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domingo, 27 de fevereiro de 2022

Crepúsculo dos ídolos ou como se filosofa com o martelo

 

É importante que eu diga que no meio literário há o consenso de que nenhum leitor lê o mesmo livro, afinal, a interpretação da obra também passa pela bagagem cultural e de vida de cada pessoa. Como o leitor sabe, não sou  formado em filosofia, então, na condição de leigo, escrevo apenas as minhas impressões sobre a obra em questão. "Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844 - 1900) foi um filósofo, filólogo, crítico cultural, poeta e compositor prussiano do século XIX, nascido na atual Alemanha. Escreveu vários textos criticando a religião, a moral, a cultura contemporânea, exibindo uma predileção pela metáfora, ironia e aforismos (WIKIPÉDIA)". A obra tem como título completo "Crepúsculo dos ídolos ou como se filosofa com o martelo". O que o autor afirma ser a filosofia do martelo diz respeito a sua intenção de quebrar ideologias que são em seu entender ídolos com pés de barro, ou seja, não se sustentam. Nietzsche afirma ser loucura sacrificar a vida por uma causa ideológica, pois, em seu ver tudo é ilusão, portanto deve-se apenas desfrutar da vida. Segundo Nietzsche dizer sim à vida é esperar menos do futuro, lamentar menos o passado que não foi bom e aceitar a vida como ela é. E considera doentio quem nega a vida como ela é (apesar de seus inúmeros pesares). Nisso critica a moral cristã, pois faz com que o homem abra mão dos seus instintos carnais para viver um ideal que em seu ver não passa de ilusão.

            O autor faz fortes críticas à cultura ocidental e à Igreja (a qual considera fator de atraso da sociedade). Como o leitor pode constatar nestas poucas linhas, o filósofo era polêmico, por isso mesmo, odiado por uns, amado por outros. Ninguém passa indiferente à leitura de sua obra. O próprio Nietzsche se considerava muito avançado para a época que estava inserido e alegava ser este o motivo de seus livros não venderem o que ele esperava. O filósofo odiava o método dialético de Sócrates e se colocava em defesa dos interlocutores humilhados pelo filósofo grego. Afirmava que a arte e não a razão deveria ser endeusada, pois, as forças ativas estariam ligadas à criação (arte) e as forças reativas à moral. Nietzsche afirmava que o racionalismo em excesso estava acabando com a humanidade.

            Interessante observar como o autor insere o termo niilismo, pois, no dicionário o mesmo se refere ao ponto de vista que considera as crenças e os valores tradicionais infundados e que não há qualquer sentido ou utilidade na existência. Nietzsche chama de niilistas as pessoas que desperdiçam a vida moldando sua mente e sua forma de viver em conformidade com as ideologias, a moral ou a crença cristã de uma vida após a morte, que (em seu ver) eram ídolos (com pés de barro) que pretendia destruir com sua filosofia do martelo para que o homem, enfim, livre pudesse viver (mesmo que a vida não tivesse nenhum sentido). Ao dizer sua famosa frase "deus morreu", Nietzsche estava na verdade afirmando que sua filosofia demonstrava/confirmava a morte de todas as utopias. O filósofo criticava até mesmo o ideal de igualdade dos comunistas e questionava sobre a quem interessava ou servia, pois, segundo ele a sociedade é desigual por natureza e a maioria dos indivíduos da sociedade é medíocre. Também o conceito de bem e de mal, não passou incólume ao olhar e à mente ferina do filósofo, pois, dizia que tais conceitos mudam com o passar do tempo e se diferenciam de uma região do mundo para outra e, afinal, quem afirmou que são verdadeiros? Trata-se de apenas mais um ídolo com pés de barro.

            Rememorando as instigantes aulas da disciplina isolada de filosofia de meu curso universitário nos quais tive a honra de ser aluno da Mestra Ruth Rieth Leonhardt, digo que concluí com êxito a leitura desta obra filosófica pois tenho mais dúvidas do que certezas e, segundo a citada professora esta é a função da filosofia!

Sugestão de boa leitura:

Título: Crepúsculo dos ídolos ou de como se filosofa com o martelo.

Autor: Friedrich Nietzsche.

Editora: Vozes de bolso, 2014, 120 pág.

 

 


sábado, 12 de fevereiro de 2022

Hibisco roxo

 


               Chimamanda Ngozi Adichie é uma das mais importantes e influentes jovens autoras em língua inglesa da atualidade. Ela nasceu em 15 de setembro de 1977 em Enugu, estado de Anambra na Nigéria. No entanto, cresceu na cidade universitária de Nsukka, no sudeste daquele país. Seu pai era professor universitário e sua mãe foi a primeira mulher a trabalhar como administradora naquele local. Chimamanda estudou medicina e farmácia por um ano e meio na Universidade da Nigéria. Foi editora da revista The Compass nesse período. Aos 19 anos mudou-se para os Estados Unidos para estudar comunicação e ciências políticas, na Universidade Drexel, na Filadélfia, porém, logo transferiu-se para a Universidade de Connecticut. Em 2003, concluiu seu mestrado em escrita criativa na Universidade John Hopkins de Baltimore, e em 2008 recebeu o certificado como mestre de artes em estudos africanos pela Universidade Yale. Na condição de autora recebeu vários prêmios e dentre as obras que publicou se destacam: Hibisco roxo (2003), Meio Sol amarelo (2006), No seu pescoço (2009), Americanah (2013), Sejamos todos feministas (2014), Para educar crianças feministas (2017). Atualmente divide o seu tempo de vida e de trabalho entre os Estados Unidos da América e o seu país natal, a Nigéria (Fonte: Wikipedia).

            Meu primeiro contato com a obra de Chimamanda foi por meio do livro "Sejamos todos feministas", ocasião em que coloquei seu nome na minha lista de autores a seguir, tamanha a potência do seu discurso. Em "Hibisco roxo" Adichie mostra as cicatrizes da colonização inglesa e dos constantes golpes de estado na ainda curta história da Nigéria (o país tem pouco mais de sessenta anos de independência). Um dos efeitos benéficos da leitura dessa obra é a desconstrução do estereótipo de que não apenas a Nigéria, mas, de que todo o continente africano é vítima, a de que é uma região onde somente há pobreza. A autora mostra em seu livro uma Nigéria rica, porém, com grande desigualdade social. A trama tem como personagens principais Kambili (uma menina de 15 anos), seu irmão Jaja, os pais Eugene e Beatrice e a tia Ifeoma.

            Eugene é um rico empresário, dono de um jornal que faz oposição ao governo golpista e de várias indústrias no ramo de alimentos. Eugene é chamado de "Papa" pelos integrantes da família e com sua fortuna se dedica à filantropia, ajuda a comunidade local, inclusive faz significativas doações em dinheiro para a Igreja. Eugene segue o cristianismo e critica fortemente as tradições culturais e religiosas ancestrais (nativas). Trata-se de um nigeriano que deseja viver como se europeu fosse. Eugene apesar de ser considerado um santo homem pelas pessoas de sua comunidade é um pai e esposo muito severo. Sua esposa Beatrice é submissa, ela se diz grata pela vida confortável que seu marido lhe oferece, no entanto, é vítima de sua violência. Ela também não consegue se opor ao marido e a forma áspera deste no trato com os filhos. Eugene é um fundamentalista religioso, pensa ser o guardião a zelar pelo bom caminho dos entes familiares. Ele pensa estar fazendo o que se espera de um pai cristão exemplar e temente a Deus. Eugene exige que seus filhos tirem notas máximas e sejam cada um o melhor estudante de sua turma. Em certa ocasião, Kambili não consegue ser a primeira da turma e volta para casa com os elogios de seus professores por ser uma excelente aluna (segunda colocada da turma), mas recebe castigos físicos de seu pai por não ter alcançado a única obrigação que tinha (ser a primeira colocada). Eugene somente deixa seus filhos visitarem seu próprio pai e avô (Papa Nnukwo) duas vezes por ano (Natal e Ano Novo) e durante quinze minutos. O motivo são as crenças deste na religião tradicional tidas por Eugene como pagã.

            No livro, Adichie apresenta a Nigéria por meio de descrições do cotidiano das pessoas (ricas como a família de Kambili) cujos filhos vão à escola particular num veículo Mercedes-Benz com motorista e das pessoas pobres que Kambili vê perambulando pelas ruas ganhando a sua sobrevivência na informalidade. Apesar de a Nigéria ser apresentada como um país rico (é uma potência petrolífera) há a descrição do descaso das autoridades com a infra-estrutura rodoviária e energética ofertada. Ifeoma, tia de Kambili é professora universitária, tendo ficado viúva, se recusa a casar-se novamente, pois, gosta de sua vida de viúva e considera que ruim é o patriarcado, o machismo arraigado no homem nigeriano padrão. Ifeoma também foi educada em escola cristã, mas, respeita as tradições ancestrais de seu pai (Papa Nnukwo) e de parcela significativa da sociedade. Ifeoma cria seus três filhos de forma respeitosa, libertária, ouve suas opiniões, exerce, portanto sua autoridade de forma não autoritária. Eugene é convencido por sua irmã a deixar os filhos passarem uma semana do período de férias na casa dela, onde Kambili e Jaja tomam conhecimento de como é viver de forma humilde. Kambili dorme no quarto de sua prima Amaka e fica constrangida em vê-la com a roupa de baixo, algo que aprendeu (em família) ser imoral. O pai de Kambili tem chave reserva de seu quarto para vigiar o comportamento da filha (em visitas surpresa). Kambili conhece um jovem padre que visita a casa de sua tia e passa a sentir algo por ele com que não sabe lidar direito, sendo ele um padre e ela uma pessoa com as emoções sempre reprimidas.

            Enfim, o leitor pôde constatar ao ler esta resenha que trata-se de uma obra que mostra um país africano (a Nigéria) como ela é (livre do estereótipo), as cicatrizes da colonização e a consequente aculturação da sua população, da desigualdade social, do patriarcado/machismo e o empoderamento de mulheres feministas ainda que incipiente. Quanto ao título e demais desdobramentos da obra, deixo para que o leitor descubra lendo-a, pois a recomendo fortemente!

Sugestão de boa leitura:

Título: Hibisco roxo.

Autor: Chimamanda Ngozi Adichie.

Editora: Companhia das Letras, 1ª ed., 2011, 328 pág.

 

sábado, 5 de fevereiro de 2022

A sociedade do cansaço

 


            Byung-Chul Han (1959) é um filósofo e ensaísta sul-coreano. Han é também professor de Filosofia e Estudos Culturais na Universidade de Berlim e autor de uma extensa obra marcadamente crítica à atual sociedade do trabalho e à forma como a tecnologia é utilizada no processo produtivo e suas consequências no campo social. O livro "A sociedade do cansaço" é pequeno quanto ao número de páginas, porém, denso quanto ao conteúdo. Tenho o hábito de grifar e fazer anotações à lápis, quando concluí a leitura observei que raros eram os parágrafos que não haviam grifos (risos). O filósofo sul-coreano afirma que cada época teve suas epidemias (virais ou bacteriológicas). Também nós fazemos parte da história, pois, a pandemia de Covid 19 será alvo de estudo de futuras gerações de estudantes e cientistas.

            Han faz uma comparação entre a sociedade anterior e a atual. Para o filósofo, embasado em Michel Foucault (1926-1984), a sociedade anterior era dominada pela negatividade e baseava-se no método de "vigiar e punir". Han afirma que a sociedade contemporânea é marcada pelo excesso de positividade, ou seja, é a sociedade do desempenho, da alta produtividade. Se na sociedade anterior ele tinha um patrão ou funcionário (apontador) especialmente designado que controlava o seu tempo exigindo dele a maior produtividade possível, na sociedade atual, ele é o apontador de si próprio. Pensa ter liberdade, afinal, a empresa não determina seu horário de trabalho ou o libera para realizar seu trabalho em home - office, no entanto, a moeda de troca exigida é a produtividade, melhor, a alta produtividade. O sujeito entra numa neura de demonstrar competência e muitas vezes exige de si próprio, mais do que o próprio patrão ou apontador o faria. Os capitalistas, obviamente, já constaram que dar a "liberdade" para o funcionário tendo como contrapartida a produtividade é altamente vantajoso.

            Ao se ver reconhecido como funcionário de grande produtividade, este procura manter o nível de produção ou superá-lo, pois, é seu dever, depende somente dele e a empresa é tão boa. Mas este excesso de "positividade" em buscar manter a produtividade ou superá-la, leva-o ao esgotamento físico e, principalmente mental. O trabalhador se torna escravo e tem como seu feitor ele próprio. O autor cita a frase "yes, we can" (sim, nós podemos) do ex-presidente estadunidense Barack Obama como um grande exemplo dessa ideologia. Sim, posso conseguir o que eu quiser, basta me dedicar! E isso, pode funcionar algumas vezes. Pode funcionar para algumas pessoas. Mas, nem sempre e nem para todas as pessoas. O resultado é a frustração, a depressão, enfim, o adoecimento físico e, principalmente mental.

            O autor afirma que a sociedade atual está perdendo a capacidade da contemplação, pois, não mais se aprofunda naquilo que vive e sente pelos sentidos. Os indivíduos sabem um pouco de tudo, mas, nada com profundidade. Conseguem realizar várias tarefas simultaneamente, mas, não conseguem abstrair, elaborar um raciocínio profundo acerca de um problema, ou da leitura de uma obra. Evitam o tédio e vivem suas vidas de forma rasa, seja nas relações sociais ou na busca do conhecimento. Segundo Han, o tédio profundo é um processo criativo, pois, em meio a ele ocorre a contemplação e declara "se o sono perfaz o ponto alto do descanso físico, o tédio profundo constitui o ponto alto do descanso espiritual". Sobre a violência que marca a nossa sociedade, Han conclui que ela é doença com causa neural. A cobrança que a sociedade faz (ou que o próprio indivíduo faz sobre si mesmo) quanto à busca de um grande desempenho produtivo mantendo-se altamente competitivo leva ao adoecimento. Enfim, para Han, vivemos numa sociedade do excesso ou da falta, é  tudo ou nada e, como tal administra-se doses cavalares de estímulos, o indivíduo é competente ou fracassado (não há meio termo). Ser normal é ser uma pessoa altamente competente, produtiva, porém, esvaziada, adoecida! Se você ainda é capaz de contemplar, de sorrir, de viver alegremente,  você não está bem, pois, foge ao padrão de normalidade!

 

Sugestão de boa leitura:

Título: A sociedade do cansaço.

Autor: Byung-Chul Han.

Editora: Vozes, 2015, 136 pág.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

O Decamerão

 

"O Decamerão" é uma obra escrita e publicada na Europa do Medievo que tem por autor o poeta e crítico literário Giovanni Boccaccio (1313-1375) nascido em Certaldo, na região da Toscana, na Província de Florença (atual Itália). Boccaccio, filho de pai bancário, não quis ganhar a vida trabalhando no comércio como era a vontade de seu pai preferindo dedicar-se à leitura, ao trabalho de editor e a transcrição de obras na condição de copista, pois, a máquina de imprensa de Gutenberg somente viria à luz no século seguinte. O autor de "O Decamerão" é considerado o pioneiro do humanismo na Europa e juntamente com Dante Alighieri (1265 -1321) e Francesco Petrarca (1304 - 1374) é considerado parte das Três Coroas que fundam a Literatura Italiana. Inversamente aos dois autores citados, a formação de Boccaccio era apenas a indispensável (conhecimentos básicos) para a vida prática. Leitor ávido, foi além, e, de forma autodidata supriu as lacunas do conhecimento a que não teve acesso na formação oficial.

            O autor viveu o auge da pandemia de Peste Negra na Europa tendo se isolado entre os anos de 1348 a 1353 para evitar o contágio (ocasião aproveitada para escrever "O Decamerão"). Na narrativa da obra um grupo de jovens tendo perdido seus familiares ou, por eles terem sido abandonados, resolvem procurar um lugar para buscar relaxamento e descontração ante o cenário de caos (mortes, fome e violência) que tomara conta de Florença. O grupo formado por sete moças e três rapazes encontra um local a alguns quilômetros da cidade e nele se estabelece. Como bons moços, comportam-se adequadamente e em conformidade com os princípios familiares aprendidos. Pampinea (27 anos) é a mais velha e a líder do grupo (todos são maiores de 18 anos). Para passar o tempo e fazer com que todos (sem exceção) aproveitem bem os momentos que passarão juntos, resolvem criar tarefas que todos devem cumprir. A obra, cujo título é "O Decamerão" faz menção às dez jornadas (dias) em que cada um dos dez jovens conta uma novela sobre um tema pré-determinado. A cada dia é escolhida uma pessoa para exercer o "reinado" e esta pessoa coordenará as demais nas atividades diárias e também indicará o tema das novelas. O livro, em sua versão integral (a que li) traz cem novelas que, apesar de serem assim intituladas, são na verdade contos, pois, o livro tem pouco mais de mil páginas e, como o leitor sabe, o formato novela fica entre o conto e o romance. Então, tendo como referência o tamanho, são contos.

            Todo calhamaço (livro com mais de quinhentas páginas) assusta muitos leitores, é o caso da obra citada. Li também que muitos leitores se cansam com o fato de ler tantas narrativas sobre o mesmo tema (dez de cada). Digo que, apesar de o gênero a que pertence o livro (contos) não ser o meu preferido, a sua leitura é imperdível. Espanta que ainda na Idade Média (com toda a repressão moral e religiosa que havia) uma obra como essa tenha sido escrita e publicada. Lembremos que a Idade Média já se fazia moribunda, mas, a Sociedade Moderna ainda não havia se estabelecido. A obra traz narrativas picantes que tratam dos vícios e das virtudes do ser humano. Transborda de erotismo num texto escrito de forma elegante, sem se deixar levar pela vulgaridade. Faz críticas à classe política e eclesiástica de uma forma ferina e ao mesmo tempo leve, descontraída, pois traz no tempero grandes doses de humor. O leitor, caso deseje ler esta obra, deve fazê-lo como ao consumir uma caixa de licores, degustando parcimoniosamente (sem pressa) e, certamente, dessa forma descontraída, encontrará relaxamento e motivos para rir em meio ao caos que também nós vivemos. Escapismo é a palavra. Escapemos da doença, da morte, da angústia, enfim, do caos. Devo dizer que não se trata de um livro de humor, mas, de narrativas inteligentes e/ou bem humoradas. Fica a dica!

Sugestão de boa leitura:

Título: O Decamerão.

Autor: Giovanni Boccaccio.

Editora: Nova Fronteira, 2018, 1008 pág.