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quinta-feira, 26 de outubro de 2017

“De como o Irmão Jonatas se transformou em Tio Sam” - Parte 1

O professor escocês Victor Gordon Kiernan (1913-2009) foi dono de uma mente iluminada, cujo conhecimento, mesmo após sua partida desse plano, continua a trazer luzes sobre as sombras da ignorância, que despudoradamente já não mais se escondem. Nestes tempos em que segundo Umberto Eco “a Internet e as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis”, pessoas não afeitas ao hábito da leitura e da reflexão se julgam donas de um saber que de fato não possuem, pois, ao se utilizarem do mero senso comum, de forma pretensiosa e arrogante, reduzem à mera opinião pessoal, todo o conhecimento científico exaustivamente produzido por intelectuais da área das humanidades. Tal fato confirma a constatação do saudoso geógrafo Milton Santos quando afirmou: “é muito difícil ser intelectual no Brasil. As pessoas não gostam de ouvir”. Sabemos que a neutralidade científica inexiste, e, que todo posicionamento é político, e, portanto, ideológico, principalmente aquele que se diz neutro, pois ao se esconder por trás de uma impossível neutralidade, visa ocultar suas reais intenções para dela tirar proveito ou em benefício de outrem (pessoa, grupo ou classe social), no que desvela o caráter conservador e dissimulado. O intelectual é chamado a fazer a opção entre desenvolver ciência com viés inclusivo ou exclusivo, mas, isto jamais pode ser considerado mera opinião pessoal (senso comum). A obra: “Estados Unidos, o novo imperialismo: da colonização branca à hegemonia mundial”, mostra o caminho trilhado pelos Estados Unidos da América desde quando o navio Mayflower trouxe a primeira leva de imigrantes a se estabelecer nas terras que mais tarde formariam o país. Nos primórdios da nação ianque foram estabelecidas as treze colônias da Nova Inglaterra, as quais se encontram representadas nas faixas da atual bandeira (sete vermelhas e seis brancas). A declaração de independência em IV de julho de 1776 teve como resposta da Inglaterra, uma guerra que durou até 1783. Reconhecida a independência pela Inglaterra, o Irmão Jonatas (como os ingleses chamavam os EUA quando ainda podiam considerá-lo um irmão caçula e não um pai de família) se lançou numa conquista territorial que se fez com cessões por parte do primo John Bull (como os estadunidenses chamam a Inglaterra) e da Espanha, aquisições territoriais junto à França e à Rússia, e de muito sangue derramado dos habitantes nativos peles-vermelhas, sobre os quais um cultuado herói estadunidense chegou absurdamente a afirmar: “índio bom é índio morto”. Os indígenas que se recusaram a vender suas terras pelas ninharias determinadas pelas companhias colonizadoras, ou mudar-se para as reservas criadas em locais diversos ao solo sagrado de seus ancestrais, foram vítimas de massacres levados a cabo pelo próprio exército nacional. O México foi a principal nação prejudicada, pois, perdeu grande parte de suas terras (se de onde estamos, os EUA já incomodam, imagine sendo seus vizinhos). As pretensões da nação ianque não foram plenamente atingidas, pois, elas abarcavam a totalidade do território mexicano e a ilha de Cuba, isto sem falar em inúmeras ilhas do Oceano Pacífico. Em 1860, o presidente Abraham Lincoln iniciou seu mandato e logo em seguida ocorreu a deflagração da Guerra Civil ou de Secessão. O sul escravocrata sob a bandeira dos Estados Confederados da América pretendia separar-se do restante do país, dentre outras razões, e principalmente, para continuar a escravizar a população negra introduzida à força no território. Abraham Lincoln, em meio ao esforço de guerra, se reelege em 1864, as tropas da União vencem a guerra, e logo no início de seu segundo mandato (1865), Lincoln é assassinado por um ator defensor da causa sulista, enquanto assistia a uma peça no Teatro Ford. Mesmo após sua formação territorial, os EUA ainda agiam como sendo o Irmão Jonatas. Embora sua estatura houvesse aumentado enormemente, como adolescente não sabia ainda como se portar no palco das nações. Titubeava entre ser um país solidário com as demais nações cujo grau de desenvolvimento lhe era inferior, ou fazer como seu primo John Bull (Inglaterra) e lançar-se ao mar para fazer guerras contra povos considerados atrasados e pilhar suas riquezas. Os EUA não demorariam muito a optar pela segunda opção. Inicialmente, capitalistas ianques foram adquirindo terras e empresas na América Central, aproveitando-se das elites corruptas e entreguistas destes países, e com o auxílio governamental estadunidense na manutenção destas no poder. O caráter das elites latino-americanas é definido da seguinte forma pelo Padre Combrin citado por Kiernan: “as elites da América Latina são as mais alienadas do mundo, são cheias de pesar por não terem nascido européias ou norte-americanas”.

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

“A falta que Brizola faz”

Em 15 de Novembro de 1989, o país comemorava o centenário da Proclamação da República, embora isto significasse muito pouco para um povo acostumado a não participar dos momentos decisivos da história nacional, geralmente tramados e executados pela elite. Acertadamente Lima Barreto afirmou: “o Brasil não tem um povo, mas um público. Povo luta por seus direitos e público apenas assiste de camarote”. Por ocasião da Proclamação da República tivemos algo que é rotineiro no Brasil: um golpe de Estado que visava atender os interesses da elite, e como é costume, o povo brasileiro se mostrou indiferente. Somos um país de tradição autocrática, os golpes de Estado se sucedem periodicamente após breves hiatos democráticos. Talvez por isso, que mesmo entre os trabalhadores é comum observar pessoas que pedem a volta de regimes ditatoriais. Em nosso país, a cultura democrática não está amadurecida. De um lado temos uma elite parasita que desde os primórdios da história da pátria suga os recursos públicos para fazer a manutenção dos injustos privilégios que desfruta à custa de milhões que não têm o mínimo para viver com dignidade. De outro, temos um povo com baixa instrução e reduzidíssima consciência política e de classe que contribui para a sustentação da parcela que os explora. Quando a Itália concluiu seu processo de unificação, o político Massimo D’Azeglio disse: “fizemos a Itália, precisamos agora fazer os italianos”. Massimo sabia que não se faz um país apenas com o território. É necessário um povo com sentimento de pertença ao território e ao sonho conjunto de nele construir uma grande nação. A Itália unificou seu território e foi bem sucedida na criação do povo italiano. Talvez devêssemos entrar em contato com historiadores e cientistas políticos italianos solicitando ajuda sobre como criar no Brasil, o povo brasileiro. Um povo com sentimento de pertença a este chão, e que seja comprometido em fazer deste rico território, aquilo que por natureza lhe está inevitavelmente reservado, ser uma grande nação, não apenas em tamanho de território. Afinal, ser uma potência é a vocação natural do Brasil. Se ainda não é, isto se deve às sabotagens de uma elite mesquinha, egocêntrica, cruel e com mente colonizada que prefere fazer o papel de feitor de escravos de seu povo em troca de benefícios espúrios a serviço dos senhores de escravos do grande capital nacional e estrangeiro. Neste momento obscuro pelo qual passa o país do “futuro”, que teima em nunca chegar e diante da crise moral em que se encontra, a falta de um grande líder político é muito sentida por todos aqueles que ainda têm em seus espíritos uma chama de patriotismo acesa. E esse líder é o saudoso Leonel de Moura Brizola (1922-2004). Brizola dedicou sua vida às grandes causas nacionais. Era acima de tudo um patriota. Orador eloquente, sua fala não passava despercebida, emocionava as pessoas que compartilhavam de seus ideais e irritava profundamente seus adversários. Escrevia tão bem quanto falava. A grande mídia lhe recusava espaço para divulgar seus pronunciamentos sempre de forte conteúdo, por isso, com recursos próprios e de seus companheiros comprava espaços na mídia para publicar seus artigos conhecidos como “tijolaços”. O grupo Globo lhe fazia oposição e buscava a todo custo prejudicar a sua imagem e campanhas políticas. Brizola, porém, nunca se curvou. Afirmava que não era caro o preço a se pagar para manter a dignidade e o caráter intactos. Vários de seus artigos foram direcionados em tom de resposta ao grupo Globo, e outros em forma de denúncias acerca de favorecimentos concedidos por governos e empresas estatais às empresas do referido grupo. Considerava o império midiático de Roberto Marinho (1904-2003) uma ameaça à população brasileira e à democracia nacional. Em certa oportunidade entrou para a história do jornalismo nacional ao ganhar na justiça um direito de resposta em horário nobre, mais especificamente durante o Jornal Nacional. O direito de resposta em questão foi lido pelo próprio apresentador âncora do JN Cid Moreira. Uma dura resposta à Globo e a Roberto Marinho, o que causou o êxtase da parcela mais esclarecida da sociedade. No dia 15 de Novembro de 1989, este escriba, então um jovem, depositava seu primeiro voto numa urna, e este foi em Leonel Brizola. Políticos como Brizola fazem muita falta neste momento sombrio pelo qual passa o país em que valores como o patriotismo e a decência na ocupação de cargo eletivo viraram tema de ficção, pois, a julgar por suas atitudes, grande parcela dos representantes eleitos zombam da sociedade. É importante que se diga que Brizola não se acomodaria ante o estado de coisas ocorridas após junho de 2013, quando milhões de manifestantes que se diziam insatisfeitos com a corrupção foram transformados em massa de manobra (devido o seu elevado grau de analfabetismo político), desestabilizando um governo democraticamente eleito e oportunizando a condução (via golpe) ao Poder de um grupo político que representa o suprassumo da corrupção nacional e que está destruindo qualquer possibilidade de desenvolvimento soberano do Brasil. O “público” brasileiro segue assistindo a destruição do país, a entrega de seus ricos recursos naturais ao capital estrangeiro e o desmonte da tímida tentativa de criação de um Estado de Bem-Estar Social. Rosa Luxemburgo disse: “Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem”. Apáticos como são, os brasileiros sentem-se confortáveis presos aos grilhões da TV Globo, e não enxergam em suas miseráveis existências, a senzala da vida real!

 Sugestão de boa leitura:

 Tijolaços – Leonel Brizola – Ed. Galpão de idéias Leonel Brizola. 2017.