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segunda-feira, 19 de setembro de 2022

O prisioneiro do Cáucaso (com spoiler)

 


O conto "O prisioneiro do Cáucaso" aqui resenhado faz parte do livro "Senhor e servo e outras histórias" de autoria de Liev Tolstói (1828-1910). Na obra Jilín é um oficial do exército russo, cuja mãe pressentindo os seus últimos dias de vida chama o filho para o ver e também para que conheça uma moça bonita, ajuizada e detentora de posses com quem planeja casá-lo. Jilín que servia em um forte no Cáucaso (uma região montanhosa que divide a Europa Oriental da Ásia Ocidental entre o Mar Negro e o Mar Cáspio e que no tempo de vida de Tolstói encontrava-se sob o domínio russo, porém, não sem resistências dos povos locais conhecidos como tártaros) conseguiu licença para visitar sua mãe e conjecturava que, caso a noiva fosse de seu agrado, poderia se casar e deixar o exército. O Cáucaso vivia momentos muito conturbados, o clima era de tensão entre os soldados russos destacados para aquela região e os tártaros. Não havendo passagem segura pelas estradas sempre sujeitas a ataques de grupos de tártaros, Jilín esperou para seguir com uma caravana de soldados, porém esta seguia muito lentamente, ora estragava uma roda de alguma carroça, ora os soldados paravam para descansar.

            Kostilín, um colega oficial o acompanhava e propôs-lhe que fossem sozinhos, assim adiantariam a viagem. Jilín concorda, quer chegar logo para ver sua mãe e sabe que tem um ótimo cavalo que não se assusta em meio a batalhas. Em dado momento, eles são surpreendidos por um grupo de tártaros e Kostilín com a única arma empreende fuga, e Jilín que tenta enfrentar sozinho os tártaros tem seu cavalo alvejado e cai prisioneiro. Após levar coronhadas na cabeça, Jilín (com as mãos amarradas às costas) tem os olhos cobertos de sangue coagulado que grudam suas pálpebras e não consegue ver o caminho por onde o levam. Ao chegar a uma vila tártara, crianças gritam e atiram pedras no prisioneiro que é conduzido a uma telheiro (onde se produz telhas de barro) e jogado a um canto onde havia esterco, não sem antes lhe colocar grilhetas (corrente com uma bola de metal nas pernas). Jilín por meio de mímica pede água e seus captores pedem que uma menina magrinha de aproximadamente treze anos lhe traga um jarro.

            Kostilín é preso também e colocado junto ao outro prisioneiro. Seus captores por meio de mímica lhes explicam que desejam resgates em valores elevados. Kostilín aceita, Jilín reluta afirmando ser pobre e procura não se intimidar ante as ameaças de tortura e morte. Os sequestradores aceitam reduzir o valor, mesmo assim, Jilín escreve a carta de resgate com endereço falso para a localização de sua mãe. Dina (a menina) traz água e os alimentos para os prisioneiros. A comida não é boa e nem mesmo suficiente. Jilín começa a esculpir bonecas à semelhança das mulheres tártaras e as entrega para Dina que reluta, mas, acaba pegando para com elas brincar. Dina sigilosamente começa a trazer bolinhos de queijo de cabra e leite para os prisioneiros. Ao ver os brinquedos que Jilín faz, os tártaros começam a trazer relógios e outros objetos para que este os conserte e ele faz. Certo dia trouxeram um doente para que ele curasse, porém, Jilín não tinha conhecimentos médicos, mas, finge fazer um preparado e, afortunadamente o paciente se cura (por si) e não pelo preparado. As grilhetas são retirados dos prisioneiros que vão começando a entender a língua local e aprendem a se comunicar com o povo local.

            Na aldeia há um senhor idoso, muito respeitado, que pede aos captores que matem os russos. Afirma que alimentar russos é pecado e que eles ainda vão trazer problemas porém, estes querem o dinheiro. Os sequestradores permitem que Jilín (escoltado)faça pequenas caminhadas ao redor da vila, ocasiões que ele procura compreender sua localização e se orientar para uma fuga. Enquanto o momento da fuga não chega, o prisioneiro faz artesanato para os tártaros. Na noite em que planejava a fuga, os tártaros chegam com um de seus homens morto em combate com os russos. A agitação da vila não permite a fuga. Jilín presencia os rituais funerários, a encomenda do morto para Alá e o banquete para o qual uma égua foi morta para fornecer carne para as pessoas presentes às homenagens ao morto que duram três dias. Jilín cava um buraco por baixo da parede e foge com Kostilín. Seu colega é gordo e muito lento, atrasando a fuga de ambos. Kostilín além de exausto, machuca os pés,  Jilín não quer deixá-lo para trás e o carrega nas costas, por isso, acabam capturados. Levados de volta à vila tártara, são colocados numa fossa. Dina (às escondidas) joga bolinhos de queijo e frutas para os prisioneiros. A menina avisa que vão matá-los. Jilín pede à Dina que traga uma vara comprida e forte e com esta Jilín sai da fossa, porém, Kostilín não consegue e diz para que Jilín fuja sozinho. Jilín não consegue quebrar a grilheta e Dina é orientada a colocar a vara onde a pegou para que não descubram que ela o ajudou. Jilín carregando a grilheta chega à floresta sem cruzar com ninguém. No dia seguinte, esconde-se de dois tártaros que passavam pelo local. Exausto, procurando não desanimar, sai da floresta e avista o forte russo. Caminha na direção dele, no entanto, surgem três tártaros que começam a perseguí-lo. Grita aos soldados de sentinela que ao ver a situação lançam-se a cavalo galopando em sua direção. Os tártaros fogem. Os oficiais reconhecem Jilín e levam-no para o forte. Kostilín, extremamente debilitado, é libertado após o pagamento do resgate. Jilín, atribui que não era seu destino ver sua mãe antes de sua partida deste plano, bem como não era casar-se. Dessa forma, permanece servindo ao exército russo no forte no Cáucaso.

Sugestão de boa leitura:

Título: Senhor e servo e outras histórias.

Autor: Liev Tolstói.

Editora: L&PM, 2009, 128 pág.

domingo, 11 de setembro de 2022

Senhor e servo (com spoiler)


 Não tenho a predileção pela leitura de contos, menos ainda de resenhá-los neste espaço. Gosto de obras com maior número de páginas para nelas fazer uma imersão. Lembro de ter assistido uma booktuber (apresentadora de canal do You Tube com foco na literatura) fazer uma analogia com o boxe afirmando que enquanto o autor de um romance precisa ganhar o leitor por pontos, ou seja, ao longo de um número maior de páginas, o escritor de contos tem que ganhá-lo por nocaute, afinal os contos possuem um número pequeno de páginas (ou agrada de cara ou não agrada). Faz muito sentido, pois ao lermos obras extensas, muitas vezes nos deparamos com momentos entusiasmantes e enfadonhos na mesma obra. Um livro cuja leitura inicialmente não empolga, pode nos prender ao longo dos capítulos. O conto não tem páginas suficientes para tal recuperação perante o leitor.

            Apreciador da literatura russa, embora nela seja ainda iniciante, este escriba tem em Liev Tolstói (1828-1910) um de seus autores prediletos. Liev Tolstói, o autor de "Guerra e Paz" e Anna Kariênina (dentre outras obras) é considerado um dos maiores nomes da literatura russa. O autor é conhecido por seus livros generosos no número de páginas, porém, também se aventurou (com sucesso) nos contos. A literatura quanto à complexidade e extensão da obra costuma ser dividida de forma crescente em contos, novelas e romances. O livro "Senhor e servo e outras histórias" traz além daquele que lhe dá o titulo, os contos "O prisioneiro do Cáucaso" e "Deus vê a verdade, mas custa a revelar".

            No conto "Senhor e servo" Vassili Andreitch é um rico proprietário que deseja aumentar suas terras, para tal planeja adquirir um bosque que se encontra à venda. Outras pessoas estão interessadas em adquirir tal propriedade. Vassili planeja viajar para fazer uma proposta diretamente ao vendedor. Como receia perder o negócio, ordena que o servo Nikita prepare o cavalo e o trenó para que parta sem demora. Diante do mau tempo (o inverno trouxera fortes nevascas), sua esposa grávida pede para que ele leve o servo junto, algo que inicialmente não lhe agrada, mas, acaba concordando. O servo que conduz o trenó lhe pergunta se devem ir pelo caminho mais longo que é melhor sinalizado e mais seguro ou, pelo caminho mais curto, que no entanto é mal sinalizado e mais visado para assaltos. O senhor ordena que é para ir pelo caminho mais curto, pois conhece o caminho e chegarão ainda de dia (sem perigos) para ter com o vendedor do bosque. Nikita, o servo obedece (não fez outra coisa na vida) embora não lhe pareça sábia a decisão, pois a nevasca está forte.

            O caminho mais curto é também desabitado e logo percebem que não conseguem encontrar os poucos marcos sinalizadores da estrada. Decidem soltar a rédea do cavalo confiando no instinto de orientação do animal, mas, este os leva até uma vila que se encontra fora do caminho que deviam ter tomado. Voltam na direção que deveriam seguir e se perdem novamente e acabam voltando a vila onde são recebidos na casa de um morador onde se alimentam e se aquecem. A família que os acolheu se encontra num momento em que os ânimos estão acirrados, pois os filhos cobram a divisão das terras, algo que o patriarca é contra, pois, quer todos trabalhando juntos na propriedade. Ante a recusa de Vassili ao convite para que dormissem na casa por receio de perder o negócio, um dos filhos montado a cavalo guia os aventureiros até o local onde se inicia a estrada, porém, quando iniciam a viagem sozinhos, não demora muito e eles novamente se perdem. O servo desce do trenó e, ao tentar caminhar para se localizar cai em um abismo. Não se machuca, levanta e consegue voltar ao trenó. Avisa ao seu senhor que precisarão encontrar um local seguro e passar a noite na estrada. Vassili pensa no risco de perder o negócio, mas não vê saída.

            O servo cobre o dorso do cavalo com uma manta, deixa o pequeno trenó para seu patrão dormir e, com palha forra o chão gelado atrás do trenó onde dorme com sua pouca e surrada vestimenta. O senhor sempre pensando em como ganhar dinheiro e ante a possibilidade de perder o negócio e também de morrer ali mesmo naquela noite, pega o cavalo e com ele tenta achar o caminho deixando o servo para morrer. O servo implora que o senhor deixe a manta do cavalo, mas, ele se vai. A nevasca piora, o cavalo ante um perigo empina e o senhor cai. O cavalo foge, Vassili resolve seguir os seus rastros e acaba encontrando-o junto ao trenó onde havia ficado o servo. Ao chegar, amarra o cavalo, organiza as coisas e ao ver o servo imóvel, percebe que ele embora esteja congelado ainda vive. Deita-se sobre ele na esperança de que na troca de calor os dois sobrevivam. Enquanto tenta aquecer o servo, Vassili tem sua mente agitada com ideias sobre o sentido da vida, o qual não é unicamente ganhar dinheiro, mas, ajudar as pessoas. No dia seguinte, os mujiques (servos) resgatam os três da neve, estão mortos o senhor e o cavalo. Nikita, o servo, vive por mais vinte anos nos quais continua trabalhando nas terras que Vassíli deixou para os herdeiros. Ao perceber que está velho e dando trabalho para as pessoas (Nikita, que tantas vezes pensou que ante sua vida de pobreza, na qual nada fez senão obedecer, trabalhar e ser explorado morrer não seria de todo mal) resolve que já teve o bastante e se entrega tendo uma tranquila passagem para o outro plano espiritual.

Sugestão de boa leitura:

Título: Senhor e servo e outras histórias.

Autor: Liev Tolstói.

Editora: L&PM, 2009, 128 pág.

domingo, 4 de setembro de 2022

Terra das Mulheres

 

Charlotte Perkins Gilman (1860-1935) foi uma romancista, contista, poetisa e escritora estadunidense. Charlotte era uma mulher a frente de seu tempo e, já no século XIX empunhava bandeiras feministas, obviamente, que seu ativismo não pode ser comparado ao do século XXI, fato que pode deixar algumas ou muitas leitoras de sua obra desapontadas. É sempre preciso situar a obra e o autor ao tempo de sua vivência e à sociedade em que está inserido e conceder os devidos descontos. Também quero lembrar o leitor deste espaço e, que na semana passada leu a resenha sobre o livro "Terra dos Homens" de Antoine de Saint-Exupéry que a resenha que agora faço sobre o livro "Terra das Mulheres" constitui mera coincidência pois, quando já estava com a leitura avançada é que observei tal fato.

            A obra "Terra das Mulheres" de Charlotte Perkins Gilman enquadra-se no gênero da ficção científica, mais precisamente como utopia. Utopia diz respeito a uma sociedade perfeita, porém, inalcançável, por sua vez, a distopia é o inverso, uma sociedade do pesadelo, onde o pior cenário se materializa. Na trama de "Terra das Mulheres", surrealmente, o narrador é masculino e vai relatar a expedição que ele (Vandick Jennings) fez juntamente com seus amigos Terry O. Nicholson e Jeff Margraves a uma terra onde somente haviam mulheres. As personagens foram a uma região na qual tomaram conhecimento da lenda acerca de tal terra. Souberam que as pessoas que foram a tal país das mulheres jamais retornaram. Imbuídos de curiosidade, municiados com o dinheiro do abastado Terry, porém, descrentes de que uma terra só de mulheres pudesse existir, dado o fato de que sem homens não haveria reprodução e, que uma sociedade organizada somente por mulheres jamais seria algo funcional, os rapazes se alçaram a tal aventura navegando e sobrevoando com um avião uma terra habitada que resolveram ver de perto, pousando a aeronave num campo não muito distante.

            Inicialmente encontraram três moças lindas e altas, a curiosidade tomou conta dos dois grupos (visitantes e nativas), porém, elas não deixaram eles se aproximarem e fugiram. Indo no rumo em que viram a cidade, acabaram sendo presos por mulheres que estavam em número muito superior. O cativeiro era, no entanto, bastante confortável, e logo perceberam, que eram tratados como visitantes, embora sempre vigiados por guardas na faixa dos quarenta anos, a quem chamavam coronéis. Desde cedo começaram a ter aulas da língua local ao mesmo tempo em que ensinavam a própria. Não viram e, souberam pelas mulheres de que não havia homens na sociedade. As mulheres desempenhavam todas as funções da sociedade, assim, haviam as agricultoras (não haviam pecuaristas, pois eram veganas), as sacerdotisas, as políticas, as juízas, as guardas, as educadoras, etc. No país não havia desigualdade social (nem riqueza ou pobreza) e o sistema socioeconômico baseava-se no cooperativismo. Souberam que no passado havia homens, mas, que eles morreram nas constantes guerras com povos vizinhos. O país de mulheres ficou isolado do resto do mundo devido a um terremoto e as mulheres conseguiam se reproduzir por partenogênese e, dessa forma só era possível o nascimento de meninas. A maternidade era o momento máximo das mulheres e todas queriam ser mães (tenha calma leitora, a obra é de 1915). Embora conhecessem pela observação no reino animal o acasalamento sexual de outras espécies com a finalidade da reprodução, não praticavam sexo, pois, para elas não havia sentido, afinal eram capazes de se reproduzir sem ele. Talvez essa forma encontrada pela autora não agrade as leitoras feministas, mas, propor sexo ou amor entre mulheres no ano de publicação do livro (1915) era comprar uma briga homérica, que talvez a autora não julgou vantajosa. Também sabemos, que para a maioria das feministas, um mundo só de mulheres não é o ideal desejado e, sim a igualdade.

            As personagens contam às suas anfitriãs como é a sociedade de onde vieram, mas sempre evitando dar muitos detalhes, pois se sentem envergonhados perante mulheres cujo país tudo é limpo, harmônico, organizado e funcional. Os rapazes se apaixonam pelas moças que encontraram no primeiro dia e com elas se casam, porém, há um abismo cultural entre eles e elas. As moças não entendem os motivos para haver relações sexuais entre duas pessoas que se amam, afinal, não precisam disso para ter filhos. Cada um dos rapazes tem uma personalidade diferente e, consequentemente age de forma diferente com sua parceira. As mulheres da sociedade descrita são inteligentes, fortes e empoderadas e, se você, sabe que um relato foi produzido sobre tal país das mulheres, concluiu portanto, que na obra o narrador voltou para o seu país. De que forma isso se deu e muito mais, você poderá saber lendo o livro! Fica a dica!

P.S. Essa obra inspirou a criação da personagem Mulher Maravilha das HQ's e das telas de cinema.

Sugestão de boa leitura:

Título: Terra das Mulheres.

Autor: Charlotte Perkins Gilman.

Editora: Rosa dos Tempos, 2018, 256 p.