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sábado, 24 de julho de 2021

A escrava Isaura

 

        


Há alguns dias, buscando suavizar as asperezas da vida ante a conjuntura política, econômica e sanitária que se apresenta, resolvi ler o romance "A escrava Isaura" de Bernardo Guimarães (1825-1884). O autor, um romancista e poeta mineiro, formado em Direito e que trabalhou como jornalista e crítico literário foi homenageado pela Academia Brasileira de Letras na qual teve seu nome elevado a patrono da cadeira n.º 5. Guimarães escreveu vários livros, mas, sua obra prima é justamente a tratada nestas linhas e, tendo sido publicada em 1875, num momento em que crescia cada vez mais junto à sociedade o desejo pelo fim do regime da escravidão.

            A obra foi várias vezes retratada em novelas (em primeira versão no ano de 1976) e já foi inclusive exportada para outros países nos quais também fez grande sucesso. Não há quem a tenha assistido e não tenha se emocionado com a situação vivida por Isaura representada magistralmente por Lucélia Santos (1957 - ) ante o vilão e senhor de escravos Leôncio interpretado brilhantemente pelo ator Rubens de Falco (1931-2008) e a situação dos africanos e seus descendentes escravizados. A trama tem como personagem principal Isaura, uma escrava branca filha de Juliana, uma linda escrava mulata com Miguel, o feitor (branco) da fazenda do comendador Almeida. O comendador na condição de senhor de escravos, se achava no direito de se satisfazer sexualmente com a escrava que lhe aprouvesse. Juliana (escrava da casa grande) se recusou às inúmeras investidas e foi entregue para que o feitor a castigasse e a colocasse no trabalho pesado. O feitor não cumpriu o que lhe foi solicitado e o casal se apaixonou. Desse relacionamento, nasceu, Isaura. A esposa do comendador, que perdeu vários filhos e somente conseguiu criar Leôncio, tão logo a criança foi desmamada, a tomou e a criou na Casa Grande dando-lhe uma fina educação com direito a aprendizagem de línguas estrangeiras e piano. Isaura era muito bela e tinha linda voz. A mãe de Leôncio não lhe deu alforria, pois temia que ela fosse embora, mas, solicitou que com sua morte, ela deveria ser alforriada.

            O comendador não atendeu a seu último pedido. Leôncio, por sua vez, especializou-se em gastar e não em  administração, motivo pelo qual foi para a Europa, onde sua vida se resumia em frequentar festas e bordeis. O comendador,  envelhecido,  chamou-o para administrar a fazenda que se localizava em Campos dos Goytacazes e para se casar com uma linda moça de família muito rica. Leôncio, diante dos atributos de beleza e riqueza de Malvina aceitou se casar. Casados, foram morar na fazenda, porém, lá reencontrou Isaura e, não demorou a observar os encantos da escrava no fulgor de sua mocidade. Isaura via na sua beleza, sua grande maldição, pois, era muito assediada por Leôncio e pelos demais escravos. Também os homens que vinham na fazenda se encantavam com ela. Miguel, o pai de Isaura, conseguiu juntar (por meio do trabalho e adiantamentos) a fortuna exigida pelo comendador para vender Isaura. No entanto, Leôncio se recusa a vender. Malvina sabedora das intenções do marido, exige que ele escolha entre ela ou Isaura, porém, a notícia da morte do comendador a obriga dar um tempo para que ele decida, após esse prazo e ante a recusa de Leôncio, deixa-o e volta para a casa paterna.

            Leôncio vê na ausência de Malvina sua grande oportunidade. Isaura avisa seu pai que sua situação está cada vez pior ante as investidas de Leôncio. Miguel resolve fugir com a filha para o Recife onde vivem anonimamente, mas, Álvaro, um jovem milionário e bon-vivant a conhece e dela se aproxima. A jovem contra a sua intuição (estimulada pelo pai) vai a bailes da alta sociedade, num deles acaba reconhecida por Martinho, um caçador de recompensas. Álvaro, tenta por meio da influência que tem no Recife protegê-la, mas, Leôncio se aproveita da influência junto a autoridades na Corte e consegue que a Justiça do Recife o auxilie na prisão da jovem e de seu pai. Álvaro pede para Leôncio colocar preço em Isaura, porém, ele recusa e leva Isaura de volta para o Rio de Janeiro. Na fazenda, Leôncio (com problemas financeiros) julgou interessante reatar o casamento com Malvina. Para satisfazer seu desejo de vingança pela fuga e recusa em aceitá-lo, Leôncio mantém Isaura presa e acorrentada num quarto escuro (junto a senzala). Apesar da popularidade da obra televisiva e, para não dar spoiler, paro aqui e, digo que vale muito a pena ler também o livro pela escrita elegante (quase poética) e a leitura prazerosa (relax para a mente).

Sugestão de boa leitura:

Obra: A escrava Isaura.

Autor: Bernardo Guimarães.

Editora: Principis, 2021, 176 p.

domingo, 18 de julho de 2021

O chão em que pisa faz o professor de Ciências Humanas

                 

                Um fato comum na vida de um professor é o reencontro com ex-alunos, ocasião em que estes perguntam se continua lecionando e se o faz na mesma escola. Contam o que estão fazendo, agradecem os ensinamentos ou muitas vezes lamentam não ter seguido as orientações, pois, poderiam ter se dedicado mais aos estudos e ter uma profissão melhor. Ao entabular a conversa, perguntam como devem tratar o professor, se devem continuar a chamar de professor, apesar de não ser mais. Isso não é algo que me preocupe, mas, na qualidade de estudante que fui e que sou (professor é um eterno estudante), digo que não há ex-professor, pois, professores são eternos, vão conosco para onde vamos, pois, nos deram a base do que somos. Nesse mesmo sentido,o genial Isaac Newton (1643-1727) ao ser chamado de "gigante da ciência" afirmou: "gigantes são os mestres que tive, nos ombros dos quais me elevei".

            O fato de alguém, após, deixar de ser aluno, continuar a chamá-lo ou não de professor, não é algo que incomode ao mestre, mas, certamente diz bastante sobre a personalidade do ex-estudante. É uma atitude linda, de reconhecimento, principalmente, no momento em vivemos, no qual os professores são tão pouco valorizados. Todo bom professor é tal como um bom pai, se empenha e torce para que seus filhos/alunos sejam melhores do que ele, afinal, se assim não for, a sociedade não progride. Há uma geração de jovens que se auto-afirmam "self made man (woman)", mas, esse discurso é falso, pois, ao longo da vida, todas as pessoas recebem a contribuição de outras, dentre estas, os pais e os professores são as mais relevantes. Este escriba, filho de pequenos agricultores, não teria feito o ensino superior, se este não fosse público. Houve muito empenho de minha parte? Certamente! Mas daí a dizer que "me fiz sozinho", que meus pais ou mestres não tiveram importância, ou não reconhecer o papel da educação pública em minha vida, sendo que representantes do povo no Congresso Nacional compraram brigas homéricas com os representantes do deus Mercado para defender a educação como um direito básico do cidadão, portanto, estabelecendo a obrigatoriedade do Estado Brasileiro em sua universalização na forma pública e gratuita, é uma atitude irrefletida ou desonesta.

            Numa sociedade em que as fake news (tal como o mais contagioso vírus) se propagam alimentando ódio e preconceitos, o magistério não escapa dos ataques de indivíduos que vêm no autoritarismo, no militarismo, na censura e na obstrução da liberdade de expressão o caminho para a preservação de seus injustos privilégios, e para tal, lutam pela manutenção de uma das mais injustas desigualdades sociais do mundo. Apesar de atacarem todo o magistério, voltam suas baterias principalmente contra os professores de Ciências Humanas afirmando serem militantes de esquerda. Isso constitui grande inverdade, não falta no magistério, nem mesmo nas  Ciências Humanas, professores conservadores e defensores do liberalismo econômico. No entanto, é verdade que nesta área, a criticidade é maior, pois, os mestres refletem a partir do chão em que pisam (a realidade vivida). Isso se explica no fato de que o objeto de estudo do profissional de Ciências Humanas é justamente a sociedade (como os indivíduos se organizam e como vivem) e, quanto mais estuda as mazelas sociais, mais humano o profissional se torna. Quanto mais humano, mais se preocupa com os outros e, passa a pautar seus pensamentos e ações visando o bem estar coletivo e, quando faz isso, não vê no campo da direita, soluções para o bem estar coletivo. Não se trata, portanto, de uma doutrinação que sofreu ou que pratica, mas, da insuficiência ou debilidade no espectro político da direita de respostas efetivas para as grandes questões que afligem a sociedade. Assim, na qualidade de cidadão esclarecido e capaz, à frente da urna e em meio a sociedade, sua consciência social o orienta na busca de soluções e estas, como disse, não se encontram à direita, pois nesta, reina o egoísmo e o individualismo e transitam indivíduos que adoram distribuir cestas básicas em épocas festivas (posando de bons cristãos), mas que se escondem por trás do pseudo-discurso da meritocracia e empenham árduos esforços  para que a Justiça Social jamais ocorra, criticam ainda toda exposição ou discussão acerca das mazelas sociais (levadas a cabo pelos espíritos críticos) como pretensa doutrinação que visa alimentar um sentimentalismo barato com fins eleitoreiros. A humanidade é desumana, ainda mais, à direita!

segunda-feira, 12 de julho de 2021

A humanidade desumana e o papel das Ciências Humanas

 

          Há alguns dia li um post em uma rede social que considerei de uma verdade profunda. Dizia o post que "Educação não é levar o estudante a decorar que Hitler e a política nazista por ele conduzida à frente do Estado Alemão matou 6,5 milhões de judeus, mas, levar o aluno a entender como os alemães permitiram que uma figura como Hitler ascendesse ao poder e como a maior parcela do povo alemão aceitou que o extermínio de judeus era necessário e aceitável. Dizia ainda o post, que uma educação no sentido pleno da palavra era capacitar o estudante a perceber quando um fato do passado começa a se repetir no presente". Numa época em que a propagação de fake news se tornou uma importante ferramenta para a manipulação da sociedade e até mesmo para a eleição de governantes, cada vez mais pessoas que ocupam cargos de liderança ou seus tele-guiados se revoltam contra a área de Ciências Humanas, que, obviamente estuda a humanidade e a forma como esta se organiza em sociedade.

            Tomo como exemplo, a disciplina de Geografia, da qual sou professor, que tem no espaço geográfico o seu objeto de estudo. Sendo o espaço geográfico, o espaço transformado, construído e reconstruído pela sociedade humana, torna-se impossível se referir a tais transformações sem estudar as relações de capital e trabalho investido na transformação das paisagens, suas motivações e grupos beneficiados, bem como o prejuízo ambiental. Sendo o Estado, o agente que de forma direta ou indireta, promove ou estimula as ações de indivíduos e grupos empresariais sobre o espaço, não estudar as políticas de Estado indutoras/estimuladoras das ações de transformação e ocupação/utilização do espaço a torna um saber incompleto ou manco. Da mesma forma, a disciplina de História ao levar o estudante a conhecer e refletir sobre fatos do passado para que este perceba que o país e a sociedade que hoje somos (para bem ou para mal) é resultante de um processo histórico, ou ainda, as disciplinas de Sociologia e Filosofia que estudam a forma como a sociedade se organiza e levam o estudante a refletir sobre o papel do indivíduo em sociedade e o significado da vida.

            Paulo Freire (1921-1997) nos disse que a Educação é a ferramenta mais poderosa que existe, pois por meio do conhecimento, é possível capacitar as pessoas a mudar o mundo. Sabendo disso os opressores/promotores e defensores do atraso social ao longo da história negaram/negam o acesso das classes desfavorecidas ao conhecimento. Dessa forma, consideram haver algo errado, uma inversão da "ordem natural" da sociedade quando os "filhos de porteiros" bem como os afro-descendentes ingressam na universidade. O "cidadão de bem" sente mal estar, um grande desconforto, quando tais pessoas "do andar de baixo", adquirem o conhecimento, pois tornam-se capazes de  vê-lo "nu", ou seja, perceber o seu verdadeiro caráter. Afinal, em nossa sociedade, é algo bastante comum, os acusadores da corrupção, seja ela, política, financeira ou da moral serem pegos com a boca na botija praticando aquilo que tanto criticam. O que realmente importa para essa gente é a aparência e não a essência e, pensam ser sinal de inteligência, o que é na verdade hipocrisia.

            Não falta também quem diga defender os ensinamentos de Jesus Cristo, a pátria, a família, os bons costumes e que sob as vestes desse falso moralismo, se escondem almas que pouco ou nada têm de patriotismo ou de cristãs, pois praticam atos contrários aos que tanto afirmam. Considero de uma hipocrisia muito grande invocar a Jesus e agir de forma inversa aos seus ensinamentos. Não acredito em uma fé (teórica) desprovida de verdadeira prática (atitudes diárias). A Igreja não é um prédio. É a sua forma de ser e viver. Penso que a verdadeira Igreja de Jesus Cristo deve exercer na Terra o papel que ele faria caso aqui estivesse! E Jesus estaria entre os sem-terras; entre os favelados; entre os sem tetos; entre os desempregados; entre os trabalhadores explorados; entre os pobres; entre os famintos; entre os injustiçados! Jesus era um revolucionário; um contestador do sistema injusto que encontrou na Terra e por isso foi condenado, torturado e morto! Hoje há muitos que se dizem cristãos, mas, que a julgar pelas suas atitudes também estariam entre os que pediriam e comemorariam a condenação de Jesus!

            Enfim, parafraseando Renato Russo (1960-1996) quando disse que "a humanidade é desumana, mas que ainda temos chance..., devemos recuperar a coragem que alguém nos roubou e voltar a acreditar que mudar o mundo é possível...".  Longa vida às Ciências Humanas contra toda forma de opressão e obscurantismo!

sábado, 3 de julho de 2021

Uma nova festa em Paris? Uma reflexão acerca do cenário atual para as eleições majoritárias de 2022

             Ciro Gomes (PDT) ao atacar o Partido dos Trabalhadores (PT) e ao qualificar como uma atitude passional (em contrariedade ao racionalismo), o voto dos eleitores tido por ele como "petistas" nos candidatos da referida legenda nas eleições presidenciais (2018), age exatamente dessa forma, passionalmente. Ciro Gomes, toma uma atitude pouco inteligente e contraproducente ao criticar Lula e os eleitores "petistas", afinal, se passar para o segundo turno precisará do apoio destes. Ao atacar a esquerda, Ciro flerta com a direita, sendo que esta a vê de forma desconfiada e, prefere nomes de raízes mais profundamente ligadas ao conservadorismo político-ideológico. O pré-candidato pedetista, apesar de ser, como já disse, um grande quadro, das duas uma, ou lhe falta assessores políticos competentes ou necessita fazer sessões de Terapia Cognitiva Comportamental (TCC) para ter equilíbrio emocional, pois em várias ocasiões, como a sua ida à Paris no momento em que o país tanto precisava dele e, em várias falas equivocadas "ao calor do momento" (quando sua passionalidade eclipsa sua racionalidade) põe a perder o fascínio que exerce perante parcela do eleitorado.

            No cenário atual, há muita água para correr sob a ponte que nos leva às eleições de 2022, se Bolsonaro for inviabilizado como candidato, seja por uma eventual e pouco provável condenação num processo de Impeachment (sempre é mais fácil retirar do poder, uma mulher honesta) do que um presidente que joga (inconteste) sob as regras do grande capital nacional e estrangeiro e, que com ele vem emplacando grandes vitórias sobre o país e seu povo (respectivamente com a imposição de perdas patrimoniais nacionais e de direitos trabalhistas). Se Bolsonaro não conseguir se fazer um candidato viável, nem por isso o Bolsonarismo estará derrotado, pois, sua bandeira pode ser encampada por outro candidato do campo conservador. O "partido militar" que provou das benesses do poder não desejará voltar tão cedo para a caserna ou vestir o pijama, além disso, Bolsonaro pode "atear fogo no parquinho", o que preocupa, tendo em vista, a truculência como age parcela de seus fanáticos seguidores e a alta ideologização das forças de segurança. Bolsonaro pode ser derrotado, mas, poderá o Bolsonarismo ser derrotado? Essa é a grande questão! Uma nova eleição de um presidente neoliberal, será a destruição completa e irreversível do tímido Estado de Bem-Estar Social e do rico patrimônio nacional. A eleição de 2022, ocorrerá novamente sob o signo do ódio e das fake news. Penso que deveria haver uma coalizão das forças de esquerda à exemplo da "geringonça portuguesa" em torno do candidato deste campo ideológico que nas proximidades da eleição se encontre mais viável (à frente nas pesquisas).

            Lembro que o gigante Leonel Brizola (1922-2004) cuja falta muito é sentida pela esquerda, teve humildade ímpar ao aceitar ser vice de Lula (PT) nas eleições de 1998. Humildade que falta a Ciro, que,  por suas falas, demonstra que aliança estratégica é tão somente aquela que o coloca como cabeça de chapa, ou seja, não se pode contar com a participação de Ciro Gomes nesta improvável  "geringonça brasileira". Ciro é como aquele carona que entra por último e quer assumir a boléia, ou ainda, como aquele time que deseja ser campeão, mas pede para que as equipes adversárias, não escalem seus principais jogadores para que os confrontos lhe sejam favoráveis, essa é a impressão que tive quando de sua fala sugerindo a Lula não ser candidato ou, de imitar a ex-presidenta argentina Cristina Kirchner, sendo candidato à vice-presidência. Ciro é figura carimbada em todas as campanhas presidenciais, tem esse direito, porém, sua ambição desmedida supera os interesses nacionais conforme entendido pela esquerda e pelos defensores do Estado de Bem-Estar Social e do patrimônio nacional, como passionalmente demonstrou no segundo turno, quando foi a Paris, ao invés de engajar-se na campanha para "tentar" evitar o caos que seria (e de fato foi) a eleição de Bolsonaro. Atualmente, Ciro acena para a direita e, busca conquistar os votos do anti-petismo. Isso não chega a ser surpreendente, afinal, o pré-candidato rodou por inúmeras legendas partidárias de diferentes correntes ideológicas e, não tem uma sólida vinculação à esquerda. É um coringa da política, mas, um coringa sozinho, não ganha jogo! E se os ventos de 2022, lhe forem desfavoráveis? Irá novamente a "Paris"? Seja Paris tomada no sentido figurado (ou não), porém, na concretude do que significa? É a minha dúvida!