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sábado, 30 de maio de 2020

Onde morrem os aviões



                 
               O site lusoavia.com assim apresenta Lito Sousa: “[...] tem mais de 30 anos de experiência em manutenção de aeronaves, sendo referência no assunto a nível internacional. Formado e certificado internacionalmente, trabalhou nas maiores agências aéreas deixando um legado histórico no setor de aviação. Também é especialista em erros por fatores humanos e estudou profundamente a Aerofobia, desenvolvendo o projeto “Eu posso voar” que já alcançou mais de 1000 pessoas. Ministra diversos treinamentos e workshops tanto no Brasil quanto no exterior para profissionais da manutenção. Colaborou no desenvolvimento do “Flight Simulator” e já ministrou o curso de Piloto por 1 dia para mais de 500 amantes e entusiastas. É também editor do maior blog de aviação há mais de 10 anos, sendo uma verdadeira enciclopédia do assunto e fonte de estudos e pesquisas para muitos agentes da área. Hoje é notório por apresentar o canal Aviões e Músicas que é recordista de audiência”.
            Lito é autor do livro “Onde morrem os aviões”, nele conta o início de sua história desde quando muito jovem fascinado pelos navios (que via atracados no Porto de Santos) sonhava ser engenheiro naval ou marinheiro, porém, sua condição humilde lhe impôs as únicas opções: cursar magistério, contabilidade ou mecânica de aviões e, segundo ele, com essas opções, não foi difícil fazer a escolha. Em sua primeira aula, o professor (sargento da aeronáutica) disse: “na aviação tem que fazer tudo com muito mais responsabilidade e atenção, por que lá em cima não tem acostamento”. Ensinamento nunca esquecido. Formado, começou a trabalhar na Varig, na época, os vôos da ponte aérea São Paulo-Rio eram feitos com os aviões quadrimotores a hélice Lockheed Electra. Lito Sousa tornou-se especialista na mecânica deste avião. Sousa disse que os aviões (aos quais os mecânicos davam nomes com referências aos prefixos) pareciam ter alma e que gostavam de se divertir com os mecânicos, com a reincidência de defeitos mesmo com o sistema inteiro trocado. Quanto ao conhecimento que adquiriu, afirma que nunca passou “pano preto”, ou seja, não escondia informações dos outros para parecer indispensável.
Em 1993, aos 26 anos de idade, resolveu aceitar uma proposta feita por uma empresa aérea do Zaire para treinar a equipe de mecânicos na manutenção dos Lockheed Electras adquiridos junto à Varig. Lá chegando tomou conhecimento de que os aviões seriam convertidos em cargueiros, mas, o pior foi a tomada de consciência da falta de infraestrutura da empresa aérea e dos aeroportos locais, muitos sem pavimentação asfáltica. Certa vez, ao avisar um piloto africano de quem se tornou amigo sobre a necessidade de parar o avião para manutenção (troca de pneus com cortes e consertos em sistema secundários) foi avisado por ele que lá pneus eram trocados quando estouravam e que sistemas secundários não eram importantes. O piloto ainda lhe disse: “Welcome to Africa Operations”!
A situação se tornou ainda pior quando o empresário exigiu que estivesse nos vôos para garantir que não fossem cancelados. Nestes vôos levavam víveres para áreas de garimpo de diamantes, porém, o que assustava eram os inúmeros galões de gasolina afixados apenas por redes. Lito acostumado a trabalhar com o padrão Varig de manutenção preventiva se horrorizou com as condições a que eram submetidos os aviões quanto à infraestrutura precária e manutenção insuficiente. Também passou fome e medo por conta da insegurança naquele país no qual teve um choque de cultura. Priorizando a vida, pediu demissão antes do fim do contrato de 90 dias e voltou ao Brasil e à Varig da qual tinha se licenciado. No livro o autor dedica um capítulo para contar o destino final de cada Electra que pertenceu à Varig. Fica a sugestão para os leitores amantes da aviação.

Sugestão de boa leitura:
Título: Onde morrem os aviões.
Autor: Lito Sousa.
Editora: Editora do Autor, 2018, 121 p.
Preço: R$ 58,90.

domingo, 24 de maio de 2020

Ratos e homens




O livro “As vinhas da Ira” de John Steinbeck figura entre as melhores leituras que fiz em 2019 e se eu fizesse ranking anual das leituras, certamente a obra estaria no top 5. Tendo em conta sua altíssima qualidade literária, a obra “As vinhas da Ira” recebeu resenha neste espaço em Janeiro daquele ano. Naquele momento apresentamos o autor da seguinte forma: “John Steinbeck (Salinas, 1902 - Nova Iorque, 1968) é um grande autor estadunidense cuja literatura é marcada pelo compromisso com as questões sociais de seu país. O autor conquistou legiões de admiradores pela delicadeza como expressou em seus textos as graves contradições que observava nos Estados Unidos”. É importante observar que Steinbeck nascido na região presenciou grande parte das angústias vividas por suas personagens, dessa forma sua ficção tem como cenário a crise da década de 1930, após a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque (1929). O capitalismo estadunidense que havia lucrado muito com as exportações para a Europa devastada pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918), não estava preparado para o momento em que a Europa voltasse a produzir por conta própria. Com a produção alçada a vôos estratosféricos, a demanda interna não foi capaz de segurar o jumbo estadunidense no ar, a queda foi rápida e brutal, fortunas se desfizeram e mesmo pessoas humildes perderam o pouco que tinham. O sonho americano virava cinzas na forma de desemprego, subemprego, rendas em declínio, falências, etc. e levava o mundo à maior crise econômica da história, como num castelo de cartas, nada ficou em pé.
            É nesse momento histórico que Steinbeck ambienta a obra “Ratos e homens”. Livro que adquiri por conta do deslumbramento anterior com “As vinhas da Ira” e também ao pensar: se o autor escreveu tal obra maravilhosa, foi galardoado com um prêmio Nobel (1962), deve ter outros títulos interessantes e, nisso não me enganei. “Ratos e homens”, publicado em 1937, é considerado um clássico estadunidense e uma obra-prima do autor. Trata-se de um livro pequeno e que pode ser lido em um único dia e, no qual uma página puxa a outra, bastante por sua linguagem simples e sua trama que transporta o leitor (tal qual uma máquina do tempo) a uma época de muito sofrimento, sem com isso dizer que os tempos atuais não o sejam para a maioria dos humanos. O livro figura como um dos mais lidos do autor juntamente com “As vinhas da Ira”. No entanto, a tradução brasileira de “Ratos e homens” foi alvo de críticas por abusar do jeito caipira (da roça) de falar.
            Na obra, George e Lennie são amigos que perambulam pelas fazendas estadunidenses a procura de trabalho. George é um sujeito baixinho, magro e muito inteligente e, Lennie é alto e forte. Lennie, apesar de grandalhão demonstra por seus atos e falas ter a idade mental de uma criança. George sabe que teria uma vida menos atribulada se vagasse sozinho em busca de trabalho, mas, sabe também que Lennie seria incapaz de sobreviver sozinho. O sonho de George é não depender de ninguém, e para isso, deseja ter seu próprio sítio e com ele sobreviver, fazendo suas plantações, criando animais e tendo uma casa confortável para passar os dias frios e chuvosos. Quando contou esse sonho a Lennie, este nunca mais parou de importuná-lo a contar repetidas vezes que quando isso acontecer ele poderá cuidar dos coelhos. George de tanto contar a Lennie seu sonho, passou a acreditar nele, apesar de todos nas fazendas onde trabalhou afirmarem que isso é ilusão, pois, mesmo sendo o sonho de todos, jamais um trabalhador pobre conseguiu realizar. Lennie é excelente no trabalho braçal, porém, sua mente imatura não é capaz de lhe dar autocontrole e nem de controlar a força descomunal que possui. Lennie vive colocando a dupla em problemas, apesar disso, George gosta de cultivar essa amizade que faz dele um pouco menos pobre, pois, afirma: no mundo há pessoas que além da pobreza material não podem desfrutar de uma verdadeira amizade. Mas, como literatura produzida por Steinbeck nunca é conto de fadas, a trama evolui para um final trágico e, o leitor sabe disso, e mesmo assim, se surpreende pela forma trágica como ocorre.

Sugestão de boa leitura:
Título: Ratos e homens.
Autor: John Steinbeck.
Editora: L&PM, 2019, 144 p.
Preço: R$19,91.

domingo, 17 de maio de 2020

Memorial do convento




               
      José Saramago já foi apresentado aos leitores deste espaço com a seguinte redação: “O escritor português José de Souza Saramago (1922-2010) é, até o momento, o único literato em língua portuguesa que teve a honra de ser galardoado com o Prêmio Nobel (1998). José Saramago consagrou-se na literatura quando já vivia a fase madura de sua vida. Filho de camponeses do Ribatejo (Portugal) exerceu diversas profissões antes de se dedicar à literatura. Foi serralheiro, desenhista, funcionário público, editor e jornalista. Dentre outras honrarias, foi ganhador do Prêmio Camões (1995). Publicou várias obras-primas da literatura mundial, merecem destaque: Memorial do Convento (1982), O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984), O Evangelho segundo Jesus Cristo (1991), Ensaio sobre a cegueira (1995), O Homem Duplicado (2002), Ensaio sobre a lucidez (2004) e As intermitências da Morte (2005). Saramago, de opiniões e falas tão fortes quanto à literatura que criou, despertou na comunidade internacional sentimentos que vão do amor ao ódio, mas, jamais a indiferença. As polêmicas em que se envolvia era o preço que pagava por ser um pensador original. Não temia nelas se envolver, considerava que a liberdade de expressão era um direito inalienável, tanto que chegou a propor que à Declaração Universal dos Direitos Humanos, deveriam ser acrescidos dois novos artigos que garantissem o direito à dissidência e à heresia”.
            Este escriba resolveu adquirir e ler a obra “Memorial do convento” por saber ser a mais apreciada e lida pelos compatriotas de Saramago. No Brasil, a obra mais reconhecida é “Ensaio sobre a cegueira” já resenhada nesta coluna. A obra é um romance que tem como fio condutor uma das mais conhecidas e trágicas histórias de amor da literatura mundial (Baltasar Sete-Sóis e Blimunda Sete-Luas). Baltasar, um ex-militar, analfabeto, que teve a desventura de perder a mão esquerda servindo o exército na guerra, ao retornar a seu país tem na sobrevivência, sua preocupação central, pois, parcialmente inválido, teria dificuldade em conseguir trabalho. Blimunda, quando em jejum, tinha a habilidade de ler a alma das pessoas. O casal se conhece num julgamento da Inquisição e passam a viver juntos, ou seja, em pecado perante Deus. O casal torna-se amigo do Padre Bartolomeu de Gusmão (personagem real, nascida e criada no Brasil) intelectual, de gênio inventivo, inclusive com patentes registradas em Portugal. O casal colabora com o Padre na criação da passarola, uma máquina de voar que em verdade trata-se de apenas de uma lenda.
 A trama fictícia se passa no período do reinado de D. João V. (1706-1750), marcado pela opulência de Portugal abastecido com o ouro brasileiro. Com tanta riqueza o monarca construiu uma série de obras faraônicas, agindo como se o abastecimento de ouro fosse infinito, porém, sabemos o ciclo durou pouco. Tais obras são reconhecidas pelos portugueses como símbolos de desperdício de recursos públicos, além disso, apesar dos cofres reais estarem abarrotados, o povo vivia na penúria. A história registra que em gratidão à gravidez de sua esposa, a rainha Josefa, o rei mandou erguer em Mafra um Convento, que desejava inaugurar em vida, e para tal, não economizou recursos financeiros e humanos, sendo que por ordem real, o projeto foi ampliado várias vezes. Cerca de cem mil pessoas trabalharam na obra megalomaníaca, e nela vários foram os acidentes que resultaram em mutilações e mortes. Saramago dá holofote a essas personagens esquecidas pela história e que levantaram o Convento de Mafra em troca da mera sobrevivência. Na obra, Saramago faz críticas ao desperdício de recursos públicos que tem no Convento de Mafra, seu maior símbolo. Critica também a Igreja que por meio da Inquisição perseguiu, julgou e condenou à morte pessoas por “heresia e bruxaria”, muitas delas intelectuais. Eu, na condição de leitor, considero a obra excelente, mas, brasileiro que sou, considero Ensaio sobre a cegueira, a minha obra preferida do autor.

Sugestão de boa leitura:

Título: Memorial do convento.
Autor: José Saramago.
Editora: Companhia das Letras, 2017, 405 p.
Preço: R$37,90.

domingo, 10 de maio de 2020

Ensina-me a viver



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         Colin Higgins (1941-1988) foi um roteirista, ator, diretor e produtor australiano-americano. Higgins ficou muito conhecido por seu primeiro romance intitulado “Ensina-me a viver”. Sua obra teve uma aceitação tamanha que em 1971 ganhou uma adaptação para o cinema. Este escriba teve contato com a obra quando adolescente por empréstimo-sugestão do livro por pessoas próximas. Ultimamente tenho adquirido livros que marcaram a minha vida no tempo em que somente podia ler por meio de empréstimos tendo em vista que comprar não era algo possível, dadas as minhas condições financeiras. Adolescente que fui, passei por grandes questionamentos sobre o mundo e a vida, nem sempre inspiradores, e nisso não mudei, digo sempre que vim ao mundo para incomodar e não se acomodar. Muitas pessoas sentem uma inadequação perante a sociedade, seus valores, suas regras, seus costumes nem sempre condizentes com a prática dos cidadãos, o que demonstra o oceano de hipocrisia em que está mergulhada a sociedade. Não por acaso, pessoas que a todo o momento discursam contra a corrupção praticam a corrupção diariamente e, sujeitos que se dizem cristãos, apesar do discurso religioso, promovem atos que nada têm a ver com os ensinamentos de Jesus Cristo.
            A inadequação perante a vida em sociedade leva muitas pessoas ao desespero, à depressão, pois, para elas nada faz sentido, e críticas, observam a falsidade que norteia as relações humanas. Faz pouco tempo que a sociedade passou a ter melhor compreensão sobre aquele que é considerado o mal do século. No entanto, ainda há quem fale que sentimentos negativos perante a vida ocorrem em pessoas de pouca fé ou porque querem ser mimadas pelas pessoas próximas. Não pretendo aqui escrever um artigo sobre depressão, que pode ter inúmeras causas psicológicas ou biológicas. Meu conhecimento acerca do tema é de quem há quinze anos a combate diariamente com medicamentos, embora ainda adolescente talvez a tivesse sem no entanto ter lhe sido  formalmente apresentada. Sempre tive um olhar crítico sobre o mundo, porém, digo: as pessoas simples, ou seja, com menor grau de reflexão sobre o mundo em que vivemos são mais felizes, pois, é impossível olhar criticamente para a realidade vivida e manter a alegria. Nesse sentido, um pouco de alienação (desde que em doses homeopáticas) é um analgésico para continuar vivendo.
Impossível contar a trama de “Ensina-me a viver” sem discorrer sobre o tema da inadequação perante a sociedade tal como constituída e no seu reflexo, a depressão que atinge parcela da população. A obra não é um livro de auto-ajuda, embora sua mensagem seja benfazeja. Trata-se da história de Harold, um rico jovem de dezenove anos obcecado pela ideia da morte. Harold sente-se pressionado por sua mãe controladora e por seu tio, um oficial do exército que deseja dar um rumo a sua vida errante levando-o para a carreira militar. Harold frequentemente vai a funerais de pessoas que não conhece e nos quais alimenta seu mórbido prazer. Encenou teatralmente sua própria morte tantas vezes que sua mãe não se impressiona mais. A mãe resolve arrumar uma noiva para Harold, mas, ele aterroriza todas as candidatas com encenações de acidentes trágicos. Apesar de poder comprar o carro que quiser, o modelo de seu carro é um rabecão, carro utilizado para funerais, inclusive na cor preta. Num desses funerais conhece Maude, uma viúva de quase oitenta anos, apaixonada pela vida, a qual desfruta loucamente, muitas vezes sem demonstrar juízo algum passando por cima de regras, valores e de toda a hipocrisia da sociedade. O convívio com Maude tem uma influência benfazeja para a vida do atormentado rapaz. Mais não posso contar sob pena de comprometer a leitura de quem assim deseja fazer. Trata-se de uma leitura leve, bem humorada e possível de ser feita em um dia. O filme também é uma ótima sugestão!

Sugestão de boa leitura:
Título: Ensina-me a viver.
Autor: Colin Higgins.
Editora: Bestbolso, 2012, 139 p.
Preço: R$22,40.