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quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

A guerra dos mundos

 


    Na noite de 30 de outubro de 1938, a programação musical da rádio estadunidense CBS (Columbia Broadcasting System) foi interrompida para a divulgação de uma suposta invasão da Terra por marcianos. Obviamente, era uma notícia falsa, as tão conhecidas fake news. Para ser mais exato, tratava-se de um projeto pensado e dirigido pelo jovem ator e futuro cineasta Orson Welles (1915-1985), no caso, uma adaptação da obra "A guerra dos mundos" do escritor britânico H. G. Wells (1866-1946). A peça literária foi planejada para ser divulgada em meio a interrupções do programa musical noturno ao estilo dos plantões de notícias urgentes da TV Globo cuja vinheta faz acelerar os corações dos brasileiros com as más notícias que costumam vir em seu bojo. Sabe-se que a divulgação da peça literária em seu formato surpreendentemente ousado e original causou pânico na costa leste dos Estados Unidos da América. Quanto à dimensão deste (pânico), há registros que afirmam ter acometido milhões de pessoas, outros falam que há muito exagero e que não passariam de algumas milhares.

            O genial Orson Welles, num arroubo criativo municiado pela impetuosidade de sua juventude (23 anos) fez história e, possivelmente amizades com a indústria farmacêutica cujas vendas de remédios ansiolíticos fora turbinada. Welles em suas chamadas narrava estranhas luzes observadas em uma região específica de Marte e posteriores choques de meteoros com a Terra, que ao serem observados de perto tratavam-se de grandes cilindros metálicos que ao se chocar com a superfície formavam crateras. Tais objetos que iam chegando sucessivamente ao planeta, eram relatados por quem os viu a outras pessoas e também às autoridades, mas, sem obter muito crédito. Os curiosos continuavam a observar os objetos e presenciaram os primeiros movimentos destes, quando as cápsulas se abriram e seres com grandes olhos e cérebros hipertrofiados deles saíram, tais seres possuíam tentáculos e uma pele marrom oleosa. Os marcianos se sentiram intimidados e começaram a matar todos os humanos que se aproximavam do local em que estavam.

            As forças armadas foram chamadas e batalhões inteiros foram dizimados por uma arma que emitia uma luz branca e fazia tudo arder em chamas. Os marcianos que tinham grandes restrições locomotoras pela gravidade maior na Terra do que em seu planeta de origem se movimentavam por meio de gigantescas máquinas com tripés. Os marcianos eliminavam quem os combatia, mas, também todos aqueles que encontravam no caminho. O pânico tomou conta da população que fugia dos subúrbios de Londres, a região escolhida pelos marcianos para iniciar a invasão ao planeta. A destruição, a desordem e a fome se instalaram e pessoas se preocupavam em se por a salvo dos marcianos, mas, tinham que procurar formas de conseguir alimentos, algo que se tornara escasso. As intenções dos marcianos, ficara óbvio para todos, dizimar a espécie humana e ficar com seu planeta.

            Não vou passar mais detalhes da trama para não incidir em spoiler, no entanto, teço aqui mais algumas considerações, é importante lembrar que este livro foi publicado em 1898. É, portanto, uma obra do século XIX e não pode ser comparada às obras atuais de ficção científica, afinal, o tempo trouxe maior acúmulo de conhecimentos científicos e, obviamente, há na atualidade obras que mexem mais com nossa imaginação. Digo que recomendo sua leitura, afinal é um clássico pioneiro da ficção científica e deve-se ter em mente que, os mais atualizados livros de ficção científica do momento, poderão ser risíveis daqui a 120 anos. Ler um clássico antigo de determinado gênero ficcional é conhecer os "aminoácidos" que deram vida às obras posteriores e mais complexas.

 

Sugestão de boa leitura:

Título: A guerra dos mundos.

Autor: H. G. Wells.

Editora: Suma, 2016, 1ª edição, 312 pág.

domingo, 19 de dezembro de 2021

Uma esperança mais forte que o mar

 


           O livro "Uma esperança mais forte que o mar" de autoria da diretora de Comunicações do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) Melissa Fleming é uma denúncia para o mundo da trágica situação de milhões de pessoas, cujos países de origem encontram-se em meio a guerras civis, muitas vezes provocadas por potências estrangeiras por meio da guerra híbrida e, até mesmo com a participação direta destas no conflito com tropas militares para a obtenção de ganhos geopolíticos. A autora, por seu ofício ante o ACNUR, viaja a zonas de guerra e campos de refugiados com a intenção de dar voz às milhões de pessoas obrigadas a abandonar seus lares. Melissa colabora com o The New York Times, o The Washington Post,  a CNN e a NPR.

            A obra conta a história de vida da jovem síria Doaa Al Zamel e de sua família e todas as dificuldades resultantes da eclosão da guerra civil síria que faz parte da série de eventos semelhantes que ficaram conhecidas como "Primavera Árabe". Em tal ocasião, a população saiu às ruas incitada e organizada por lideranças que  por meio das redes sociais tinham como objetivo exigir democracia, liberdade e respeito aos direitos civis. Os protestos, tal como peças de dominó enfileiradas foram se sucedendo no norte da África desde a Tunísia e atingindo países como a Líbia, o Egito e, claro, a Síria (Oriente Médio). O povo, obviamente clamava por direitos inalienáveis, afinal, na região haviam ditadores que se perpetuavam no poder desde o período conhecido como Guerra Fria (1945-1991). Não há que se criticar a justeza da reivindicação popular, mas, há importantes estudos que demonstram que o descontentamento popular foi turbinado a partir do exterior por meio da Internet (redes sociais) por agentes e programas de inteligência artificial de agências de inteligência de potências estrangeiras com uma estratégia de desestabilização política conhecida como guerra híbrida.

            A guerra híbrida é uma modalidade de soft power (poder suave) cada vez mais utilizada por potências como os Estados Unidos da América com o fim de derrubar governantes não alinhados com Washington. O hard power (poder duro) somente é utilizado quando as opções não militares fracassam. Outras opções do soft power são os embargos (econômicos/tecnológicos) e sanções econômicas e o isolamento diplomático. A Síria é alvo de grande interesse geoestratégico por ser um importante aliada da Rússia e do Irã. Derrubar o presidente sírio Bashar Al Assad e colocar um governo palatável aos Estados Unidos, à Europa/França e a Israel, isolando o país persa e enfraquecendo o poder da Rússia no Oriente Médio seria algo maravilhoso para as potências citadas. Além disso, se poderia cruzar o país com gasodutos para a Europa reduzindo a dependência do gás russo. Enfim, não faltam motivos para os Estados Unidos e a Europa com seus "ideais altruístas" desejarem levar a democracia para a Síria.

            É dentro dessa trama geopolítica que ocorre a história de Doaa Al Zamel, cuja qualidade de vida da família despenca conforme a guerra civil síria se desenrola. O governo sírio faz forte repressão à população que adere aos protestos e grupos armados locais combatem as tropas governamentais. Aproveitando-se da instabilidade política síria, o grupo terrorista Estado Islâmico também entra no conflito com o objetivo de conquistar o país ou parte dele. Os bombardeios realizados pelas potências envolvidas (EUA, França e Rússia) e os confrontos nas ruas por diferentes facções e a destruição da infra-estrutura do país, leva a família de Doaa a fugir para o Egito, onde inicialmente foram bem recebidos, porém, logo passaram a ser hostilizados. Doaa resiste, mas é convencida pela família a tornar-se noiva de Bassem, um jovem sírio (que ganhou as graças da família) por ela apaixonado. Logo ela se vê correspondendo ao rapaz que a convence a ir para a Europa, devido às dificuldades da vida no Egito. Pagam contrabandistas para que os levem à Europa, sendo que várias tentativas são frustradas ainda em terra, nas quais se vêm em perigo, sendo inclusive presos.

             A propaganda de um barco em boas condições é enganosa. Quinhentas pessoas vão empilhadas. Após vários reveses, quando se encontravam a menos de um dia de aportar na Europa, traficantes de outro barco abalroam propositalmente o barco de Doaa causando seu afundamento. Doaa ouviu os traficantes rindo e desejando que os peixes devorassem a carne dos náufragos. Centenas de pessoas morrem afogadas, outras tantas se agarram a bóias e destroços. Doaa sobrevive numa bóia durante quatro dias e quatro noites (em meio a cadáveres estufados) segurando duas bebês (Malek e Masa) cujas mães morreram. Um navio cargueiro japonês faz o salvamento dela, das bebês e de algumas poucas pessoas que sobreviveram levando-os à Grécia. A pequena Malek não sobrevive. Doaa é aceita como refugiada na Suécia (para onde o casal de noivos pretendia se dirigir) e consegue a permissão de levar sua família (pais e irmãs). Doaa que viu seu noivo morrer no mar, diz ter sobrevivido porque dela dependia a vida das bebês. Ela já foi a vários programas de TV nos quais afirma sempre que as pessoas deixam seu país de origem por não ter outra opção. História real, triste e comovente! De grande valia para que as pessoas tenham mais empatia e combatam a xenofobia!

Sugestão de boa leitura:

Título: Uma esperança mais forte que o mar.

Autor: Melissa Fleming.

Editora: Rocco, 2017, 1ª edição, 272 pág.

sábado, 11 de dezembro de 2021

Olga


            Fernando Gomes de Morais (1975) é um jornalista, biógrafo, político e escritor brasileiro cuja obra é constituída por biografias e reportagens. O escritor ao longo de sua carreira se notabilizou pela publicação de biografias de grandes personalidades da política, da cultura e do mundo empresarial nacional além de várias obras de cunho jornalístico investigativo publicadas igualmente aclamadas pelo público leitor. Entre seus biografados estão o escritor Paulo Coelho, Assis Chateaubriand (1892-1968), o ex-presidente Lula e Olga Benário Prestes.

            Olga Gutman Benário (1908-1942) foi uma judia alemã nascida em uma família abastada sendo seu pai um importante advogado da Baviera. Aos quinze anos de idade, Olga começa a participar de movimentos que combatiam o fascismo e defendiam os ideais socialistas. Muito jovem sai de casa e vai morar com o namorado Otto Braun, um militante da causa socialista na Alemanha. Otto vai auxiliar na instrução da jovem Olga nos meandros do mundo revolucionário. Otto é preso e a jovem Olga planeja e executa uma ação audaciosa para libertar o namorado da prisão política. Com documentos falsos, o casal viaja para a União Soviética onde vão receber treinamento de guerrilha e defesa pessoal. Olga começa a se destacar por seu espírito prático e por sua inflamada consciência revolucionária. Otto cobrava que desejava ter uma mulher presente em sua vida, ela no entanto, colocava a revolução comunista acima de qualquer coisa, inclusive de sua vida pessoal. Não estava em seus planos abandonar a causa revolucionária para priorizar a vida familiar. O casal se separa. Olga tem aulas de espanhol e mais tarde de português e é designada para uma missão, acompanhar Luis Carlos Prestes (1898-1990) que desde 1931 estava na União Soviética recebendo guarida e treinamento, e que havia solicitado retornar ao Brasil com o intuito de promover uma revolução socialista no país. Olga Benário e Luis Carlos Prestes voltaram ao Brasil com identidades falsas como se casados fossem. Na viagem, havia grande receio de serem descobertos, principalmente pelo forte sotaque de Olga, que procurou se manter em silêncio tanto quanto pode. Olga era uma mulher independente e, como o casal viajasse em uma cabine para casais, muito conversaram e acabaram por se envolver emocionalmente. Eles se casam oficialmente, apesar de que isso não era algo necessário para a prática Olga. O casamento teve também um elemento importante para a legalização da identidade de Olga no país, despistando o serviço secreto nazista que há muito a caçava. Com o fracasso da Intentona Comunista (1935), nome dado pelas autoridades militares da ditadura Vargas ao movimento liderado por Luis Carlos Prestes que tinha como objetivo retirar Getúlio Vargas (1882-1954) do poder e instalar um governo por ele liderado. O casal é colocado em novos esconderijos, sempre que alguém do grupo de revolucionários é descoberto e preso. Olga descobre estar grávida de Prestes e, apesar dos cuidados que tomavam, Filinto Müller (1900-1973) que comandava a polícia política da ditadura Vargas os encontram.

            Filinto Müller havia militado na Coluna Prestes (1925-1927) e ambos haviam se desentendido. Prestes havia denunciado a atitude desleal de Müller no período. Müller comandando a polícia política no governo Vargas foi muitas vezes denunciado pela prática rotineira de tortura e assassinatos de presos políticos. Olga receava ser enviada para a Alemanha Nazista e, foi exatamente o que aconteceu. A ditadura Vargas entregou a custodiada grávida Olga para o regime nazista a fim de obter simpatia daquele país. O navio que a levou teve o cuidado de não passar por portos onde trabalhadores que combatiam o fascismo e defendiam os ideais socialistas invadiam os navios e libertavam os presos políticos. Na Alemanha, Olga teve sua filha Anita Leocádia Benário Prestes (1936) na prisão feminina do Campo de Concentração de Barmimstrasse. Quando a criança nasceu, Olga foi avisada que ficaria com ela apenas enquanto a estivesse amamentando, depois a criança seria levada para um orfanato onde a prática era dar apenas um número para a mesma, o que tornaria impossível localizá-la depois. Olga temia que seu leite acabasse, tendo conseguido amamentar a criança por catorze meses.

            Luis Carlos Prestes estava preso e, tinha na sua mãe Dona Leocádia e em sua irmã mais nova Lígia, as pessoas que davam suporte a Olga. Elas fizeram uma forte campanha internacional para a libertação de todos os presos políticos. No entanto, não conseguiram obter sucesso na libertação de Olga. Dona Leocádia com o auxílio de um importante advogado alemão conseguiu obter a guarda de Anita. A guarda penitenciária ao retirar a criança do colo da mãe cometeu a maldade de não contar que esta seria entregue para a avó. Olga sofreu muito a separação da filha. Dona Leocádia se apressou em sair da Alemanha e da Europa em plena Segunda Guerra Mundial. Se estabeleceu no México, de lá enviava cartas para o filho preso no Brasil e para Olga presa na Alemanha, nas quais relatava os progressos desta e anexava fotografias. Olga foi enviada a vários campos de concentração. Nestes sempre demonstrou ser proativa, liderando os esforços para o estabelecimento de rotinas de higiene do alojamento em que dormiam. Olga, como milhões de outras pessoas foi enviada à câmara de gás e teve seu corpo incinerado em fornos crematórios do regime nazista que funcionavam 24 horas por dia. Tendo Dona Leocádia falecido, a tia Lígia ficou incumbida de criar a pequena Anita, que do alto dos seus atuais 85 anos é uma historiadora com vários livros publicados. O livro Olga é uma excelente opção por seu aspecto histórico formativo e também como denúncia do caráter repugnante, desumano e sanguinário do regime nazista. Conhecer a história é ter a consciência para impedir que os custosos erros do passado se repitam. Talvez por isso os historiadores e a disciplina sejam tão odiados por aqueles que não apreciam a democracia.

Sugestão de boa leitura:

Título: Olga.

Autor: Fernando Morais.

Editora: Companhia das Letras, 2004, 17ª edição, 263 pág. 

sábado, 4 de dezembro de 2021

Carregando o elefante

 


         Antes de qualquer consideração sobre a obra "Carregando o elefante" preciso evidenciar o motivo que me levou a lê-la. São duas as razões: A principal é de ela ter como um de seus autores, o atual secretário de educação do Estado do Paraná, o empresário Renato Feder, o que me aguçou a curiosidade em saber o teor de tal escrita, embora o título já tornasse isso evidente. O segundo motivo, é que penso ser necessário estar informado sobre a forma de pensar de pessoas, grupos, movimentos ou partidos políticos cujo ideário antagônico se expressa em suas ações na sociedade, portanto, ler as obras e autores que embasam sua concepção de sociedade, de país e de mundo é vital.

            Costumo dizer que toda pessoa progressista precisa ter a compreensão da forma de pensar de quem lhe faz a oposição quanto ao modelo de sociedade. Penso que é preciso estar "dentro da mente do inimigo" para melhor conhecê-lo e combater sua ação. Dessa forma, leio muitos livros de autores cujo ideário discordo veementemente. Ao fazê-lo procuro manter o distanciamento científico/ideológico no processo de síntese (fazendo anotações) e, apenas num momento posterior exerço a crítica. É importante que eu diga que uma análise acurada do livro embasada no método científico resultaria num artigo científico, quiçá uma monografia. Não é o que pretendo, pois, nem este é o espaço para tal.

            O título da obra se refere à forma de pensar dos neoliberais que afirmam ser o Estado, lento, grande e pesado demais. Pregam, portanto, o Estado Mínimo. Nenhuma atividade considerada de interesse econômico da iniciativa privada deve ser executada pelo Estado. Há uma crença exacerbada e fantasiosa de que a iniciativa privada é a solução para todos os males da sociedade, o que na obra em questão, beira ao fanatismo, pois não traz demonstrações científicas de tal fato. É importante dizer que uma obra que tem a pretensão de "consertar" o país deveria se pautar no método científico, pois, não se conserta um país com opiniões ou "achismos" carentes de embasamento teórico. Não há na obra, um campo específico para citação das referências bibliográficas (fontes) e, embora ao citar algumas fontes (autores ou instituições) no corpo do texto, não fornece os dados específicos para a verificação das mesmas. O livro tem muitas simplificações e generalizações, mas, possui alguns momentos de lucidez. O problema é que após acertar uma vez no alvo, no parágrafo ou item seguinte, os autores voltam a apontar para a Lua ao fazer sugestões tresloucadas.

            Há muitas obviedades e, em algumas oportunidades os autores parecem pretender reinventar a roda. Abundam também verdades parciais resultantes de informações equivocadas ou interpretadas de forma a sustentar algo como fato, quando se trata de mera interpretação fortemente embasada na ideologia que povoa a mente dos autores. A obra traz a citação de vários aforismos (de vários autores) que convergem na direção do ideário que a fundamenta utilizados como sustentáculos. Melhor seria se houvesse a citação do pensamento científico de autores que dessem corpo teórico de sustentação ao ideário defendido na obra por Ostrowiecki e Feder. É importante lembrar que a obra foi publicada em 2011, quando um partido social-democrata (Partido dos Trabalhadores) se encontrava no Poder, sendo talvez uma motivação a mais para a crítica ao Estado de Bem-Estar Social proposto na Constituição Federal de 1988, apesar de sua esquálida envergadura.

            Os autores também demonstram viver numa bolha social e desconhecer a realidade socioeconômica de grande parte da sociedade brasileira. Algumas de suas sugestões podem ser constatadas pelas pessoas portadoras de consciência humanitária, social e de classe como desumanas e elitistas e, não apenas contrárias ao pensamento politicamente correto. Trata-se de um discurso panfletário, simplista e generalizante acerca dos supostos males do Estado de Bem-Estar Social ante a promessa do Paraíso Neoliberal para os capitalistas e que se constitui no Inferno dos excluídos da dignidade humana e dos meios de produção. Digo que discordo fortemente do teor de grande parte das sugestões dos "Carpinteiros da Pátria", mas, que considerei sua leitura de grande valia, afinal, é bom estar dentro da mente do inimigo do Estado de Bem-Estar Social brasileiro, esse paliativo tupiniquim, porém, tão necessário ante a miséria de nosso povo!

 

Referência bibliográfica:

Título: Carregando o elefante.

Autor: Alexandre Ostrowiecki e Renato Feder.

Editora: Hemus, 2011, 1ª edição, 188 pág.

sábado, 27 de novembro de 2021

Relato de um náufrago

 

            


Quem frequenta o círculo mais íntimo de minhas relações pessoais sabe o prazer que sinto ao ganhar livros. Entendo, no entanto que essa não é uma tarefa fácil, afinal, escolher bons livros para me presentear é relativamente mais fácil do que saber se não o possuo. Não digo isso por ter tantos livros assim, mas, porque sou cirúrgico na aquisição dos melhores (segundo a minha opinião). É verdade que adquiro mais livros do que a minha capacidade de ler e temo que deixarei esse plano sem ter zerado as minhas leituras. Há alguns dias recebi de minha irmã Salette, o livro "Relato de un náufrago" de Gabriel García Márquez (1927-2014). A obra em questão me foi presenteada na língua materna de "Gabo" como Márquez era carinhosamente chamado por seus admiradores.

            Gabriel García Marquez, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura pelo conjunto de sua obra, nas quais figuram como obras-primas "Cem anos de Solidão" e "O amor nos tempos do cólera" e várias outras que apesar de não terem o mesmo destaque, são obras que precisam ser lidas por todo apreciador da alta literatura. No livro "Relato de um náufrago", uma obra no estilo literatura reportagem, o então pouco conhecido jornalista Gabriel García Márquez entrevista e publica o relato do marinheiro Luiz Alejandro Velasco. Velasco fora aclamado herói nacional por ter sobrevivido durante dez dias em uma balsa à deriva no Mar do Caribe. Velasco, juntamente com outros sete marinheiros colombianos caíram ao mar do destróier Caldas, sendo ele o único sobrevivente. A narrativa oficial dava conta que o destróier havia pegado uma forte tormenta que jogara o navio e arremessara ao mar os tripulantes que faziam guarda no convés. Luis nem sequer estava em sua escala de trabalho, havia ido à popa para fumar e fazer hora conversando, se estivesse deitado em sua cama, não teria passado tal revés.

            O livro desmistifica a história oficial de que o próprio Luis Alejandro se beneficiou momentaneamente, mas, que não teve dúvida de por ao chão tão logo foi esquecido pelo governo e pela imprensa. A fama fora efêmera e nada mais lhe rendia, então resolveu por fim à farsa. Procurou um jornalista corajoso, pois, pretendia confrontar a narrativa do governo ditatorial colombiano. Encontrou García Marquez. O náufrago era um excelente contador de histórias e tinha vívida lembrança dos acontecimentos, isso facilitou o trabalho do jornalista. Velasco fazia parte do corpo da Marinha de Guerra da Colômbia e havia ido para os Estados Unidos da América com o destróier Caldas que passaria por um processo de manutenção e modernização de seus equipamentos naquele país. Os marinheiros ficaram nos EUA recebendo instrução para a operação dos novos equipamentos do navio, mas, havia muito tempo livre, que ele e seus companheiros desfrutavam gastando as diárias que o governo colombiano lhes enviava, seja indo ao cinema, aos bares e namorando moças estadunidenses. Na obra são relatadas várias personagens (colegas da marinha e civis estadunidenses) com quem conviveu e, a descrição dos locais a que iam.

            Apesar de ser marinheiro, Velasco tinha grande receio de tempestades em alto mar. O destróier, após vários meses ficara pronto e iria zarpar de volta para a Colômbia, não sem antes ser abarrotado de contrabando (geladeiras, freezers, televisores, etc.). É importante dizer que o navio não havia sido construído para carga e que a mesma, além de excessiva,  fora mal acomodada. Durante o trajeto eis que a carga se desequilibra e ao fazê-lo joga lateralmente o navio arremessando além da carga, oito marinheiros ao mar. Balsas de resgate do navio caem no mar junto com as mercadorias. Com grande esforço, Velasco alcança uma delas, tenta sem sucesso salvar alguns companheiros. Descobrirá mais tarde ser o único sobrevivente. O navio segue seu rumo e chega sem atrasos no destino. Aviões e helicópteros fazem busca por alguns dias, mas, apesar de sobrevoarem a balsa não a avistam. A esperança fica cada vez menor. O náufrago passava calor, frio, sede e fome, momentos nos quais desejara a morte, sem a encontrar ante o corpo que teimava em viver. Passou então a buscar meios de sobreviver, inicialmente evita tomar água salgada e tenta desesperadamente conseguir alimento, com grande sentimento de culpa mata uma gaivota que pousou em sua balsa, mas, se recusa a comê-la. A sorte lhe sorriu quando um peixe grande salta para dentro da balsa, Velasco rapidamente o mata,  porém, resolve lavá-lo no mar, ocasião em que outros peixes o arrancam de sua mão. Luis chegou até mesmo a saber que os tubarões eram animais pontuais, pois, todo dia às 17 horas eles vinham lhe fazer companhia. Velasco temia que eles virassem a balsa.

            O náufrago remava nos horários noturnos e se deitava no fundo da balsa para se abrigar do sol durante o dia, isso enquanto tinha os remos, pois para se defender dos tubarões que rondavam sua balsa, perdeu-os, ficando à mercê da corrente marinha quando já não esperava mais por um resgate. Ignorava para onde a corrente o levava, enxergava água em todas as direções. Mas, começou a ver formas acinzentadas no horizonte e, mais tarde, aves que não se afastam muito da terra e quando se aproximou o suficiente reuniu forças que pensava não mais ter, nadou e quando pôde, caminhou até a praia. Esfarrapado foi avistado por uma moça que dele fugiu por medo. Mais tarde foi encontrado e cuidado por pescadores da vila. As autoridades o buscaram e o colocaram num hospital para recuperar-se sob vigilância de soldados (não podia receber visitas). A narrativa oficial lhe fora imposta e ele se beneficiou dela, mas, a fama efêmera lhe levou, quando esquecido, a procurar o jornalista Gabriel García Márquez. O jornalista e o náufrago pagaram um alto preço por dizer a verdade, algo sempre tão raro e tão caro em períodos de governos ditatoriais!

Sugestão de boa leitura:

Título:  Relato de um náufrago.

Autor: Gabriel García Márquez.

Editora: Record, 2017, 41ª edição, 144 pág.

sábado, 13 de novembro de 2021

A Consolação da Filosofia

 

        


Anício Mânlio Torquato Severino Boethius (480-524) foi um filósofo, poeta e político romano que viveu na época marcada pelo declínio do Império Romano. Boécio tinha grande apreço pela cultura e literatura grega e tinha como grande meta de vida traduzir para o latim a obra completa dos filósofos gregos Platão e Aristóteles. Anício tinha senso e valores de justiça muito apurados, também por isso, condenava a exploração dos pobres. Era considerado sábio e sua cultura tida como profunda, provocava grande admiração e, por isso não tardou a ascender na escala social ao tornar-se cônsul e membro do Senado aos 30 anos durante o reinado de Teodorico, o Grande. Casado com Rusticiana, filha de seu mentor Quinthus Aurelius Symmaehus chegou a ver seus dois filhos serem alçados ao Senado. Vivia momentos de profunda felicidade até que a Roda da Fortuna girou.

            Em 522, motivado por seu apurado senso de justiça defendeu o senador Albino que havia sido acusado de conspiração para restaurar a república. O senador Albino desejava aquilo que era vontade de grande parte do povo, a reunificação do Império Romano e o retorno dos dias gloriosos. Ao assim agir, Boécio foi acusado como traidor e preso, porém, ao contrário daqueles que em tal desgraça caíam, não foi executado rapidamente. Encerrado durante longo tempo em uma masmorra imunda, ele que era bem nascido, filho de família importante, sendo que também seu pai fora cônsul, passava por sessões de torturas diárias. Seus familiares e amigos fizeram o que era possível para livrá-lo, em vão. Políticos de mau caráter e de atitudes desonestas testemunharam falsamente contra ele. As calúnias aventadas contra ele agravaram sua situação. Aqueles que lhe julgavam estavam mais interessados em sua condenação do que na aplicação da Justiça.

            Afastado de sua família, com uma rotina diária terrível de humilhações e dores resultantes das torturas na masmorra, resolveu recorrer à mulher mais bela, porém austera, que em sua vida conheceu, a Filosofia. Por meio de tabuinhas e uma cunha registrou suas elucubrações filosóficas, tendo o cuidado de entregar tais tabuinhas a parentes, nela a sua obra-prima: "A Consolação da Filosofia". Enquanto esperava o dia da sua execução, procurou atingir um estágio de grande elevação filosófica e psicológica, certamente para evitar que fraquejasse ou enlouquecesse e visando manter elevado seu moral e alcançar a felicidade, a paz, e assim, se preparar para confrontar a morte. Ao terminar o livro, estava num estado de profunda paz. Apesar de sua família ter se convertido há um século ao cristianismo, a Igreja Católica Romana e a Igreja Católica Ortodoxa foram muito cuidadosas e somente o declararam mártir em 1800, quando foi beatificado por ambas. Tal cuidado se deve ao fato de que sua obra é a mais pura expressão da cultura greco-romana e apesar de sua imensa fé em um deus, jamais deixa claro ser o deus cristão.

            A obra é escrita na forma de prosa, mas poeta que era, Boécio entremeia poesias atinentes ao tema em reflexão. É interessante observar que ele não tinha obras à sua disposição para consultas na masmorra. A obra que produziu é resultado de suas leituras anteriores à prisão e de sua reflexão. Na obra poetizou suas dores, as injustiças sofridas, a fortuna dos desonestos e entabulava diálogos com a Filosofia, bela e austera, ela não tinha receio em lhe dar reprimendas afirmando-lhe que todo homem que abraça a Filosofia é um estranho no mundo a ser violentamente rejeitado, mas, que ele não pertencia a esta pátria, mas, à pátria da Filosofia e, esta não bane seus filhos. Boécio aconselhado pela Filosofia chega à conclusão que o Universo é cosmos, ou seja razão, ordem, e não caos, e que a desordem emocional é o esquecimento de quem ele realmente é. Também concluiu que não se deve dar valor demais ao que lhe pode ser retirado e que aquilo que realmente é dele ninguém pode tirar. A falibilidade da Justiça lhe tirou a vida, mas a Filosofia que Boécio trouxe à luz é cosmos a se contrapor ao caos das mentes rasas e de suas rasas visões de mundo em todos os tempos. De seu sofrimento, Boécio deixou um legado de luz para a humanidade.

Sugestão de boa leitura:

Título: A Consolação da Filosofia.

Autor: Boécio.

Editora: WMF Martins Fontes, 2012, 2ª edição, 4ª reimpressão,  200 pág.

sábado, 6 de novembro de 2021

Sinal amarelo para o agronegócio brasileiro

 

            Há uma discussão em voga na Alemanha, a questão da devastação ambiental em território brasileiro para a expansão da fronteira agrícola e as consequências dela resultantes. Há movimentos atuantes no seio da sociedade alemã que propagam a ideia de que aquela nação precisa parar de comprar soja brasileira e estimular receitas caseiras para a produção de ração animal. Em uma reportagem afirmavam que esta ração caseira ainda é mais cara do que a importação da soja, mas, que tende a ficar mais barata e, que mesmo que isso não ocorra, o fato de não contribuir para a concentração da terra no Brasil resultante da expropriação das terras de indígenas e pequenos agricultores e, principalmente, para a devastação de frágeis ecossistemas como o Cerrado e a Amazônia já torna válido o aumento do custo da ração.¹

            Nos Estados Unidos da América tramita um projeto de lei que certamente será aprovado, pois, está em consonância com a política externa de seu atual governo². O projeto pretende impedir a aquisição de produtos que tenham como origem áreas devastadas ilegalmente ou que deveriam ser preservadas, mas, sempre há a possibilidade de haver rescaldo e prejudicar quem trabalha em terras legalizadas. Entende isso quem vacina o seu gado bovino e é prejudicado pelo foco de febre aftosa (em algum canto distante do Brasil) por quem compra a vacina, mas, não aplica em seu rebanho, mesmo sendo o Brasil, um país continental. Sobre a questão, o general Hamilton Mourão, atual vice-presidente do país afirmou: "A maioria das pessoas que têm uma consciência ambiental maior, são de esquerda" e concluiu dizendo que "o governo federal é de direita e que os produtos exportados não são de áreas de preservação que teriam sido desmatadas". Que a esquerda tem no seu escopo ideário, maior preocupação com o meio ambiente, é inegável, porém, esse discurso típico do século XX não cola mais. O mundo mudou e o governo Bolsonaro age de forma anacrônica, pois se vivemos uma nova guerra fria, essa disputa não se faz pela contraposição capitalismo x socialismo / Ocidente x Oriente. Apenas mentes doentes como as que povoam o governo Bolsonaro pararam no tempo e, isso porque são vazias de conteúdo e de entendimento geopolítico. Bolsonaro faz grande mal ao país. O agronegócio brasileiro ainda vai pagar a conta por seus desvarios ou de seus comandados ao dirigir críticas ideológicas e fake news à China, o maior comprador de produtos brasileiros e, isso não é difícil de entender,  afinal, um dono de loja pode não gostar de seu principal cliente, mas, não o critica publicamente para não perdê-lo.

            Há alguns dias assisti à entrevista de um representante do agronegócio, que afirmou, com razão de que o país conta com uma das melhores e mais completas legislações ambientais do mundo. Disse ainda que o problema está na falta de fiscalização e de punição ao devastadores ambientais. Argumentou que o mundo inteiro vigia atentamente o que acontece com a Floresta Amazônica, mas, que nada fala sobre a Amazônia Azul, pois, não pode falar, afinal o mundo inteiro maltrata os oceanos e mares, os verdadeiros responsáveis pela liberação de oxigênio para a atmosfera. Tive que concordar com ele, os oceanos estão doentes por conta de toda a poluição gerada pela humanidade na forma de lixo sólido ou efluentes. O resultado, corais morrendo, espécies marinhas entrando em extinção devido a superexploração. Mas, não podemos negar que o Governo Bolsonaro tem grande culpa, pois ao promover uma fiscalização ambiental pífia e, com punições pouco rigorosas ou nulas, visando com isso agradar o agronegócio (e agrada), acabará por prejudicá-lo.

            Os capitalistas, independentemente de sua origem praticam um jogo pesado e sujo, pois, todos afirmam defender o livre-mercado e a eliminação/redução de barreiras que impeçam a livre circulação de mercadorias e serviços. Na prática, não é bem assim, os países mais capitalistas do mundo ficam o tempo todo vasculhando as ações alheias para encontrar meios de sabotar/eliminar vantagens específicas de outras nações aplicando barreiras sanitárias (nem sempre justas), subsídios, tarifas, cotas ou sanções. O governo federal e o setor do agronegócio precisam entender que discursar com base em fake news não cola, afinal, a ONU e os países têm acesso a imagens de satélite de alta resolução. Os capitalistas em geral (não apenas o agronegócio), precisam compreender que é cada vez maior a parcela da população (principalmente no mundo desenvolvido) que ao comprar produtos, procura saber como a empresa produtora trata o meio ambiente e se age com responsabilidade social. O Brasil terá que mostrar ações efetivas quanto à preservação ambiental, à fiscalização e ao rigor das punições, pois as nações não irão aceitar apenas discursos, ainda mais, de um governo cuja imagem no exterior é a pior possível!

FONTES:

1. Até quando a Alemanha continuará comprando soja do Brasil? - Disponível em https://www.dw.com/pt-br/at%C3%A9-quando-alemanha-continuar%C3%A1-importando-soja-do-brasil/a-59112846 - Acesso em 02 de Novembro de 2021.

2. EUA podem barrar importação de produtos oriundos do desmatamento ilegal - https://www.ecodebate.com.br/2021/10/07/eua-podem-barrar-importacao-de-produtos-oriundos-do-desmatamento-ilegal/ - Acesso em 02 de Novembro de 2021.

3. Estados Unidos e União Europeia discutem criar leis que podem prejudicar agronegócio brasileiro. Disponível em https://www.canalrural.com.br/noticias/eua-e-uniao-europeia-estudam-criar-leis-que-podem-prejudicar-agro-brasileiro/ - Acesso em 02 de Novembro de 2021.

 

sábado, 30 de outubro de 2021

Comuna de Paris 150

 


            Há 150 anos, mais especificamente entre os dias 18 de março a 28 de maio, teve lugar em Paris, a primeira experiência de um governo formado pela classe trabalhadora. Naquele distante ano de 1871, ainda sob os reflexos da Revolução Francesa (1789-1799) que implodiu a monarquia absolutista ao destronar Luis XVI no ano de 1792 irradiando seus efeitos além da França, pois, outros monarcas absolutistas abriram mão de parte do seu poder para preservar seus tronos e cabeças. A Revolução Francesa foi de tal forma importante que ela marca o fim da Idade Moderna e início da Idade Contemporânea, pois, enterrou o absolutismo e adaptou as nações para o capitalismo moderno. A Comuna de Paris de 1871 apesar de sua breve existência (72 dias) constitui não apenas um marco histórico, mas, um símbolo de resistência e de fortificação da utopia de uma sociedade governada pelo povo e para o povo.

           A França vivia uma turbulência política e encontrava-se em plena Guerra Franco-Prussiana (1870-1871) resultante da disputa destas nações que tinham grandes ambições geopolíticas, ou seja, a obtenção da hegemonia na Europa Continental. A Prússia (atual Alemanha) demonstrou superioridade no campo de batalha. O Imperador Napoleão III da França foi capturado pela Prússia e, dessa forma, a Terceira República foi então proclamada na França e Louis Adolph Thiers (1797-1877) se tornou o presidente. O interior da França formava a maioria da população e constituía um eleitorado conservador. Na capital Paris, a classe trabalhadora tinha no operariado, a sua ponta de lança. O nome comuna se refere à comarca ou região de Paris e, não ao comunismo, embora tenha sido a primeira experiência da classe trabalhadora à frente do Poder. A Prússia, arrasadora avançou sobre a França, a classe trabalhadora se organizou e montou barricadas para defender Paris. A burguesia fugiu da capital, logo, também a Assembleia Nacional se transferiu para Versalhes. A elite e a parcela conservadora da população não gostaram de ver a classe trabalhadora armada, mesmo que fosse com o intuito de defender Paris e solicitou ao governo Thiers que a desarmasse. A burguesia viu no operariado armado uma ameaça ainda maior que a Prússia ocupando a França. Os soldados enviados para desarmar a Guarda Nacional (operários armados) foram convencidos a ficar do lado do povo e prenderam seus comandantes. O presidente Thiers fugiu para Versalhes. Os revolucionários de Paris não tinham a intenção de conquistar o restante do território francês, embora estimulassem que cada comarca ou distrito tomasse o poder local com o objetivo futuro de fazer da França uma Federação de Comunas.

            As eleições levadas a cabo pelos revolucionários levaram ao poder trabalhadores de vários segmentos, os quais não constituíam uma homogeneidade ideológica. É um engano atribuir a Karl Marx (1818-1883) grande influência sobre os desdobramentos da Comuna de Paris. Os revolucionários em sua maioria seguiam os ensinamentos de autores ideologicamente anarquistas. Karl Marx acompanhou os acontecimentos de Paris e, mais tarde chegou a escrever a obra "A Guerra Civil na França" em que fez uma análise crítica dos acontecimentos apontando os acertos e erros desta. Houve avanços notáveis tais como: Instituição do Estado laico; o trabalho noturno foi abolido; as oficinas foram reabertas e geridas na forma de cooperativas de trabalhadores; as casas vazias abandonadas pela burguesia foram concedidas para habitação da população sem moradia; foi estabelecido o ensino universal gratuito e laico; os descontos salariais foram abolidos; os sindicatos foram  legalizados; nas fábricas foi estabelecido o sistema de autogestão; o salário dos professores foram duplicados; Foi estabelecido que  os trabalhadores que exerciam cargos políticos receberiam salários iguais aos dos trabalhadores comuns. Visando acabar com as forças repressivas sempre utilizadas pela burguesia contra a população, o Exército e a polícia foram abolidos.

            A Comuna não atacou Versalhes quando isso lhe era amplamente favorável e nem se apossou das reservas do Banco Central  da França para se fortalecer, estes foram por Marx considerados erros capitais. A reação de Versalhes veio com um Tratado de Paz com a Prússia que, apesar de desvantajoso para a França, se mostrou de grande valia para a burguesia representada pelo governo Thiers, pois, a Prússia liberou os soldados franceses presos, juntamente com o retorno daqueles estacionados na frente de batalha  engrossando as fileiras no planejado ataque à Comuna de Paris. A Comuna resistiu bravamente, mas, a desproporção de forças era evidente. O governo Thiers avançou rapidamente sobre Paris promovendo um grande derramamento de sangue e causando  cerca de trinta mil mortes de comunards (como eram chamados os revolucionários). Após o fim da batalha, o banho de sangue não acabou de imediato, prosseguiram as execuções "a sangue frio", prisões e exílios forçados de trabalhadores que ousaram sonhar. Marx ao se referir aos comunards afirmou que eles agiram como "assaltantes do céu", ou seja, tentaram aquilo que era claramente impossível. Mais tarde, León Trotski (1879-1940) o corrigiu, afirmando: "As revoluções são impossíveis até que se tornam inevitáveis". A Comuna de Paris foi breve, mas, seus ensinamentos foram utilizados em 1917 na Rússia e, se perpetuam na história. Com seu exemplo, os comunards ensinaram que as utopias não devem jamais ser abandonadas.

Sugestão de boa leitura:

Obra: Comuna de Paris 150.

Autor: Vijay Prashad et al.

Editora: Expressão Popular, 1ª edição, 2021, 141 p.

sábado, 23 de outubro de 2021

A bandeira nacional e a indignação de Augusto Comte

            

            Há alguns dias enquanto caminhava com a esperança de deixar de ser uma pessoa de tão grande presença, não pude deixar de observar a quantidade de casas com a bandeira nacional, atualmente apropriada por um movimento político que pouco ou nada tem de patriótico, afinal, para começo de conversa, seu líder-mor Jair Bolsonaro bateu continência para a bandeira estadunidense. Que muitos brasileiros comuns tenham o complexo de vira-latas perante os Estados Unidos e a Europa, eu lamento, mas, aceito, afinal, faz parte da fraqueza de espírito de muitos. Difícil é ver investido no cargo de Presidente da República, quem tem tal complexo mais exaltado. Não há na carreira militar ou política de Bolsonaro nada que endosse seu alçamento ao maior cargo eletivo da Nação. Não dá nem para alegar que ele iludiu o povo com seu discurso nos debates, afinal, ele não foi a nenhum debate e sua oratória é tosca. Foi um péssimo militar, sofreu processo disciplinar (planejou atentado a bombas). Em várias oportunidades demonstrou ser favorável à ditadura, à tortura, à misoginia, à homofobia, à sonegação fiscal, ao machismo, ao armamentismo, etc. Ao receber a faixa do golpista Michel Temer afirmou que com sua eleição iria libertar o povo do socialismo e do politicamente correto.

            Socialismo que no Brasil nunca houve, pois, jamais a propriedade privada dos meios de produção (fazendas, bancos, indústrias, etc.) foi extinta. Quanto ao politicamente correto, esta é a forma civilizada com que um presidente de uma grande nação deve se pautar, afinal ele é enquanto presidente, o cartão de apresentação do país. Com seu governo, recheado de militares para nenhum general da ditadura militar (1964-85) poder se comparar, a imagem que o mundo tem do Brasil, infelizmente, é de uma autêntica República das Bananas. Há quem ria do Brasil, há quem se indigne com as ações governamentais em temas pungentes de discussão mundial como a questão ambiental e há quem tenha muita pena dos brasileiros. Lembro que quando estudante em plena ditadura militar, ouvíamos que o mundo inteiro admirava a beleza da bandeira brasileira, por todos considerada a mais bonita. Nunca consegui confirmar a fonte dessa afirmação tão popularizada, penso que se tratava de uma fake news para inspirar nos jovens um patriotismo ufanista embalado por "Eu te amo meu Brasil" de Don e Ravel, obrigatório nas escolas públicas juntamente com a execução dos hinos. Nem por isso, há evidências comprováveis cientificamente de que essa geração se tornou mais patriótica. Há muitos políticos dessa geração fazendo a velha política e, dela também muitos empresários roubando a Mãe-Pátria ao sonegar impostos.

            A bandeira nacional instituída em 19 de Novembro de 1889, trouxe poucas alterações àquela utilizada pelo Império. Manteve-se a cor verde da Casa de Bragança (D.Pedro I) e o amarelo da Casa de Habsburgo (D. Leopoldina). Falar de matas e ouro é conversa para boi dormir, digo mais, nossa bandeira deveria ser vermelha, afinal, na língua Tupi-Guarani "Brasil" significa vermelho. Na antiga base, se inseriu uma esfera celeste com as estrelas representando as unidades federativas. No centro do círculo a inscrição "Ordem e Progresso" vem do lema positivista de Augusto Comte (1798 - 1857) que dita: "O amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim". Há quem diga que a palavra "amor" não foi incluída, porque a tornaria longa. Outros dizem que isso ocorreu devido a necessidade de passar uma imagem viril. Numa terra em que o sistema escravocrata vigorou por mais de três séculos, o face-lift superficial da bandeira nacional e a exclusão da palavra amor, evidencia toda a sua história cuja macro política nacional ao se ver ante a inevitabilidade da mudança, muda apenas para manter tudo como está. Bolsonaro no poder é uma contrarrevolução preventiva de  uma elite cruel, mesquinha, sanguinária e impatriótica. A falta de amor neste país não se denota apenas na bandeira, mas no olhar que se esquiva ante o mendigo que cata no lixo o que comer, nos ouvidos que se fazem moucos perante as notícias da miséria, da fome, da injustiça social. Dói ver a bandeira nacional ser usada como símbolo de um movimento político nefasto à democracia, à liberdade, à Justiça Social, mas, entendo, embora não concorde que, quem sempre desfrutou de privilégios injustos os queira manter. O que corta o coração é ver tal bandeira (e o que ela hoje simboliza) na frente de casas humildes. Neste caso, o sentimento de repugnância ante mansões é tomado pelo sentimento de tristeza, de pena, de impotência.

sábado, 16 de outubro de 2021

Sem assunto

 

           Há tarefas para as quais nunca nos julgamos preparados adequadamente e, segundo um amigo professor universitário, nunca estaremos, pois temos a tendência a acreditar que com mais tempo poderemos fazer melhor e, isso não acaba nunca. Há um tempo para cada tarefa, embora muitas vezes, esta tenha que vir à luz sem que o tempo ideal para a sua gestação tenha ocorrido. Li que devemos sempre desconfiar das pessoas muito autoconfiantes, pois, nelas muitas vezes falta a competência para fazer algo bem feito. Há uma grande diferença entre ser capaz de realizar um trabalho e de fazer um trabalho de boa qualidade. Vivemos na sociedade da aparência, das fake news e dos analistas políticos de manchetes noticiosas, os quais devem pensar: ler para quê a notícia, se pela manchete já sei o seu conteúdo? O presidente Bolsonaro disse que "os livros hoje em dia, como regra, são um montão de amontoados de muita coisa escrita e que precisam ser suavizados".  Essas notícias e esses livros, sempre tão extensos... por que não adotam o padrão Tweeter de 140 caracteres? Na sala de aula não são poucos os alunos que reclamam de ler uma lauda ou de que as questões exijam a interpretação de um pequeno texto. Na mídia digital, muitas vezes a manchete não condiz com o conteúdo e vejo gente compartilhando coisas que no fundo discordam.

            Tenho em minha estante centenas de livros não lidos, para garantir a posse, adquiro mais livros do que a minha capacidade de leitura. Já deixei de comprar livros que esgotaram e tive que adquirir usados em sebos. Tendo em vista os analistas de manchetes, para não ficar angustiado de não poder ler tanto quanto gostaria, talvez devesse ler apenas os títulos dos livros para adquirir o conhecimento pleno de seus conteúdos. Ledo engano, não se julga uma pessoa pela aparência, menos ainda um livro. Há que se desvelar a essência, há que se conhecer e para isso, é necessário ler as linhas e refletir as entrelinhas. "Pensar é o trabalho mais difícil que existe, talvez por isso tão poucas pessoas se dediquem a ele" disse o empresário Henry Ford (1863-1947), o filósofo grego Sócrates, anterior a Ford disse também: "quem não pensa, é pensado pelos outros". Mas ler, estudar, cansa, talvez seja melhor deixar a canoa seguir seu rumo a remar contra a correnteza. Quanto a possibilidade de haver uma catarata, basta não torcer contra que a economia brasileira vai bombar.

            As notícias dos últimos anos, mostraram a crise das livrarias. A pandemia agravou uma situação que já era difícil e grandes livrarias físicas fecharam pelo país. Apesar de não ser curitibano, senti fortemente o fechamento da Livraria Cultura do Shopping Curitiba. A sensação que sentia naquele local não é possível traduzir em palavras. Caminhar entre as estantes, garimpar obras, das quais muitas vezes nem sabia existir e trazer para casa juntamente com outras para a família. Dar livros para os filhos é importante, mas, o maior estímulo para eles é ver seus pais lendo. Eu sei que o livro, por seu preço é inacessível a grande parcela da população. O governo também não ajuda, o Ministro da Economia Paulo Guedes, resolveu tributá-los, pois, segundo ele quem lê são os ricos e não os pobres. Isso é de uma maldade gigantesca, ao invés de democratizar (subsidiar) o acesso aos livros, tributa-se e com isso deixa-os ainda mais inacessíveis aos pobres.

            No país onde o Ministro da Educação, o Ministro da Economia e vários parlamentares da base de apoio do governo são contra a democratização do acesso dos filhos da classe trabalhadora à universidade e o Ensino Médio é desfigurado em prejuízo do estudante pobre, logo se vê que Darcy Ribeiro (1922-1997) tinha razão quando afirmou: "A crise na educação nunca acaba, porque não é uma crise, mas um projeto". A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo disse Nelson Mandela (1918-2013). A elite brasileira sabe disso...e está desarmando a classe trabalhadora, pois, o único pobre que incomoda o seu olhar é aquele que pensa!

Em tempo: Parabéns aos/às professores/as pela passagem do seu dia!

sábado, 9 de outubro de 2021

Senna x Piquet no Brasil da polarização

 

        Há algum tempo li/assisti debates nas mídias sociais  acerca da eterna discussão sobre quem foi o melhor piloto brasileiro na Fórmula 1. Nas discussões, especialistas e amantes do esporte apresentavam seus argumentos enquanto imagens de disputas nas pistas entre Ayrton Senna (1960-1994) e Nelson Piquet eram exibidas. Os contendores também lembraram as desavenças entre os dois pilotos. Houve a citação de uma entrevista em que Senna foi cobrado por seu desaparecimento da mídia (após Piquet ser campeão) tendo ele respondido que se afastou para dar espaço para Piquet aparecer. Em várias oportunidades Piquet teceu críticas a Senna e inclusive ataques à sua honra. Não pude deixar de questionar-me: como esses fatos dizem respeito a algo do passado distante, por que ainda hoje há debates tão acalorados em defesa de um ou de outro?

            Intrigado, comecei ler os comentários das pessoas que leram/assistiram tais matérias e concentrei-me naqueles mais agressivos que eram em sua maioria dirigidos em desfavor de Senna. Constatei que quase todos eram perfis de apoiadores de Bolsonaro e que as alegações eram baseadas em valores emotivos (não racionais), pois não eram fundamentadas em dados estatísticos quanto ao aproveitamento de cada piloto. Lembrei-me de várias reportagens que li/assisti sobre Piquet que sempre fez o estilo "bad boy" desde os rachas da juventude na ruas de Brasília até sua carreira na Fórmula 1. Lembro que certa vez Piquet ganhou o "Prêmio Limão" por ser escolhido pelos jornalistas como a personalidade mais antipática no trato com a imprensa. Piquet em reportagens recentes disse que os jornalistas eram muitos burros e não entendiam nada do esporte. Piquet várias vezes dirigiu críticas à TV Globo, que abraçou Senna. Ayrton Senna fazia o estilo "bom moço" e era muito simpático com os jornalistas, Piquet, porém afirmava que Senna se utilizava de esperteza (estratégia de marketing) junto à imprensa.

            Ao visitar os perfis dos bolsonaristas fãs de Piquet,  tive a certeza que com ele  se sentiam identificados e supus que gostavam do seu estilo "bad boy". Até aquele momento (apesar de supor) não havia encontrado nenhuma fala de Piquet em apoio a Bolsonaro (agora há).  Essa dúvida acabou quando a TV mostrou Piquet dirigindo o Rolls Royce presidencial que conduzia Bolsonaro no último desfile do Dia da Pátria. Passei a me questionar sobre Senna, caso vivo estivesse, qual seria seu posicionamento (ante essa polarização)? Hoje sabemos que Senna sem publicizar contribuía com obras de caridade, mas, jamais se posicionou em favor de uma corrente política. Suponho que assim continuaria, falando de automobilismo e contribuindo com obras de caridade, porém, jamais emprestaria seu prestígio para alavancar alguma corrente político-partidária e, sabemos, o voto é secreto. Não tive,  com este artigo, a intenção de afirmar quem deles foi o melhor, porém, a estatística mostra que Piquet (apesar de ser um piloto formidável) é quem teria que ir ao encalço de Senna (não o contrário), porém (como ser humano) Senna (em vida) fez várias voltas de vantagem sobre Piquet!

sábado, 2 de outubro de 2021

A educação é a última trincheira contra a barbárie

 

        Vivemos tempos de negacionismo, de fake news e de obscurantismo. O físico, filósofo da ciência, humanista, defensor do realismo científico, do sistemismo e da filosofia exata Mário Bunge (1919-2020) sobre isso afirmou: "É mais fácil negar a ciência do que estudá-la".  A parcela da sociedade pouco afeita ao estudo e à busca do conhecimento científico demonstra ódio a quem baseia suas ações e argumentações no conhecimento científico e, a estas se contrapõem se baseando no senso comum para interpretar os fatos a seu bel-prazer dando a eles os tons que deseja. O intelectual estadunidense Noam Chomski disse (acertadamente) que as pessoas já não acreditam nos fatos, mas nas interpretações/distorções dos fatos que mais lhe agradam.

            Pesquisas científicas mostram que, pela primeira vez, os filhos têm QI's (quociente intelectual) mais baixos que os de seus pais. Como se trata de algo novo, evidentemente os estudos prosseguem na busca do entendimento das causas de tal fato. É verdade que os jovens são bombardeados por informações e têm todo um aparato tecnológico a sua disposição. Sabemos, porém que o conhecimento é a reflexão/interpretação criteriosa da informação acerca dos fatos, sendo que é neste ponto que a coisa  degringola. O ato de ler, refletir e formular as hipóteses/respostas é a receita para a construção do conhecimento na mente do jovem e, muito disso se perdeu. A juventude tem acesso à informação, mas, não consegue identificar a inter-relação entre os fatos, suas causas e consequências, afinal, nunca foi tão fácil encontrar respostas para as atividades da escola (tarefas, trabalhos e provas), não é necessário sequer ler (e muitos não leem mesmo), basta digitar a pergunta no Google. Esse momento que vivemos foi retratado pelo cinema no filme "Idiocracy", no qual a pessoa mais idiota do século XX foi descongelada e revivificada (criogenia) no século XXV, numa época da onipresença da tecnologia, na qual ela passa a assombrar a humanidade com sua "grande intelectualidade". Nessa época de pandemia, constatamos que nenhuma tecnologia substitui o professor em sala de aula, mas, também que, para parte dos pais, a preocupação central não é com a aquisição do conhecimento por parte de seus filhos e, sim com um lugar para deixar os filhos enquanto trabalham, ou seja, não vêm na escola, aquilo que ela de fato é, um local para a construção do conhecimento.

            Em tempos autoritários é comum haver ataques ao conhecimento, nesses períodos, os livros e as reputações de professores e cientistas são queimados. Ataca-se a escola porque ela ensina os estudantes a pensar. Afirmam que ela doutrina os estudantes, quando é o inverso, pois, ao ensinar os estudantes a refletir, estes passam a ver e interpretar o mundo por si próprios. Há um provérbio popular que afirma: "Mente vazia, oficina do diabo". O diabo é ausência de luz, ausência da razão (conhecimento). O diabo é o negacionismo/fake news. Negacionismo é um termo educado para se referir a essa gente burra e preguiçosa que vê como atividades penosas, a leitura e a reflexão daquilo que lê/ouve. Ao longo da história, todo progresso humano seja na cura para as doenças ou na inovação tecnológica sempre se fez por meio da ciência. Em todos os tempos históricos, o negacionismo sempre foi o promotor do atraso social e econômico. E para essa gente (muitos se dizem religiosos de ofício ou de fé) lembro que no livro do Gênesis (cap. 1, vers. 1-5) Deus disse "faça-se a LUZ" e, não faça-se a escuridão!

sábado, 25 de setembro de 2021

Bolsonaro, Lula e a idolatria

 

      Há muito vejo nas redes sociais uma postagem que afirma o seguinte: "Idolatrar Bolsonaro é a mesma burrice que idolatrar Lula. Políticos devem ser cobrados e não idolatrados". O poeta, escritor, dramaturgo e ator inglês William Shakespeare (1564-1616) afirmou: "O diabo é capaz de citar as Sagradas Escrituras quando isso lhe convém". A frase de Shakespeare refere-se à estratégia de recorrer a algo considerado inconteste para obter a aprovação tácita de algo polêmico por meio da não reflexão do ouvinte ou leitor. A frase em questão traz o acerto inquestionável no trecho: "políticos devem ser cobrados e não idolatrados". Sabemos que no regime democrático, os políticos são escolhidos pelo povo em sufrágio universal. Sabemos também que a democracia não funciona de forma adequada nos países com grandes desigualdades sociais (caso do Brasil), sendo sempre de baixa intensidade e nunca na forma plena.

            É importante que se diga que este país foi construído de cima para baixo com vistas a desempenhar a função de colônia e enriquecer quem consome os produtos desta terra e, não para desenvolver-se e tornar-se independente. Os ricos recursos (naturais ou do trabalho) do povo brasileiro sempre estiveram/estão a serviço do enriquecimento de potências estrangeiras e de seus testas de ferro locais (a elite do capital patrimonial) que conta sempre com o apoio da elite do capital cultural (a classe média) que se contenta em ficar com migalhas enquanto alimenta a ideia de ser "rica" e "europeia". A Independência do país (1822) e a abolição da escravatura (1888) não vieram acompanhadas da independência econômica e da ascensão social das classes despossuídas da terra e da renda, pois as cadeiras do Congresso Nacional sempre estiveram/estão majoritariamente ocupadas pela elite econômica (no passado, por barões do café, da cana de açúcar e, na atualidade, por latifundiários, industriais, banqueiros, e/ou seus representantes).

             Karl Marx (1818-1883) nos ensinou que a história das sociedades é o desenrolar das lutas de classes e, por sua vez,  Simone de Beauvoir (1908-1986), afirmou: "O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos", ou seja, não existe neutralidade. Há o projeto colonizatório e o emancipatório. O primeiro é defendido pelos testas de ferro brasileiros do Imperialismo Internacional, que por interesses escusos, desejam manter o país subjugado, em detrimento dos interesses genuinamente nacionais, perpetuando o atraso social. O segundo projeto é emancipatório, progressista e desenvolvimentista que visa fazer do país, uma sociedade menos injusta e mais próspera.

            É de uma maldade/ingenuidade absurda comparar Bolsonaro a Lula. Bolsonaro por suas falas e ações várias vezes demonstrou ser favorável à ditadura, à tortura, ao machismo, à misogenia, à homofobia, ao racismo, ao militarismo, ao armamentismo, à violência policial, ao entreguismo das riquezas nacionais, à uma política externa submissa aos EUA, e exerce um governo plutocrata (dos ricos para os ricos). Bolsonaro por sua ação/inação defende o latifúndio, a exploração do patrão sobre o empregado (redução de direitos trabalhistas e arrocho salarial), a destruição do meio ambiente, o descaso ou até mesmo ataques aos direitos dos povos originários. Lula representa a ideia de um Brasil que deu certo, pois retirou quarenta milhões de pessoas da miséria, aumentou o poder aquisitivo da classe trabalhadora e os investimentos em educação e saúde, pautou as relações externas no âmbito Sul-Sul e teve uma postura independente perante os EUA. Comparar os dados socioeconômicos oficiais dos governos de ambos acaba com qualquer dúvida. Enquanto Lula era recebido por reis, rainhas e o mundo o queria ouvir. Hoje, Bolsonaro nos envergonha e destrói a imagem do Brasil perante as nações. Quem ainda hoje apoia Bolsonaro, busca preservar privilégios imorais ou tem a mente colonizada. Lula é o oposto de Bolsonaro e, quem não percebe/reconhece isso, demonstra não ter honestidade intelectual, consciência de classe, capacidade de interpretação de texto e de crítica.

 P.S. A corrupção que se tentou encontrar em Lula ou nos filhos de Lula (sem sucesso), está sendo fartamente documentada nas ações do clã Bolsonaro.

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Sobre os “mundoiletrados” - (republicação em comemoração dos 100 anos do nascimento de Paulo Freire)

 


           Concluí a leitura do livro “A importância do ato de ler” do sábio e saudoso mestre Paulo Freire (1921-1997), um pequeno livro em suas dimensões, porém grande pela profundidade do conteúdo que encerra. Quero dizer, portanto, que qualquer semelhança acerca do conteúdo aqui escrito com os ensinamentos do grande mestre não é mera coincidência. Paulo Freire afirma ser um absurdo os índices de analfabetismo que então às luzes do terceiro milênio a humanidade ostentava e, infelizmente ainda ostenta. Segundo Paulo Freire não basta a mera decodificação da palavra escrita, é necessária uma compreensão crítica do ato de ler, ou seja, uma leitura crítica do mundo ou a “leitura da palavramundo”. O mestre muito se preocupou com a alfabetização de adultos, mas não a mera decodificação dos símbolos gráficos, pois pregava uma revolução na sociedade cujo princípio se daria na mente das pessoas. Era necessário ir além da alfabetização atingindo o estágio de “leiturização do mundo”, ou seja, mais do que ler, entender as questões locais, regionais e mundiais para nelas interferir visando a transformação da sociedade. Mas estamos muito aquém do estágio de leiturização do mundo sendo que os números do analfabetismo ainda hoje se mostram escandalosos nos países do Sul (subdesenvolvidos) e, se a estes números acrescentássemos os malformados, a realidade seria ainda mais estarrecedora.

            A formação a que me refiro é aquela que vai muito além do ambiente escolar e que se realiza individualmente na leitura de obras de pensadores e, também na reflexão daquilo que se aprende, na leitura ou na vivência. O ser humano possui não somente o direito de ler e ser uma pessoa melhor como a obrigação de aperfeiçoar-se visando contribuir para a melhoria da sociedade. Ocorre que muitos pensam não ser necessário estudar além da educação oficial, achando a leitura um ato penoso e há aqueles que embora portem um ou mais diplomas, possuem uma visão míope de mundo, ou seja, são incapazes de fazer uma leitura fundamentada e crítica da conjuntura local, regional e mundial. Assim, falam sem ter uma argumentação consistente emitindo juízos de valor àquilo que de fato não conhecem, pois, se a alfabetização já é em si um desafio apesar da possibilidade de aprendizagem de qualquer ser humano dotado das faculdades que assim o favoreçam, compreender a “palavramundo” mostra-se algo mais difícil, pois, é preciso ter gana de viver, e vivendo, a cada dia buscar aprender mais, entender o significado das coisas e dos fatos. Compreender a “palavramundo” exige fazer comparações e só se pode comparar aquilo que se conhece pela realidade vivida, para a qual não basta viver, mas refletir sobre os fatos, bem como pela leitura, mas não como uma mera decodificação dos símbolos, mas com o objetivo de desvelar a essência daquilo que lemos, vemos e vivemos.

            Atualmente assistimos os meios de comunicação pregarem a “neutralidade” da educação e seríamos ingênuos se pensássemos que a suposta e impossível neutralidade fosse fruto do desejo ingênuo da elite representada por tais meios de comunicação. A verdade é que à elite interessa esconder a perversa essência que se esconde por trás do modelo neoliberal, como educadores, precisamos e devemos auxiliar nossos educandos a descobrir a essência da vida e não apenas servir ao modelo de produção que se apresenta hegemônico. Não é possível pensar a educação sem a reflexão da conjuntura do projeto de país que se não for pensado por todos, será pensado por alguns, pois quem não pensa é pensado pelos outros. Acredito que devemos ter mais que um discurso fundamentado na reflexão diuturna, “precisamos ter coerência entre a prática e o nosso discurso avançado”. Ao contrário do que pretendem os amantes do neoliberalismo, “o educador não tem como ser neutro, mas nem por isso é manipulador”. Cabe a nós educadores, a necessária utopia de uma sociedade melhor, mais justa, pois a utopia é oxigênio que move a busca do conhecimento por educadores e educandos que pretendem na solidariedade encontrar a saída ante um modelo autoritário, egoísta e perverso que concentra as riquezas nas mãos de poucos e a fome na barriga de muitos. Nessa realidade mundial, o Brasil também está inserido, pois, a fome mora ao lado do nosso quintal e como já afirmava o mestre “não nos esqueçamos que o Brasil foi inventado de cima para baixo” e, como tal permanece.

            Aos educadores cabe dar vida ao que se ensina, indo muito além do conteúdo, é necessário contextualizá-lo, pois “o contrário da manipulação não é a neutralidade impossível, nem o espontaneísmo, mas a participação crítica e democrática”. Precisamos passar de figurantes da história para construtores de nossa própria história, ajudar a construir uma sociedade melhor para todos os brasileiros. “Estudar é assumir uma atitude séria e curiosa diante de um problema” e estudar também é trabalho, trabalho que fortalece os “músculos” do pensar e que a todos cabe, pois “ninguém ignora tudo, ninguém sabe tudo”. Assim o autor destas linhas também é ciente de que muito tem por aprender e tal como afirmou o filósofo Sócrates apenas “sabe que nada sabe” e uma vez mais citando o mestre Paulo Freire quando afirmou que “estudar para servir ao povo não é só um direito, mas também um dever revolucionário”. Façamo-nos revolucionários e estudemos, pois para ajudar a construir uma nova sociedade, não importam quais sejam as suas cores, mas, a onipresença da justiça social.

Sugestão de boa leitura:

FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 49 ed., São Paulo, Cortez, 2008.