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domingo, 22 de outubro de 2023

Resenhar é viver - Parte III

 

Rosinha Futebol Clube

 

            Quando piás, eu e meus amigos (com os quais compartilhava a "fome de bola") resolvemos montar um time de futebol. Juntamos dinheiro contado (éramos muito pobres) para comprar as camisas. Nas lojas da cidade só encontramos camisas brancas em número suficiente, ocorre que times com camisas brancas era o que mais havia, o que se constituía um problema. Um de nossos amigos veio com a solução, havia falado com a mãe sobre o problema e ela sugeriu comprar as camisas brancas e tingi-las. Resolvido o problema, compramos as camisas e as entregamos para a mãe de nosso amigo que se prontificou em fazer o tingimento destas. Entregamos também dinheiro para que comprasse as tintas para tingimento e pedimos a ela que escolhesse uma "cor bem bonita". Dias depois fomos buscar as camisas, ocasião em que alguns caíram na risada, outros por sua vez, ficaram muito bravos. A prestativa mãe escolheu a cor mais bonita dentre as tintas que havia e, em seu ver esta era a cor de rosa. Como a febre por jogar futebol era grande, vestimos as camisas e ficamos muito populares, nem tanto por nosso talento nas quatro linhas, mas, pelo nosso belíssimo uniforme, o que nos rendeu o apelido de Rosinha Futebol Clube! Até hoje rio dessa passagem!

 

O sermão que ouvi na sala do diretor

 

            Cursei o Ensino de 2º Grau (atual Ensino Médio) no Colégio Estadual Gildo Aloísio Schuck em Laranjeiras do Sul. Trabalhava em uma loja de peças automotivas durante o dia e frequentava o curso Técnico em Contabilidade à noite. Era estudioso, porém muito quieto. Evitava me pronunciar na sala de aula, mesmo quando sabia as respostas aos questionamentos que os professores dirigiam à turma. Em certa ocasião, alguns colegas no lado direito da sala conversavam, eu sempre me postei à esquerda, na política, inclusive (risos). A professora explicava a matéria e interagia com algumas colegas que sentavam nas carteiras próximas à mesa dela. Eu mantinha-me quieto, prestava atenção à aula, mas também observava a algazarra dos colegas.

            Um dos colegas que participavam da algazarra, resolveu interessar-se pela aula e perguntou à mestra algo que não havia entendido. A professora respondeu que não ia explicar novamente, pois ele  não estava prestando atenção na aula, uma vez que estava no grupo da bagunça. O colega levantou da carteira e, em voz ríspida, disse que ela tinha a obrigação de explicar novamente, pois era paga para isso e, ele como aluno, tinha o direito de ter sua dúvida sanada. A mestra saiu da sala chorando e  não voltou à sala. Alguns minutos depois, o inspetor de alunos me chamou pelo nome e sobrenome. Como naqueles dias, minha mãe andava doente, temi por alguma notícia ruim.

            Perguntei de que se tratava, o inspetor disse que o diretor queria falar comigo. Minha angústia aumentou e, só pensava em minha mãe. Entrei na sala do diretor (não o conhecia pessoalmente), ele tinha sido nomeado interventor no colégio pela Secretaria Estadual de Educação e veio de Curitiba com a missão de colocar ordem no colégio. Problemas muito graves haviam ocorrido naquele tempo. Pedi licença e ele mandou-me sentar. Perguntei do que se tratava e ele disse: "cala a boca e espera" enquanto escrevia algo em um livro-ata (livro negro). Como ele não falou nada de pronto, imaginei que nada tinha a ver com minha mãe, questionei-o novamente sobre o que se tratava e ele disse: "cala a boca e espera eu terminar aqui".

            Passados alguns minutos, ele começou a falar: "então você é o Osnélio Vailati, que é apenas aluno e pensa que é professor...", eu tentei argumentar e ele disse: Cala a boca e escuta! Ouvi incontáveis minutos de sermão (em tom ríspido), não sei dizer quantos, mas, para mim, pareceu meia hora. Até que ele disse: "agora assina aqui, está suspenso por três dias". Foi quando pude falar: "Mas, não fui eu...", e ele perguntou: "você não é Osnélio Vailati?" Respondi: "Sou! Mas não fui eu...foi um colega"! Quem foi? Respondi que não ia contar, mas, que poderia trazer a professora para confirmar que não era eu. O diretor mandou chamar a professora, ela chegou à sala da direção e disse: Nãããooo! Não é eleeeee! O diretor (visivelmente irritado) me liberou (sem pedir desculpas) enquanto eu voltava para a sala todo molhado (da mijada homérica e indevida que recebi), encontrei a professora, o inspetor de alunos e o colega que certamente ouviria o sermão que ele já havia ensaiado comigo.

            Na aula seguinte, a professora me pediu desculpas, o diretor jamais! À época, fiquei chateado! Paguei por um crime que não cometi! Superado o trauma, conto rindo para as pessoas que se o livro-ata não foi extraviado ou incinerado, deve ter uma ata não assinada contra mim, provavelmente com a afirmação: "Nula" ou "Sem efeito"!


sábado, 7 de outubro de 2023

Resenhar é viver - Parte II

 

Piá do Diabo!

 

            Em minha infância, grande parte das ruas de Laranjeiras do Sul, eram ainda sem pavimentação, isso não era nenhum impedimento para as nossas peripécias em carrinhos de rolimã. Um problema era o travamento dos rolamentos que se enchiam de terra. Visando solucionar tal problema, construíamos em nossos carrinho um compartimento atrás do assento para levar um litro de água, com o qual destravávamos os mesmos. Naquela época, não havia tanto automóveis como hoje e, ficávamos nas ruas praticamente o tempo todo em que não estávamos na escola. Isso me leva a pensar que naquela época não havia tantos perigos ou os nossos pais eram mais despreocupados que os atuais.

            Um amigo era filho de um torneiro mecânico muito conhecido na sociedade laranjeirense. Seu pai resolveu fazer um carrinho para ele, o que fez com grande esmero. Fez o carrinho com chassi de barras de metal e pneus maciços de carrinho de mão, aqueles utilizados pelos pedreiros. Colocou nele um banco de plástico rígido, um volante esportivo de carro e pintou toda a estrutura do carrinho. O carrinho não contava com um sistema de freios, dessa forma colocávamos nossos pés (devidamente calçados) com Congas ou Kichutes nos pneus dianteiros para reduzir a velocidade. O carrinho saiu com um erro de projeto, pois, ao esterçar para a direita, o carrinho ia para a esquerda e vice-versa. O carrinho também ficou um tanto pesado, ao menos, para a idade em que estávamos. Escolhíamos ruas bastante íngremes para brincar, mas, havia um problema, descer em grande velocidade era prazeroso, mas carregar o carrinho até o alto da rua era um sacrifício. 

            Combinamos que quem iria descer, levava o carrinho até em cima. Uma vez na parte mais alta da rua, olho, nenhum carro, nenhuma pessoa e solto o carrinho que pega cada vez mais velocidade. Quando chego no terço final do trajeto, eis que cinco mulheres que suponho, eram evangélicas, pois, estavam todas de saias, cabelos compridos e carregando bíblias, saíram da rua lateral e entraram na rua em que eu descia à grande velocidade. Elas ocupavam praticamente a rua toda, deixando um pequeno espaço do lado esquerdo. Foi tudo tão rápido, que nem pensei em tentar frear com os pés, acho que nem conseguiria. Eu era menino, mas, já era dotado do reflexo de um futuro campeão das pistas de fórmula 1, e, como tal,  estercei com toda a rapidez o volante para o lado esquerdo da rua (que estava livre) esquecendo-me que devia fazer o inverso. A manobra me levou para cima das senhoras e, só não foi strike porque elas pularam em meio aos gritos. Eu, após passar por elas  consertei a direção, trazendo o carrinho de volta para o centro da rua, ao mesmo tempo em que ouvi impropérios contra mim. Dentre outros xingamentos, ouvi um com voz tonitruante"Piá do Diabo".  Penso que com os xingamentos, foi para elas de pouca valia o culto!

P.S. O pai do meu amigo, após tomar conhecimento do incidente, recolheu o carrinho (no mesmo dia) e, somente permitiu que brincássemos com ele, após fazer a correção do problema!

 

domingo, 1 de outubro de 2023

Resenhar é viver

 

        Fora dos muros que cercam os prédios escolares e universitários, resenhar e ouvir resenhas é viver. Não se pode dizer o mesmo no espaço entre tais muros, pois, receber a incumbência de fazer uma resenha é algo que todo estudante gostaria de não ter. "Resenha é um gênero textual que traz levantamentos de alguma obra (livro, filme, etc.) sob o ponto de vista de um leitor, podendo apresentar um viés crítico ou não"¹. Há regras para a elaboração de uma resenha, mas não entrarei nesta seara.

            Este escriba, costuma trazer neste espaço, resenhas de obras literárias. Sei que as pessoas não afeitas à leitura de livros, não costumam deitar seus olhos nesta coluna. Também publico artigos de opinião política, econômica e social, os quais também passam ao largo do interesse de muitas pessoas. Escrevo para um público cada vez mais restrito, que, em pleno século XXI, ainda ousa ler, se informar, enfim, refletir.

            Há alguns anos, encontrei um professor dos tempos do Ensino Fundamental - séries finais (1º Grau), que afirmou gostar de meus artigos, mas, fez uma ressalva, disse que a juventude não lê artigos longos e que eu deveria escrever no padrão Tweeter (140 caracteres). Disse ao professor que não era para esse tipo de pessoa que eu escrevia, pois, meus artigos demandam espaço para a fundamentação e reflexão, algo não possível em artigos curtos, e que tal leitor não seria do tipo reflexivo que é para quem escrevo. No dia em que tal leitor não existir mais, aposento a "caneta".

            Há ocasiões, e não são poucas, em que buscamos acrescentar mais leveza aos nossos dias, isso é compreensível ante a aridez das relações humanas, seja no trabalho ou no círculo social que frequentamos. Essa é a proposta desse artigo. A definição de resenha aqui adotada passa longe dos muros das instituições escolares e universitárias, ou seja, é aquela de caráter informal e que costuma ser adotada por jogadores de futebol, jovens da periferia, ou ainda, nas rodas de chimarrão ou nos grupos de churrasco.

            Lembro que, há alguns anos, alertado por meus médicos, sobre a necessidade de cuidar da saúde, resolvi começar treinos em uma academia de musculação. Nestes locais, é muito comum encontrar estudantes para os quais lecionamos. Em certa ocasião, ainda nos meus primeiros dias de treinos, encontrei dois estudantes do terceiro ano do Ensino Médio que passaram a observar o meu treino. Eu estava fazendo um percurso aleatório, não havia uma ordem pré-determinada para a escolha dos equipamentos. Dessa forma, eu ia num equipamento e colocava uma carga (peso) condizente com a minha condição de iniciante.

            Os dois estudantes, logo em seguida, pegavam o mesmo equipamento e colocavam a carga (peso) dobrada e riam muito. A cada equipamento que escolhia, eles vinham e faziam troça. Não me irritei e nem me expliquei quanto ao fato de ser iniciante na atividade. Também não os repreendi. Mas, pensei que deveria dar troco. Fui para a casa e, verifiquei que no dia seguinte teria aula com a turma deles. No Ensino Fundamental e Médio, nós professores trabalhamos com o conhecimento básico, muito aquém de nossa capacidade e formação.

            Preparei a aula deles (como se estivesse lecionando para estudantes universitários) de forma fundamentada, referenciada e evitei substituir as palavras "difíceis" (na verdade, abusei delas) por outras de uso comum na faixa etária/série deles. Lecionei a aula que, em meu ver, foi maravilhosa, no nível que gostaria de sempre trabalhar, pois me trouxe prazer ao mesmo tempo que me desafiou. No entanto, como professores da educação básica, nosso esforço constante deve ser na inteligibilidade, fazer com que o estudante do nível/etapa em que se encontra, compreender o conhecimento científico. Algo que na ocasião, não fiz, pois passei a régua pelo alto. Na hora do intervalo, comentei com alguns professores que havia dado uma aula padrão universitária, para mostrar aos estudantes que se "eles malhavam os músculos, eu malhava o cérebro". Os professores riram, mas, um dentre eles (entre risos) disse: eles não entenderam a lição (revide) que eu quis dar e também não entenderam nada da aula! (risos). Penso que ele tem razão!

Referência:

1. Brasil Escola. Disponível em https://brasilescola.uol.com.br/redacao/a-resenhauma-forma-recriacao-textual.htm - acesso em 26 de setembro de 2023.