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segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Sobre os “mundoiletrados” - (republicação em comemoração dos 100 anos do nascimento de Paulo Freire)

 


           Concluí a leitura do livro “A importância do ato de ler” do sábio e saudoso mestre Paulo Freire (1921-1997), um pequeno livro em suas dimensões, porém grande pela profundidade do conteúdo que encerra. Quero dizer, portanto, que qualquer semelhança acerca do conteúdo aqui escrito com os ensinamentos do grande mestre não é mera coincidência. Paulo Freire afirma ser um absurdo os índices de analfabetismo que então às luzes do terceiro milênio a humanidade ostentava e, infelizmente ainda ostenta. Segundo Paulo Freire não basta a mera decodificação da palavra escrita, é necessária uma compreensão crítica do ato de ler, ou seja, uma leitura crítica do mundo ou a “leitura da palavramundo”. O mestre muito se preocupou com a alfabetização de adultos, mas não a mera decodificação dos símbolos gráficos, pois pregava uma revolução na sociedade cujo princípio se daria na mente das pessoas. Era necessário ir além da alfabetização atingindo o estágio de “leiturização do mundo”, ou seja, mais do que ler, entender as questões locais, regionais e mundiais para nelas interferir visando a transformação da sociedade. Mas estamos muito aquém do estágio de leiturização do mundo sendo que os números do analfabetismo ainda hoje se mostram escandalosos nos países do Sul (subdesenvolvidos) e, se a estes números acrescentássemos os malformados, a realidade seria ainda mais estarrecedora.

            A formação a que me refiro é aquela que vai muito além do ambiente escolar e que se realiza individualmente na leitura de obras de pensadores e, também na reflexão daquilo que se aprende, na leitura ou na vivência. O ser humano possui não somente o direito de ler e ser uma pessoa melhor como a obrigação de aperfeiçoar-se visando contribuir para a melhoria da sociedade. Ocorre que muitos pensam não ser necessário estudar além da educação oficial, achando a leitura um ato penoso e há aqueles que embora portem um ou mais diplomas, possuem uma visão míope de mundo, ou seja, são incapazes de fazer uma leitura fundamentada e crítica da conjuntura local, regional e mundial. Assim, falam sem ter uma argumentação consistente emitindo juízos de valor àquilo que de fato não conhecem, pois, se a alfabetização já é em si um desafio apesar da possibilidade de aprendizagem de qualquer ser humano dotado das faculdades que assim o favoreçam, compreender a “palavramundo” mostra-se algo mais difícil, pois, é preciso ter gana de viver, e vivendo, a cada dia buscar aprender mais, entender o significado das coisas e dos fatos. Compreender a “palavramundo” exige fazer comparações e só se pode comparar aquilo que se conhece pela realidade vivida, para a qual não basta viver, mas refletir sobre os fatos, bem como pela leitura, mas não como uma mera decodificação dos símbolos, mas com o objetivo de desvelar a essência daquilo que lemos, vemos e vivemos.

            Atualmente assistimos os meios de comunicação pregarem a “neutralidade” da educação e seríamos ingênuos se pensássemos que a suposta e impossível neutralidade fosse fruto do desejo ingênuo da elite representada por tais meios de comunicação. A verdade é que à elite interessa esconder a perversa essência que se esconde por trás do modelo neoliberal, como educadores, precisamos e devemos auxiliar nossos educandos a descobrir a essência da vida e não apenas servir ao modelo de produção que se apresenta hegemônico. Não é possível pensar a educação sem a reflexão da conjuntura do projeto de país que se não for pensado por todos, será pensado por alguns, pois quem não pensa é pensado pelos outros. Acredito que devemos ter mais que um discurso fundamentado na reflexão diuturna, “precisamos ter coerência entre a prática e o nosso discurso avançado”. Ao contrário do que pretendem os amantes do neoliberalismo, “o educador não tem como ser neutro, mas nem por isso é manipulador”. Cabe a nós educadores, a necessária utopia de uma sociedade melhor, mais justa, pois a utopia é oxigênio que move a busca do conhecimento por educadores e educandos que pretendem na solidariedade encontrar a saída ante um modelo autoritário, egoísta e perverso que concentra as riquezas nas mãos de poucos e a fome na barriga de muitos. Nessa realidade mundial, o Brasil também está inserido, pois, a fome mora ao lado do nosso quintal e como já afirmava o mestre “não nos esqueçamos que o Brasil foi inventado de cima para baixo” e, como tal permanece.

            Aos educadores cabe dar vida ao que se ensina, indo muito além do conteúdo, é necessário contextualizá-lo, pois “o contrário da manipulação não é a neutralidade impossível, nem o espontaneísmo, mas a participação crítica e democrática”. Precisamos passar de figurantes da história para construtores de nossa própria história, ajudar a construir uma sociedade melhor para todos os brasileiros. “Estudar é assumir uma atitude séria e curiosa diante de um problema” e estudar também é trabalho, trabalho que fortalece os “músculos” do pensar e que a todos cabe, pois “ninguém ignora tudo, ninguém sabe tudo”. Assim o autor destas linhas também é ciente de que muito tem por aprender e tal como afirmou o filósofo Sócrates apenas “sabe que nada sabe” e uma vez mais citando o mestre Paulo Freire quando afirmou que “estudar para servir ao povo não é só um direito, mas também um dever revolucionário”. Façamo-nos revolucionários e estudemos, pois para ajudar a construir uma nova sociedade, não importam quais sejam as suas cores, mas, a onipresença da justiça social.

Sugestão de boa leitura:

FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 49 ed., São Paulo, Cortez, 2008.

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