Powered By Blogger

sábado, 7 de novembro de 2020

Tributo a(o) Érico Veríssimo

 



"Falta alguma coisa no Brasil

depois da noite de sexta-feira.

Falta aquele homem no escritório

a tirar da máquina elétrica

o destino dos seres,

a explicação antiga da terra.

Falta uma tristeza de menino bom

caminhando entre adultos

na esperança da justiça

que tarda - como tarda!

a clarear o mundo.

Falta um boné, aquele jeito manso,

aquela ternura contida, óleo a derramar-se lentamente.

Falta o casal passeando no trigal.

Falta um solo de clarineta."

 

            Foi por meio desse poema intitulado "A falta de Érico Veríssimo" que Carlos Drummond de Andrade homenageou postumamente Érico Veríssimo (1905-1975). Ser homenageado na forma de uma poesia de Drummond é uma das maiores honrarias que um ser humano pode receber, dispensa estátuas. E o saudoso escritor gaúcho a merece e merece mais. Merece que o povo brasileiro conheça sua obra, não para que ela venda mais, mas, para que conheça por meio de seus escritos o maravilhoso ser humano que as escreveu. Enquanto não conseguia viver de sua obra, trabalhou em vários ofícios no Brasil e no exterior, foi farmacêutico e também professor, claro foi por pouco tempo, pois, se sentiu melhor na redação de jornais e revistas, porém,  sua paixão era escrever. E nos livros que escrevia despejava para fora aquilo que angustiava sua alma, mas, também moldava o país que sonhava e acreditava ser possível. Érico não era dado a rompantes. Em sua obra passava a sua mensagem de forma quase sutil, mas, não tão sutil, afinal, a Érico não faltava coragem, mas, sobravam-lhe convicções.

            Érico Veríssimo defendia a justiça social, condenava a absurda desigualdade social de seu tempo (e nesse quesito o país piorou ainda mais). No entanto, ele não acreditava em soluções extremas (uma revolução armada) e pensava que o Brasil haveria de ser transformado por uma revolução por dentro, ou seja, por reformas que levadas a cabo por sucessivos governos democráticos melhorassem a condição de vida do povo brasileiro. O que o escritor defendia era basicamente os princípios do artigo 3º da atual Constituição Federal (1988) quais sejam: uma sociedade livre, justa e solidária; o desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades sociais; a promoção do bem de todos sem preconceitos de qualquer origem. É verdade que a atual Constituição Federal não existia em seu tempo, nem por isso, defender algo semelhante a aplicação de seu artigo 3º  em seu tempo (tal como na atualidade) produzia resultado diferente que fosse não ser rotulado de comunista. Em seu livro "Incidente em Antares" (1971) ele escreveu "comunista é o pseudônimo que os conservadores e saudosistas do fascismo inventaram para designar todo sujeito que luta por justiça social". Mesmo sendo avesso à soluções extremas foi fichado no DOPS por ser "comunista", ou seja, por desejar a justiça social.

            Érico conta que somente conseguiu viver de sua literatura a partir da publicação de "Olhai os lírios do campo" (1938). Nesta obra, o escritor por meio da personagem Eugênio Fontes (um médico) que anseia por uma "medicina socializada" na qual os médicos seriam funcionários públicos e contariam com boas condições de trabalho para exercer uma medicina gratuita e essencialmente humana. Érico viu em seu tempo a falta que faz um sistema público e gratuito de saúde. Na época não havia o SUS, muita gente morria por falta de recursos financeiros, o que lhe impossibilitava o acesso à medicina, noutras vezes, alguns médicos atendiam gratuitamente pessoas pobres mesmo sem receber pagamento. Hoje temos o SUS, ele precisa ser melhorado, mas precisamos defendê-lo.

            No ano de 2012, este escriba empreendeu uma viagem solo de motocicleta pelo Rio Grande do Sul e entrou na cidade de Cruz Alta apenas para conhecer a casa em que o famoso escritor nasceu. Ao deparar com a casa em alvenaria de esquina, logo constatou que ele não devia ter nascido pobre, tendo em vista a época da construção. Érico, de fato, nasceu em família abastada, mas, cedo viu a ruína financeira e a separação de seus pais.Nesta casa (em que funciona o Museu Érico Veríssimo), lembrei-me da escola de minha cidade (Laranjeiras do Sul - PR) em que fiz as séries finais do Ensino de 1º Grau e que se chama Escola Estadual Érico Veríssimo. Lembrei de meus colegas, os quais, em sua maioria tomaram rumos diversos e ignorados por mim, deixando apenas as lembranças de momentos compartilhados. Lembrei de meus professores dentre os quais haviam aqueles que tinham como principal característica, a simpatia, outros, enérgicos, porém, todos comprometidos com os estudantes que formavam. Fui feliz, tive excelentes professores e se não sou algo melhor, não foi por falta de empenho dos mestres que tive. Sempre me questionei sobre quem dentre os professores teve a ideia de homenagear o famoso escritor, pois, a escola foi renomeada pouco tempo após sua morte. E que homenagem feliz! Mais do que uma homenagem ao escritor, ao ter seu nome é como se Érico Veríssimo é quem homenageasse a escola! Ainda mais, uma escola pública, gratuita, portanto a democratizar para todos, sem seleção para o ingresso ou discriminação quanto a permanência nela possibilitando a todos uma janela para o saber.

           

        É com grande tristeza que vejo a Escola Estadual Érico Veríssimo de minha cidade ser incluída num projeto de militarização (cívico-militar) implementado pelo governo do Estado do Paraná. Não sou contra os policiais militares, apenas prefiro vê-los em suas devidas funções, ou seja, cuidando da segurança pública nas ruas! Quanto às escolas prefiro que sejam cuidadas e administradas por professores, pois, foram formados para tal! Fiquei estarrecido por não ter sido dado prazo para um debate (debate mesmo, com direito ao contraditório) para que a comunidade escolar pudesse ser plenamente informada. Como estudante, professor e cidadão isso me entristece profundamente pois, é um reflexo do projeto autoritário que se busca implantar a toque de caixa em nossas escolas e no país. Matar uma unidade pública com modelo de acesso e permanência garantida (portanto democrática) a todos para implementar outra de um modelo que sabemos ser excludente é uma afronta ao real significado da palavra educação. Além disso, uma escola de nome Érico Veríssimo..., Érico Veríssimo..., que era avesso à todo militarismo e a todo autoritarismo. À memória de Érico Veríssimo cabe-nos pedir perdão..., aos descendentes dele, nem isso, pois, resta-nos a vergonha!

Nenhum comentário:

Postar um comentário