse, pois, era ela a mentora da pesquisa. A Academia posta contra a parede concedeu o prêmio (reconhecimento) também a ela, mas, não a importância em dinheiro que lhe cabia, e foi Pierre (e não Marie) chamado a discursar na cerimônia. Marie vivia exausta, pois, tinha que cuidar dos afazeres domésticos, e mesmo grávida ou cuidando de bebês dar conta do também exaustivo trabalho de pesquisa sobre radioatividade. Sua pesquisa levou a descoberta do polônio (batismo em homenagem à sua terra natal) e mais tarde do rádio. Então veio a tragédia, Pierre morreu num acidente. Marie escreveu um diário durante um ano registrando a dificuldade da vida sem o companheiro.

 Marie preterida por ser pobre e tida como estrangeira pela sociedade francesa. Ao ganhar o Nobel e em sendo casada com o francês Pierre foi tornada “santa francesa”.  Viúva, ao se tornar amante de Paul Langevin (a quem ninguém criticava como adúltero) teve a casa apedrejada e sua integridade ameaçada e foi declarada “puta” pela imprensa e sociedade francesa. Com o fim da relação com Langevin, mergulhou no trabalho e, em 1911, ganhou seu segundo prêmio Nobel, desta vez, em Química. Por sua vida pessoal pregressa fartamente retratada na imprensa, a Academia não queria lhe entregar o prêmio para o qual sua descoberta havia sido eleita pela banca de célebres cientistas. Ela então escreveu uma dura carta aos membros da Academia Sueca e nela professorou que a descoberta de fatos científicos não pode ser eclipsada pela moral hipócrita de alguns. Novamente posta contra a parede, a Academia se rendeu, Marie recebeu o prêmio e discursou. A cientista cuja família tinha na longevidade uma característica morreu com apenas 66 anos de idade vitimada pela radioatividade à qual se expôs e cujos efeitos eram desconhecidos. Infelizmente, não viveu para ver sua filha Irène trazer mais um Nobel (descoberta da radioatividade artificial) para a família.

Encerro com uma frase de John Lennon (1940-1980) citada no livro “a vida é aquilo que acontece quando estamos ocupados com outra coisa”. Fica a reflexão e a dica.

 

Sugestão de boa leitura:

Título: A ridícula ideia de nunca mais te ver.

Autor: Rosa Montero.

Editora: Todavia, 2020, 208 p.

Preço: R$ 42,26.

 

sábado, 8 de agosto de 2020

A tortura

 

Henri Alleg (1921-2013) foi um jornalista franco-argelino, diretor do jornal Alger Républicain (1950-1955) e membro do Partido Comunista Francês. O jornal que dirigia era a única voz opositora ao colonialismo francês na Argélia. Por exigir liberdade de expressão para a imprensa argelina e principalmente por seu engajamento na luta anticolonialista, o jornal foi extinto em 1955 pelas forças de ocupação francesas. Estas passaram a prender jornalistas e membros do partido comunista local. Na clandestinidade, Henri continuou a enviar artigos para serem publicados na França, apesar de muitos serem censurados e jamais publicados.

            Em 1957, ao visitar a casa do professor de matemática Maurice Audin, que era seu amigo e membro da resistência ao colonialismo, Alleg caiu na armadilha preparada pela 10ª divisão militar de pára-quedistas franceses que atuavam em solo argelino. Preso, sem que uma acusação formal tivesse sido declarada contra ele e, sem ter sido apresentado e ouvido por um juiz de instrução foi severamente torturado. É importante lembrar que, passada a Segunda Guerra Mundial e, com a revelação pelo Exército Vermelho da então União Soviética do horror dos campos de concentração nazistas que faziam parte da indústria de extermínio da Alemanha e que vitimou milhões de judeus, ciganos, sindicalistas, socialistas, comunistas, negros, deficientes físicos e homossexuais, a humanidade (após a criação da ONU) imaginava que atos de barbárie como estes seriam algo relegado aos livros de história, mas, a realidade demonstra que as expectativas foram frustradas, pois, revelações posteriores surgiram, dentre outras, as referentes ao período stalinista da URSS (1941-1953), a ditadura militar brasileira (1964-1985), aos campos de concentração sérvios na Guerra da Bósnia (1992-1995), e mais recentemente, acerca das prisões de Abu-Grhaib (Iraque) e em Guantánamo (Cuba) ambas comandadas pelos EUA. Impossível não se lembrar do livro “Eichmann em Jerusalém”, onde o oficial nazista levado a julgamento em Israel declarava que apenas estava cumprindo ordens e se eximia de qualquer culpa ou ressentimento por seus atos, ao que a intelectual Hannah Arendt cunhou a expressão “a banalidade do mal”. Na obra, Alleg relata ter sido elogiado por seus torturadores “por ser durão” e resistir a todas as técnicas e não revelar seus companheiros da resistência nem mesmo sob o efeito de pentotal, uma droga aplicada na veia e conhecida como “soro da verdade”.  Infelizmente, ainda há quem defenda tais práticas horrendas, bárbaras e incivilizadas, dentre estas pessoas há até chefes de Estado. Alleg afirma ainda ser motivo de forte angústia e humilhação ouvir os gritos de homens e mulheres torturados e, que os muçulmanos presos ao verem-no sendo carregado após as sessões de tortura (solidariamente) diziam: “coragem irmão”.

O livro é um relato minucioso das torturas que sofreu, e foi publicado originalmente em 1957, quando seu autor foi transferido para outra prisão, pois, os militares se conscientizaram que ele “não tinha apreço a vida” e nada revelaria. Neste momento, por meio de seu advogado, enviou secretamente seus relatos que foram publicados como livro. A obra foi proibida na França, mas, o estrago estava feito, a opinião pública informada pela imprensa passou a exigir sua libertação, o que não ocorreu, porém, Alleg conseguiu fugir da prisão e se exilou na então Tchecoslováquia. Anos mais tarde, uma lei de anistia foi sancionada na França e lá ele estabeleceu residência. O professor Audin foi morto pelos militares, recentemente o presidente Macron da França, pediu desculpas oficiais à sua viúva. Henri Alleg afirmou que publicou o livro para que a sociedade tomasse conhecimento e repudiasse tal prática bárbara, incivilizada e desumana. Alleg (morreu aos 91 anos) não viu seus torturadores serem punidos, pois, morreram antes dele, graduados e com honras militares, mas, fez sua denúncia correr o mundo, inclusive na França. A leitura do livro não é aconselhada para pessoas sensíveis, mas, necessária para refletir sobre a humanidade, nem sempre humana!

Sugestão de boa leitura:

Título: A tortura.

Autor: Henri Alleg.

Editora: Todavia, 2020, 80 p.

Preço: R$31,91.

 

domingo, 2 de agosto de 2020

Reflexões sobre a construção de um instrumento político




Florestan Fernandes (1920-1995) foi um sociólogo e político brasileiro que ao longo de sua carreira publicou mais de 50 livros e centenas de artigos científicos, os quais são fontes de pesquisa para estudantes e professores das ciências sociais do Brasil e da América Latina. Tendo sua formação (graduação, mestrado e doutorado) realizada na Universidade de São Paulo (USP), nela começou a lecionar até o momento em que foi aposentado compulsoriamente pela ditadura militar. Com as portas fechadas das universidades brasileiras aos seus ensinamentos, foi lecionar na Universidade de Toronto (Canadá) e Yale (Estados Unidos da América). Em 1978, com o processo “lento e seguro” de reabertura democrática, começa a lecionar na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Suas obras são marcadas pelo rigor analítico e crítico e constituem um grande legado para as ciências sociais. Sua obra mais famosa é “A revolução burguesa no Brasil” que constitui um marco no estudo do desenvolvimento capitalista brasileiro e do papel da burguesia nacional.
Não tenho a pretensão de analisar em minúcias a obra “Reflexões sobre a construção de um instrumento político” que aqui resenho, a qual se trata de um pequeno livro, porém de uma escrita muito densa de significados, pois, o artigo se tornaria gigantesco. Na obra, Florestan afirma que a condenação ao marxismo é extemporânea, que não há um fim da história como alguns pretendem, mas, de situações dadas que podem ser alteradas pelo curso da história, pois, esta é movimento. Critica também a imposição do pensamento de que só há democracia no capitalismo, pois, não se pode pensar em verdadeiro socialismo que não seja democrático e, reitera que no capitalismo, a democracia inexiste de forma plena, dada a grande desigualdade social e a falta de voz dos excluídos, principalmente em países da periferia do sistema capitalista que continuam (apesar da independência) colônias das metrópoles. Critica também a burguesia nacional, a qual em seu ver não tem um projeto de nação para o país, pois, a ela não interessa o desenvolvimento nacional soberano tendo em vista que prefere se associar (na qualidade de sócio menor) aos interesses do grande capital externo para a rapinagem das riquezas do país.
Afirma que as metrópoles só temem o socialismo e o comunismo e critica a opção de muitos integrantes da esquerda pela cômoda opção social-democrata, que em seu ver é um arranjo que suaviza, mas, não resolve as contradições do capitalismo. O autor reitera que enquanto a esquerda não consegue superar suas divergências em favor de uma união (em torno de pontos programáticos convergentes) para disputar o poder, a direita quando se sente ameaçada lança mão de contra-revoluções, inclusive muitas vezes exige golpes à democracia junto às forças militares, pois, à burguesia nacional e internacional interessa é a manutenção das altas taxas de lucros sejam eles vindos da especulação financeira, da exploração dos recursos naturais finitos ou da mais-valia extraída da classe trabalhadora. Embora a burguesia prefira uma democracia de fachada, não tem pudores em estimular e apoiar um regime de exceção para nele se abrigar. O autor não vê solução para os problemas do desenvolvimento capitalista dependente (colonizado) de nosso país que não seja a superação deste pela implantação do socialismo e, considera ser necessário o desenraizamento burguês da classe trabalhadora que se encontra alienada e manipulada pela burguesia, pois, sem que a classe trabalhadora tenha consciência social e socialista, não há reforma social e nem revolução. Enfim, estes são apenas alguns pontos que considerei importante trazer ao conhecimento do leitor, mas, a obra não se resume a isto, fica a dica.

Sugestão de boa leitura:
Título: Reflexões sobre a construção de um instrumento político.
Autor: Florestan Fernandes.
Editora: Expressão Popular, 2019, 102 p.
Preço: R$17,00.