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quinta-feira, 18 de julho de 2019

Quem pagou a conta? A CIA na Guerra Fria da cultura



           
Tão logo foi lançado, o livro “Quem pagou a conta? A CIA na Guerra Fria da cultura” de Frances Stonor Saunders, este se tornou uma sensação nos círculos acadêmicos e políticos dos Estados Unidos da América. No ano de seu lançamento nos EUA (1999), o Brasil se encontrava no início do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (FHC), após a flexibilização do câmbio, medida adotada mediante a nova quebra financeira do país que uma vez mais recorria ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Os adversários o criticavam por sua manobra eleitoreira de esconder a desvalorização do real frente ao dólar (não sem que alguns privilegiados soubessem) adotada logo após as eleições, sempre tendo o auxilio do onipresente FMI, visando sua permanência no Palácio do Planalto.
            O livro chegou às livrarias brasileiras já no segundo mandato de Luís Inácio Lula da Silva (2008) e mostrou a que veio ao causar o mesmo frisson, num período em que as comparações entre os governos de FHC (1995-2002) e o de Lula (2003-2010) se tornaram inevitáveis. Os críticos ao governo de FHC formados em sua maioria pela esquerda e centro-esquerda eram muitos, também muitos eram os seus defensores. FHC em seu governo levou a cabo um dos maiores programas de privatizações do mundo. E privatizar ou não já é algo que divide opiniões, pois, está no cerne das discussões ideológicas sobre o papel do Estado. Afinal, o Estado deve ser mínimo e estar a serviço da iniciativa privada ou prestar serviços básicos à população mantendo empresas estatais em setores estratégicos e fomentar o desenvolvimento socioeconômico nacional? Pior ainda quando além dos preços baixíssimos alcançados nos leilões das estatais, grande parte das privatizações se fez com empréstimos subsidiados (de “pai para filho”) do BNDES ou em troca de “moedas podres” (títulos públicos desvalorizados), ficando essas privatizações conhecidas como privataria (privatização+pirataria). O sucesso no campo socioeconômico do governo Lula em oposição aos resultados pífios do governo FHC não era suficiente para a centro-esquerda. Era necessário mostrar aos simpatizantes do “príncipe dos sociólogos” ou “príncipe da privataria” quem era FHC e a serviço de quem ele estava. Algo que já estava evidente desde 1997, por ocasião do lançamento do livro “Fernando Henrique Cardoso, o Brasil do possível” da jornalista francesa Brigitte Hersant Leoni. À página 154 da obra, traz à luz as relações de financiamento do CEBRAP de FHC em 1969 pela Fundação Ford (que Saunders revela ser testa-de-ferro da CIA) que pode ter chegado à ordem de um milhão de dólares.
            A autora do livro, Frances Stonor Saunders (1966), é uma jornalista e historiadora britânica, formada pela Universidade de Oxford (1987) que trabalhou como cineasta televisiva produzindo vários documentários. O livro de Saunders é um calhamaço de 556 páginas em que a autora discorre sobre os resultados de sua extensa e detalhada pesquisa. Na obra, a autora mostra que a CIA, por meio de fundações de fachada e outras aliadas não faziam apenas o papel de um suposto Ministério da Cultura do país ianque patrocinando artistas e intelectuais, pois, havia intencionalidades, e estas eram fazer a publicidade anticomunista e pró-estadunidense, sem, no entanto, parecer publicidade dirigida pela CIA a serviço dos Estados Unidos da América. Dessa forma, orquestras sinfônicas e exposições de artistas plásticos estadunidenses foram enviadas em excursões pela Europa principalmente nos anos 1950/60 para divulgar o país, o capitalismo e a democracia liberal buscando eliminar a ideia dos europeus de que os estadunidenses são culturalmente insignificantes.
A CIA patrocinou, e até mesmo criou revistas em vários países europeus, que, para manter as aparências, vez ou outra dirigiam algumas críticas “permitidas” aos Estados Unidos da América. Grande parte das pessoas que trabalhavam nestas revistas não sabiam dos recursos da CIA que mantinham tais publicações cujo foco era condenar o autoritarismo, principalmente o do modelo soviético. Porém, a autora mostra que tal como os intelectuais de esquerda (não comunistas) gostavam de receber os recursos que serviam para a publicação de livros (com diretrizes pré-estabelecidas) e a realização de palestras pelo mundo, ingênuos seriam aqueles que não desconfiassem da fonte dos recursos que recebiam. A CIA, embora priorizasse a Europa, não se esqueceu da América Latina (vide FHC). E se utilizou até das religiões para estabelecer o caráter do comunismo como contrário aos preceitos divinos. Hollywood foi procurada pela CIA e estabeleceu uma longeva parceria com importantes diretores de cinema, os quais adequaram seus filmes para levar ao público da telona uma mensagem anticomunista e pró-estadunidense.
Encerro, citando Henri Poincaré (1854-1912), quando disse: “duvidar de tudo ou acreditar em tudo. São atitudes igualmente cômodas, pois nos dispensam do ato de refletir”. Afinal, nem tudo é teoria da conspiração!

Sugestão de Boa Leitura:

Título: Quem pagou a conta? A CIA na Guerra Fria da Cultura.

Autora: Frances Stonor Saunders.

Editora: Record.

Preço: R$ 144,00

quarta-feira, 10 de julho de 2019

A estranha forma de dialogar do governador Ratinho Jr.




                Há alguns dias o governador Ratinho Jr. disse em voz firme à imprensa que não negociava com funcionários públicos em greve. E isto deve fazer sentido para Ratinho Jr. que certamente espera conquistar simpatia da população com sua atitude firme para com os grevistas. Esquece-se o governador que mesmo nestes tempos obscuros pelos quais passa o país, nem toda a sociedade é formada por pessoas nostálgicas de governos autoritários, pois, também há no seio da sociedade uma parcela de pessoas esclarecidas e que sempre formam fila entre os defensores da democracia. Ratinho Jr. que fez parte do famigerado governo Beto Richa (PSDB) apontado como sendo a pior administração que o Paraná já teve, ao se candidatar (inclusive, afirmou ser uma pessoa do diálogo), obviamente, conhecia de antemão os problemas que herdaria ao assumi-lo. Tanto é assim que quando candidato, Ratinho Jr. cobrou da governadora Cida Borghetti (que sucedeu Beto Richa) que fizesse uma proposta de reposição salarial aos funcionários que segundo ele já haviam dado grande contribuição ao ajuste fiscal do Estado. Os funcionários públicos do Poder Executivo estão a quase quatro anos sem os reajustes da data-base. Nesse período, a defasagem salarial atingiu mais de 17% o que segundo o economista Cid Cordeiro Do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) equivale a 2,27 meses de trabalho sem contrapartida salarial, ou seja, como se o funcionário público trabalhasse doze meses, porém, recebesse por dez meses. Os reajustes da gasolina no período somam 15,04%, do gás de cozinha 22,42%, da energia elétrica 21,84%, do pedágio 21,95%, da água e esgoto 30,71%. É importante lembrar que nesse período (os últimos quatro anos) os servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário tiveram regularmente a reposição salarial, algo que somente não ocorreu com os servidores do Poder Executivo. Nesse mesmo período, os salários de magistrados e deputados paranaenses tiveram reposições inclusive acima da inflação do período. No caso do salário dos deputados estaduais, este subiu 47%.
            É importante lembrar que ao falar de funcionários públicos, muita gente tem a ideia de que se trata de pessoas com salários nababescos e regalias infindáveis. Isto pode valer para o alto escalão, mas, não para a maior parte do funcionalismo público. Nele há trabalhadoras como as funcionárias de escola (agente 1) que se dedicam a fazer a limpeza ou a merenda dos alunos que sequer estão recebendo o salário mínimo regional que o Estado estabelece como o mínimo que a iniciativa privada pode pagar aos seus funcionários, mas, que, no entanto ele mesmo não cumpre. Na semana passada, Ratinho Jr. sem receber as lideranças do Fórum das Entidades Sindicais (FES), algo que jamais ocorreu na história do Paraná, divulgou uma proposta que logo saiu nas manchetes de jornais como uma demonstração de boa vontade do governo concedendo 5,09% de reposição aos grevista que segundo ele compunham 4% do funcionalismo. Num país em que as pessoas apenas lêem as manchetes, faz todo o sentido, pois, ao ler as matérias veiculadas, o leitor veria que o governo está concedendo reajuste de míseros 0,5% para o ano de 2019 (a partir de outubro), o que para a merendeira da escola resultaria na reposição de apenas R$5,00 nos seus vencimentos e R$14,00 aos vencimentos do soldado (PM).  A proposta estabelecia ainda 1,5% de reajuste em 2020 e o mesmo percentual para 2021 e 2022, isso, caso o aumento da Receita Corrente Líquida superasse 6,5%, algo que alguns deputados consideraram não ser possível. O governador ainda exige uma contrapartida por parte dos funcionários públicos que devem aceitar a perda de direitos estabelecidos nos planos de carreira tais como as licenças-prêmio.
            É importante lembrar que as perdas do funcionalismo público chegam ao montante de 17%, porém, o FES está solicitando a reposição apenas da inflação do último ano (4,94%), pois, sabe que o Estado não reúne condições para pagar toda a dívida que acumula com o funcionalismo. Apesar disso, um vereador de Laranjeiras do Sul lembrou que desde 2015 o Estado do Paraná tem realizado um extenso programa de dotação de infraestrutura no Estado todo (399 municípios) demonstrando não haver falta de recursos. No entanto, segundo ele o Estado prioriza setores e descumpre com outras de suas obrigações como a reposição da data-base. Isso é verdadeiro, pois, a Constituição Federal (1988) e a legislação trabalhista estabelecem como direito de todo o trabalhador a reposição da inflação. Mas, há outra questão que tira o sono do funcionalismo público. Trata-se do PLC 04/2019 que se encontra na Assembléia Legislativa do Paraná (ALEP). O referido projeto de lei de autoria do Poder Executivo estabelece o congelamento do plano de carreira do funcionalismo estadual. Dessa forma, ficam congeladas por vinte anos as progressões, promoções e quinquênios e também a data-base. Dessa forma, os avanços na carreira deixam de ocorrer conforme os critérios do Plano de Carreira e passam a ocorrer apenas quando autorizados por decreto do governador mediante critérios de evolução das finanças do estado praticamente inalcançáveis, pois, o Estado deseja priorizar recursos para obras esquecendo que o funcionalismo público presta serviços em áreas consideradas essenciais para a população como saúde, segurança pública, educação, etc. A quem interessa a precarização de tais setores? Certamente à classe empresarial que luta pela criação do “Estado Mínimo” e que possui representantes no governo Ratinho Jr que vê a oferta de tais serviços não como direitos básicos, mas, como mercadorias, ou seja, como fonte geradora de riqueza a ser embolsada. A Constituição Federal (1988) estabelece tais serviços como direitos básicos da população e cidadania não se negocia.

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Falácias de Moro



           
Publicar um livro demonstrando as fragilidades e interpretações equivocadas da tese processual em que o então juiz “pop star” Sergio Moro condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é hoje algo que não causa surpresa alguma tendo em vista as revelações trazidas à luz pelo brilhante jornalista Glenn Greenwald do site The Intercept e conhecidas como “Vaza-Jato” as quais colocam em cheque a credibilidade do juiz. No entanto, fazer isso quando o juiz citado vivia o auge da fama nacional e internacional, no momento em que recebia prêmios e honrarias pelo Brasil adentro e afora é sinal de grande autoconfiança em seu trabalho e de nenhum receio de contestar os populares que muitas vezes sequer pensam, pois, são pensados por uma grande mídia venal que dita o que é ou não verdadeiro, mesmo sem ter grande apego à verdade. Euclides André Mance (1963) natural de Mogi das Cruzes (SP) graduou-se em filosofia pela Universidade Federal do Paraná (1987), é pós-graduado em Antropologia Filosófica (UFPR) e Mestre em Educação. Lecionou as disciplinas de Introdução à Filosofia; Filosofia na América Latina; Filosofia do Método Científico; Lógica e Filosofia da Libertação para turmas de diversos cursos da UFPR na década de 1990. Mance atuou como consultor da UNESCO e da FAO relacionado ao Desenvolvimento Sustentável. É autor de vários livros (traduzidos em vários idiomas) e tem se destacado na organização de redes colaborativas, particularmente no campo da economia solidária. Seu livro mais recente, originalmente em italiano, intitula-se “Circuiti Economici Solidali – Economia Solidale de Liberazione (Pioda, Roma, 2017, pp.217).
Na obra Falácias de Moro, o autor registra na epígrafe a seguinte citação: “Todas as pessoas têm direito a um julgamento justo” e em seguida citando a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU): “Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado (art.9)”; “Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida. (art.10)”; “Toda a pessoa acusada de um ato delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas. (art.11)”; “Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei. (art.12)”.
Na primeira parte do livro o autor discorre sobre as falácias de Moro, sendo elas: Falácia do apelo à crença comum; da circularidade; non sequitur; do apelo à presciência; dos argumentos ad hominem; do apelo à crença; do apelo à possibilidade; da equivocação; da inversão do ônus da prova. Segundo o autor: “falácia pode ser definida como erro de raciocínio, como argumento sem consistência lógica, que não tem, pois, validade para sustentar a conclusão afirmada. Uma falácia leva a tomar o falso por verdadeiro. Quando cometida de forma involuntária, chama-se paralogismo e quando realizada de forma proposital, visando confundir o interlocutor, chama-se sofisma”. Na segunda parte o autor analisa a articulação geral das falácias analisadas no conjunto da sentença. As considerações finais surpreendem, pois ocupam apenas uma página. Certamente o autor demonstrou por meio dela aquilo que é sabido nos meios jurídicos: as grandes sentenças condenatórias são aquelas enxutas e breves, pois demonstram a culpa do réu sem precisar fazer divagações e malabarismo jurídicos para comprová-la. Como sabemos a sentença condenatória do processo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é gigantesca comprovando a máxima de que quantidade de folhas na sentença é inversamente proporcional à qualidade. Quanto à sentença condenatória de Lula, um grande número de juristas nacionais e estrangeiros a contestam apresentando suas inconsistências e equívocos afirmando que ela deveria ser anulada. No que concerne à leitura do livro em questão, é agradável e acessível, tanto do ponto de vista do entendimento quanto da obtenção, pois, o arquivo PDF pode até ser baixado gratuitamente do site do autor na Internet. 

Sugestão de boa leitura:

Falácias de Moro: Análise Lógica da Sentença Condenatória de Luiz Inácio Lula da Silva Processo n.º 5046512-94.2016.4.04.7000.

Autor: Euclides André Mance. 

Editora: IFIBE, Passo Fundo (RS), 2017, 276 p. 

*Arquivo PDF disponível em: www.solidarius.com.br/mance.