Powered By Blogger

terça-feira, 13 de outubro de 2020

Os sertões

 

     

            Ler "Os  Sertões" constitui um marco na vida de um leitor entusiasta, afinal, trata-se de um grande clássico. O fato de tratar-se de um calhamaço (700 páginas) e o cientificismo empregado no texto do livro assusta muita gente, mas, não devia. É importante que se diga que inúmeras vezes o leitor precisará recorrer ao dicionário, mas, que o esforço é grandemente recompensado. Na época em que "Os Sertões" foi escrito, a escrita rebuscada e a abundância de termos científicos eram comuns nas grandes obras e, o engenheiro, militar, naturalista, jornalista, geógrafo, professor, poeta, romancista, ensaísta e escritor Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha (1866-1909) o redigiu durante cinco anos para ser um grande livro, sua obra-prima e foi exitoso.

            A obra é dividida em três partes: A terra, o homem e, a luta. Na parte intitulada "A terra", Euclides da Cunha descreve e explica minuciosamente os aspectos naturais da região, sua formação geológica e geomorfológica. É importante que se diga que após 118 anos de sua publicação, o conhecimento científico evoluiu e a obra se encontra defasada. Há também críticos que afirmam que Euclides ousou demais e cometeu alguns deslizes (erros) na abordagem científica. Digo que não há como ler "Os Sertões" e não se assombrar com o gênio que o Brasil perdeu quando de sua trágica morte aos 43 anos de idade. Na parte intitulada "O homem" Euclides move seu olhar para o sertanejo, sua origem por meio da miscigenação e sua forma de viver no sertão. Descreve o jagunço e o vaqueiro e cunha a frase "o sertanejo é antes de tudo um forte". Faz isso sempre sem deixar de ancorar o que observa in loco no conhecimento antropológico e sociológico obtido por meio de suas leituras.

            É na parte intitulada "A luta" que o escritor vai dizer a que veio seu livro, ou seja, para denunciar o genocídio contra uma multidão de excluídos levado a cabo pela República recém instaurada por meio do Exército Brasileiro. É importante que se diga que Euclides foi militar e era republicano, logo, opunha-se à restauração da Monarquia. E com esse espírito ele acompanhou a quarta expedição militar à Canudos. Canudos era uma fazenda abandonada na Bahia na região da caatinga e nela foi fundado o povoado de Monte Belo pelo cearense Antonio Vicente Mendes Maciel vulgo "Antonio Conselheiro" (1830 -1897). Antonio Conselheiro foi um asceta que peregrinou pelo sertão pregando durante quase trinta anos, reformando e construindo igrejas e açudes para a população pobre. Tinha uma fala mansa e tratava a todos como irmãos e estes chamavam-no de pai. A forte religiosidade da população sertaneja pobre levava-os a acreditar que ele era a reencarnação de Jesus, embora, Conselheiro negasse ser. Na década de 1870 uma seca severa e prolongada tornou a vida dos sertanejos ainda mais difícil. A elite local já havia solicitado à Monarquia que se tomasse alguma providência contra Conselheiro e, ele até foi preso, mas, nunca se encontrou nada contra ele, apesar dos inúmeros boatos de assassinatos. A ascendência dele sobre a população incomodava os coronéis (fazendeiros) da região.

            O país havia passado por grandes transformações históricas, houve o fim do ciclo da cana-de-açúcar, a libertação dos escravos (1888) e, a consequente Proclamação da República (1889). A instauração da República não trouxe mudanças para a população pobre, menos ainda, nos rincões interioranos do Brasil. O país estava atrelado a uma grande e pesada dívida externa, a moeda estava depreciada, o preço do café (nosso principal produto de exportação) estava em queda e o governo republicano para fazer frente às dificuldades financeiras aumentara os impostos, no entanto, o sertanejo continuava tão abandonado quanto na época da Monarquia, porém, agora lhe eram cobrados pesados impostos. Os fazendeiros, se irritavam com Antonio Conselheiro, pois, os sertanejos o seguiram e com ele fundaram Monte Belo (1893), não mais trabalhando em troca de quase nada para os coronéis. Em Monte Belo (Canudos) construíram 5200 casebres e estavam construindo uma grande e nova igreja. Trabalhavam nas terras e produziam alimentos que eram divididos entre todos. Produziam farinha de mandioca, feijão, milho, batata, cana de açúcar, carne de sol (cabras), leite e queijo de cabra. Não era muito, mas, para muitos era mais do que tiveram a vida toda.

            Antonio Conselheiro adquiriu madeiras para a igreja nova e pagou à vista, o comerciante que não gostava de Conselheiro recebeu, mas, resolveu não entregar a madeira. Antonio Conselheiro avisou que levaria sua gente e traria a madeira à força para Canudos. O comerciante procurou autoridades locais e estas solicitaram ajuda do Governo Federal. No primeiro embate, houveram pesadas mortes no lado de Conselheiro e poucas das tropas oficiais (a madeira não foi entregue). Como os coronéis não suportavam mais Antônio Conselheiro juntamente com as autoridades locais ampliaram as falas de Conselheiro que considerava a chegada da República como se fosse a do próprio Anti-Cristo e "pintaram em seu grupo as cores" de um movimento com ramificações internacionais para a restauração da Monarquia (algo que absolutamente não existia). Por sua vez, a República queria dar uma demonstração de força e Canudos seria o exemplo para todo o país. Conselheiro e sua gente que nada recebiam em troca do Governo Federal, apenas, não queriam pagar impostos, pois, o povoado estava progredindo e até exportando couro.

            Estimulado pelas autoridades e pela elite baiana e, também pela classe média brasileira que exigia a asfixia do movimento tido por ela como monarquista, o governo preparou três expedições contra Canudos que foram humilhantemente rechaçadas pelos sertanejos que, embora mal armados, conheciam como ninguém o terreno e tinham ânimos invencíveis, pois, lutavam pelo Conselheiro a quem tinham como o próprio "Bom Jesus" e pela vida que, apesar de simples, nunca fora tão boa. O Governo Federal preparou uma mega expedição com tropas de vários estados brasileiros e levou o que havia de melhor em armamentos (canhões, carabinas, metralhadoras, fuzis, granadas, dinamite, etc.). Após uma campanha que se mostrou mais demorada e difícil do que se esperava, "Canudos que não se rendeu e que não foi vencida, foi extinta". À exceção de mulheres, crianças e velhos inválidos, todos os prisioneiros eram interrogados e degolados pelo Exército. Os mortos foram contados em cinco mil militares e vinte mil canudenses. O arraial foi reduzido à pó e a guerra só acabou a 05/10/1897 com a morte simultânea dos últimos quatro combatentes que de uma vala em meio a cadáveres repeliam o fogo de um destacamento inteiro de soldados. O palco da guerra retratado em fotografia mostrava a destruição das construções, cadáveres mutilados para todo lado e as duas igrejas destruídas encontra-se hoje sob 18 metros de água do reservatório de Cocorobó, que poderia ter sido construído a jusante de forma a evitar a inundação das ruínas do arraial (escolha infeliz se, não premeditada). Conselheiro que havia morrido cerca de duas semanas antes, teve seu corpo exumado, fotografado e sua cabeça cortada e levada para a capital. Foi um genocídio (mais um na conta do Exército Brasileiro) e Euclides fez questão de denunciá-lo. Fez bem e, de forma magistral!

 

 

Sugestão de boa leitura:

Título: Os sertões.

Autor: Euclides da Cunha.

Editora: Ubu Editora/SESC, 2016, 700 p.

Preço: R$178,50 (versão com fortuna crítica) - há versões mais baratas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário