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quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

As vinhas da ira



           
John Steinbeck (Salinas, 1902 - Nova Iorque, 1968) é um grande autor estadunidense cuja literatura é marcada pelo compromisso com as questões sociais de seu país. O autor conquistou legiões de admiradores pela delicadeza como expressou em seus textos as graves contradições que observava nos Estados Unidos. O livro publicado com grande sucesso de vendas (1939) foi adaptado e lançado nas telas de cinema já no ano seguinte. O filme dirigido por John Ford e estrelado por Henry Fonda obteve cinco indicações para o Oscar. John Steinbeck recebeu o prêmio Pulitzer (1940) e o Nobel (1962). Steinbeck teve dezessete de suas obras adaptadas para o cinema.
            A obra conta a saga da família Joad e começa narrando a volta para casa de Tom Joad, um ex-presidiário que acabara de conquistar a liberdade condicional por conta de seu bom comportamento. Tom havia sido condenado por assassinato, mas, alegava ter sido em legítima defesa. Tom Joad pede carona a um caminhoneiro, que, mesmo contrariando o regulamento da empresa no qual trabalha resolve conceder. O caminhoneiro começa a lhe fazer muitas perguntas, o que lhe irrita e o leva a contar que estava saindo da cadeia e os motivos que o levaram para lá. Também conta que está indo para a casa de seus pais. O motorista lhe informa que muitas famílias naquele local para onde ele ia haviam perdido as terras para os bancos. Steinbeck descreve com grande riqueza de detalhes os locais onde a trama se desenvolve.
            Em uma estrada vicinal, o caminhoneiro pára, Tom desembarca e segue a pé rumo às terras que pertence à família a gerações. No caminho encontra Jim Casy, um pastor muito estimado pela família e por toda a localidade. Casy avisa Tom de que abandonou a missão, não é mais pastor. Dedica-se a refletir sobre a vida e que ainda não sabe que rumo a ela dará. Tom convida-o a ir junto à casa de sua família. Caminham e chegam ao anoitecer, mas, encontram a casa semidestruída e nenhum sinal de seus familiares. Tom observa que o pouco que havia de valor havia sido retirado. Em seguida encontram Muley Graves, proprietário de uma terra vizinha no local. Este conta que após alguns anos de intempéries, os proprietários não conseguiram pagar suas dívidas com os bancos e que estes os expulsaram e começaram a utilizar tratores. Informa ainda que teria sido a mando dos banqueiros que a casa dos Joad teria sido destruída para que se retirassem. Graves avisa Tom que seus familiares estão na casa do seu tio John. A fogueira acesa denuncia a presença deles nas terras e a chegada de seguranças os obriga a se esconderem.
            Quando no dia seguinte eles chegam à casa de Tio John, os familiares estão nos preparativos finais para a migração para a Califórnia. Haviam recebido folhetos de que a Califórnia era o paraíso para os migrantes em busca de empregos nas fazendas. A história narra a viagem em cima de um caminhão pela lendária rota 66, os perigos da estrada e também a solidariedade entre os viajantes durante a peregrinação à terra sagrada. No caminho morre o avô, enterrado no deserto por falta de dinheiro para o funeral e as devidas formalidades. Na jornada encontram milhares de viajantes com destino à Califórnia e que também haviam perdido as terras para os bancos. Encontram também quem estava voltando e os alertava de que a Califórnia não era aquilo que os folhetos diziam e que a população local odiava os migrantes. Não levaram a sério os avisos, e, se não fosse à Califórnia, não teriam para onde ir. Tinham que cumprir sua jornada. Ao chegar à Califórnia, morre a avó, enterrada como indigente, por falta de dinheiro para o funeral. Nos acampamentos, muita insegurança, violência, fome e desemprego. A imensa quantidade de migrantes atraída propositalmente pelos fazendeiros derruba o valor da hora de trabalho a preços que tornam quase impossível a sobrevivência. No final, a família que perdeu integrantes pela morte ou pela deserção, perde o pouco que ainda possuía com as inundações e sem perspectivas de melhorias, ajuda um pai e seu filho em situação precária com o que ainda restava num final surreal e duramente criticado pelo público conservador dos Estados Unidos. Apesar de sua genialidade incontestável traduzida em grandes honrarias, o autor e a obra foram muito criticados nos Estados Unidos justamente pela crítica social nela presente. Abrir os olhos de outras pessoas para as injustiças sociais, ontem como hoje continua a constituir crime.

Sugestão de boa leitura: 
                   
As vinhas da ira – John Steinbeck – Capa comum: R$57,90 – edição de bolso: R$ 27,10.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Um país inteiro para as excelências e as mordomias - parte 2



           O salário mínimo conforme estabelecido na Constituição Federal (1988) deve atender as necessidades do trabalhador e de sua família (quatro pessoas) nos quesitos: vestuário, higiene, lazer, saúde, alimentação, moradia, transporte e previdência social. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) para atender o artigo constitucional o salário mínimo deveria ser de R$ 3960,57. Sendo mais uma lei bem intencionada, mas, que igual a outras tantas não pegou, pois não é cumprida. A partir de 1º de janeiro de 2019, o salário mínimo fixado por decreto por Bolsonaro passou a ser de R$ 998,00, embora estivesse estabelecido no orçamento deixado por Temer de que ele poderia ser de R$ 1006,00. É verdade que nos dois anos anteriores, no governo Temer houve uma ruptura da política de reajuste com ganhos reais dos governos Lula e Dilma e por isso não houve reajustes reais (acima da inflação) e que o reajuste atual oferece um ganho real de 1,14%. No entanto, como estava previsto no orçamento o valor de R$ 1006,00 reduzi-lo para R$ 998,00 é uma crueldade com grande parcela da classe trabalhadora e aposentada que recebem isso ou pouco mais.
            A crueldade se torna ainda maior quando lembramos que o Brasil é um país cujas mordomias e altos salários pagos ao alto escalão dos Três Poderes não têm comparação com nenhum outro país do mundo. Somos o oposto da Suécia (ver matéria de 2016 com esse mesmo título no blog A Vista de Meu Ponto!) descrito pela jornalista Claudia Wallin em seu livro “Um país sem excelências e mordomias” em que discorre sobre o grau de civilidade da Suécia que não chegou aos altos escalões dos Três Poderes brasileiros. Nestas terras, os magistrados recebem os mais altos salários dentre seus colegas de profissão do mundo todo. Nosso judiciário é mais caro do que o estadunidense, mesmo sendo o Brasil uma economia muito menor e a qualidade do serviço prestado ser ainda pior. Como se não bastassem os salários nababescos de magistrados, parlamentares e membros do primeiro escalão do Poder Executivo. Aos salários se somam vários penduricalhos tidos como auxílios para turbinar ainda mais os rendimentos de vossas excelências, dentre eles o imoral auxílio-moradia (R$ 4300,00), vejam que não estou questionando a legalidade ou não deste, mas, sua imoralidade tendo em vista que 92% da população não recebe como salário, o que magistrados recebem como auxílio. Embora se fale muito dos magistrados é importante lembrar que parlamentares e membros dos altos escalões do Poder Executivo possuem regalias semelhantes.
            Não podemos esquecer-nos dos militares, há regalias concedidas a uma parcela privilegiada destes que beira o grotesco. Um caso é a pensão das filhas de militares que não se casaram legalmente para continuar a receber tais pensões e que segundo o Jornal O Globo custa ao país cinco bilhões de reais. Segundo a Pública -Agência de Jornalismo Investigativo, dentre os salários recebidos pelos militares, há centenas de casos de supersalários que ultrapassam o teto constitucional de R$39700,00. O país vive um momento em que muito se fala de fazer a reforma da Previdência, e neste caso, mais uma vez se observa que a tendência é a manutenção dos privilégios. Magistrados, parlamentares e militares lutam corporativamente para ficar fora da reforma previdenciária e assim manter seus privilégios. Somos sabedores que a CPI que apurou os dados da Previdência constatou que ela não é deficitária como se costuma afirmar devido a interesses financeiros envolvidos por parte de grupos econômicos. No entanto, entendo que jamais se conseguirá extirpar a corrupção deste país enquanto ela estiver legalizada e generalizada na forma de mordomias para os altos escalões dos Três Poderes e continuarmos a tratar os sabotadores do desenvolvimento nacional como excelências. Penso que o teto constitucional salarial deve ser respeitado e que manobras para turbiná-lo devem ser proibidas, e que se as pessoas desejam enriquecer que busquem a iniciativa privada!

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

As armas que faltam ao povo brasileiro



            O jornal O Estado de São Paulo veiculou artigo de Jamil Chade em que a alta comissária para Direitos Humanos da ONU Michelle Bachelet cita o Brasil como exemplo de eleição afetada pela desinformação¹. A reportagem trata de temas já analisados e publicados nesta coluna em novembro de 2018 sob os títulos: “As Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes” e “Guerra híbrida no Brasil” e que podem ser acessados no site do jornal Correio do Povo do Paraná ou no blog A Vista de Meu Ponto! Trata-se da monitoração, coleta de dados, análise de perfil para intervenções pontuais e específicas por meio de robôs na disseminação de fake news. Na época da campanha eleitoral, o autor destas linhas chegou a ser incluído em um grupo de Whatsapp de apoio a candidatura Bolsonaro, no qual constava como integrante o nome de Flavio Bolsonaro. Pensei a princípio tratar-se de uma brincadeira de mau gosto de algum desafeto tendo em vista ter sido sempre ferrenho opositor a ponto de julgar que até mesmo um tucano no poder seria melhor para a nação do que o Capitão. Tão rapidamente quanto fui incluído (não sem antes olhar os integrantes) saí do grupo. O que talvez foi um erro, deveria ter ficado para observar o teor das postagens. Após reflexão por ocasião da leitura do livro de Andrew Korybko e as posteriores denúncias veiculadas pelo Jornal Folha de São Paulo, cheguei à conclusão que existe a possibilidade de ter sido incluído no grupo por um robô, devido a inúmeras postagens minhas no Facebook nas quais dirigi críticas a Bolsonaro. Essa linha de raciocínio pode ser corroborada pelo fato de que a inteligência artificial evoluiu muito, mas, não é infalível.
            O fenômeno ocorrido nas eleições brasileiras não é inédito sendo por isso motivo de preocupação mundial. Ocorreu nas eleições presidenciais estadunidenses, no referendo sobre o Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia) e no Quênia. A eleição brasileira foi acompanhada de perto por estudiosos, pois a própria democracia se encontra em risco com a disseminação de fake news visando desinformar a população, e por meio da coleta de informações e análise do perfil dos internautas, se faz a manipulação com o objetivo de estimular comportamentos desejados. Michelle Bachelet questionou: “nesse contexto, existe alguma dúvida de que nossa liberdade para pensar, acreditar, expressar ideias e fazer nossas escolhas e viver como queremos está sob ameaça?” e assegurou: “se nossos pensamentos, ideias e nossas relações podem ser previstas por instrumentos digitais, e mesmo alterado pela ação de programas digitais, então isso representa uma questão desafiadora e fundamental sobre nosso futuro”. Na reportagem, Bachelet afirma ainda: “um dos desafios será regular o mundo digital, além de trabalhar ao lado de engenheiros e ativistas de direitos humanos para que essa esfera possa ser um local de proteção dos direitos humanos”
Na qualidade de professor, palestrante, sindicalista, articulista, blogueiro e escritor (citei estas atividades apenas para explicar a origem da minha análise), digo que as armas que o povo brasileiro precisa não são aquelas defendidas pelo presidente eleito. As armas que o povo brasileiro precisa nestes tristes tempos de fake news são de três “calibres”, a saber: 1. Interpretação de texto; 2. Espírito crítico; 3. Consciência de classe. Uma pessoa que não tenha desenvolvido bem essas três armas pode ser considerada um analfabeto político como enunciado por Bertolt Brecht. Interpretação de texto para entender o que está escrito e o que está nas entrelinhas, pois a política é a arte do ilusionismo. Sua atenção é chamada para algo enquanto a “mágica” ocorre no local onde você não olha. Espírito crítico para procurar outras fontes de informação sabendo que a ideologia está em todos os discursos, principalmente dos que se dizem apolíticos ou imparciais (os mais perigosos). Também é importante dar espaço ao contraditório, ou seja, ouvir ou ler quem pensa diferente. Num grupo onde todos pensam iguais não é o melhor ambiente para o crescimento intelectual. Consciência de classe, pois, se é perfeitamente compreensível que a elite financeira do país tenha determinada ideologia a qual sustenta uma determinada visão de sociedade e de relações humanas intrínsecas, é fundamental entender como esta ideologia lhe afeta para saber se posicionar. E para isso é necessário compreender o papel que nela lhe é reservado. Quem você é dentro desta ordem estabelecida pela classe dominante? Patrão ou trabalhador? Rico ou pobre? Homem ou mulher? Heterossexual ou homossexual? Branco ou negro? Nativo ou imigrante? Etc. A perícia na utilização das três armas somente é adquirida com a leitura e a reflexão. “Aos livros, cidadãos”!


sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Retroexpectativa 2019



            Nesse momento em que escrevo (o último dia do ano de 2018), é costume de muitos canais de TV exibir retrospectivas do ano que finda. Nesses programas, os principais fatos do ano são relembrados num formato resumido para dar conta de tal tarefa hercúlea em tempo exíguo. A palavra retroexpectativa que dá origem a este título não existe na língua portuguesa na forma como foi grafada e nem mesmo constitui erro ortográfico, pois, foi assim escrita de forma intencional.  Também considero importante o fato de que quando este artigo for publicado a passagem de ano e da faixa presidencial já terá ocorrido. Ninguém poderá dizer que joguei sombras sobre o momento festivo, até porque as sombras acompanham o presidente eleito desde seu passado nebuloso quando ainda era um militar, ocasião em que, segundo a Revista Veja, cogitou fazer atentados a bomba em quartéis do exército e em alguns pontos do Rio de Janeiro no intuito de pressionar o alto comando devido aos baixos soldos. Veja apresentou croquis do plano feitos por Bolsonaro de próprio punho, mas, o Ministro do Exército disse ser uma farsa de Veja e que confiava nos seus subordinados. Bolsonaro entrou para a reserva remunerada aos 33 anos de idade, mais um dos privilégios dados aos militares, e agora deseja que você trabalhador se aposente apenas aos 65 anos de idade (muita gente morre antes dessa idade).
            O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em resposta à imprensa estrangeira disse “não saber muito sobre Bolsonaro e nem sobre o que ele vai fazer, e que talvez nem ele mesmo saiba”. Também disse que “Bolsonaro vai prejudicar a imagem do Brasil no exterior”. O despreparo de Bolsonaro e de sua equipe é flagrante. O presidente eleito nunca foi considerado uma pessoa culta. Sua ignorância a respeito de temas mundiais, e, nacionais, é imensa. O mote do combate à corrupção foi importante na sua eleição, porém, eleito, pipocam escândalos de corrupção de integrantes de sua equipe e de familiares. Bolsonaro é considerado um Collor piorado. Collor foi eleito em 1989 com a alegação de que seria caçador de marajás, e a história, você leitor conhece bem. Nos tempos atuais, em que o ódio ao PT cegou até mesmo a mente de muitos, não faltaram opositores de Lula e do PT que grafaram Lula à moda de Collor (Lulla) em verde e amarelo para atribuir à Lula os adjetivos pejorativos correspondentes ao candidato em que um dia votaram e isso denota sua hipocrisia.
            Há bolsonaristas que afirmam agora haver uma luz no fim do túnel. Temo que a luz no fim do túnel seja a do trem da história que avança contra nós, pois estamos retrocedendo. A velha mídia tentou passar a imagem de que Bolsonaro é um político de direita. Não colou! Os grandes jornais europeus estupefatos mostram em suas manchetes a triste guinada do Brasil à extrema-direita. O mesmo espectro da política que um dia foi de Hitler (Alemanha Nazista), de Mussolini (Itália) e de Franco na Espanha. Sua equipe de governo está recheada de militares, algo típico de uma república bananeira. Penso que os militares deveriam cumprir seu papel constitucional (longe da política). Condeno a ditadura civil-militar (1964-1985) pelos crimes cometidos, mas, penso que à exceção disso os atuais militares são ainda piores, pois sequer condenaram a entrega da Embraer à Boeing, apesar do imenso prejuízo estratégico para a ciência, a tecnologia e a defesa nacional. Os atuais militares são entreguistas e lhes falta inteligência geopolítica, pois, não possuem um General Golbery do Couto e Silva. Bolsonaro sinaliza submissão total aos EUA, os militares da geração passada eram aliados do país ianque, mas, sabiam que tal país tinha grande interesse em sobrepujar a soberania nacional e a defendiam, pois não eram cegos aos interesses estadunidenses.
            A sinalização que a equipe de Bolsonaro faz sobre política externa denota grande amadorismo e ignorância. A se manter nesse rumo, o país perderá aliados que contribuem positivamente para a balança comercial brasileira ao se aliar ideologicamente aos Estados Unidos de Trump cujo lema é “América primeiro” e a Israel de Netanyahu, países com os quais o Brasil tem balança comercial deficitária. Não digo que o governo Bolsonaro será de todo ruim, pois sabemos que a história é feita de vencedores e perdedores na eterna luta de classes entre burgueses e proletários. A eleição de Bolsonaro é uma vitória da grande burguesia nacional e internacional, mas, é transitória, embora nem por isso seja fugaz.  Em momentos de grave crise, a população sempre busca saídas autoritárias e só há um momento em que se torna possível vencer o discurso fascista enquanto desejo represado de grande parcela da população que é após sua instalação. Será doloroso para a classe trabalhadora, para os pobres, para o meio ambiente, para a soberania nacional, mas, será pedagógico para muitos!