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quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Essa gente


          
Já faz algum tempo que o fato de nunca ter lido um livro de Chico Buarque é para mim motivo de constrangimento. Não que eu imagine ser sua literatura tão popular quanto sua música, e esteja em situação desfavorável ante a maioria das pessoas, mesmo aquelas que são fãs de suas canções. Em fins de 2019, ao saber que Chico Buarque foi escolhido dentre outros escritores para receber o Prêmio Camões (em abril de 2020) como reconhecimento por sua contribuição para o enriquecimento literário e cultural da língua portuguesa, imediatamente pensei: preciso sair dessa ignorância acerca de sua obra literária. Em meio a uma viagem, entrei em uma livraria procurando a obra “Budapeste” para minha primeira leitura, porém, o que encontrei foi seu último lançamento. Assim, foi por seu mais novo livro que tive meu primeiro contato com a literatura deste desconhecido para mim, o escritor Chico Buarque.
            A obra é escrita como um diário e começa em novembro de 2018 e termina em setembro de 2019, porém, não é linear. Em várias oportunidades, o narrador retrocede no tempo para explicar a causa de fatos vividos no presente. Trata-se da história de um autor decadente (Manuel Duarte) que sofre com a falta de criatividade, e, por isso, não publica nada há tempos. Duarte teve uma série de relações afetivas que não deram certo e é um pai pouco presente na vida do filho adolescente. A crise criativa trouxe a crise financeira, a mudança de residências de alto padrão para endereços menos sofisticados e a dificuldade em pagar os aluguéis (sempre atrasados). A saída é pedir adiantamento dos royalties de obra ainda não entregue ao seu editor. Manuel Duarte tem como principal obra o best-seller “O Eunuco do Paço Real” e, é lembrando o passado de sucesso que solicita o auxilio financeiro. No meio literário circulam comentários de que a sua separação de Carolina Augusta é a causa da crise criativa, não apenas por questões sentimentais, mas, por que esta o auxiliaria reescrevendo trechos de suas obras, tornando os textos mais inteligíveis e elegantes.
            Na obra há referências aos castratis, sendo um maestro e um pastor responsáveis pela castração de alguns meninos prodígios (antes da puberdade) com o objetivo de conservar suas belas vozes. As famílias destes meninos pobres não se revoltaram com a violência praticada por estes, tendo em vista que o sucesso dos meninos lhes possibilitou ascensão social. O maestro e o pastor, por tal ato, não se vêem como criminosos, mas, como amantes da arte. A trama apresenta ao leitor o Rio de Janeiro e suas contradições sociais como um microcosmo do Brasil. E neste sentido, como não poderia ser diferente (haja vista a obra musical de Chico) também faz a denúncia do descaso das autoridades públicas com as questões sociais. Sei que não é possível julgar a obra literária de Chico Buarque apenas pela leitura de um de seus livros, mas, digo que me animei bastante em ler outros.

Sugestão de boa leitura:
Título: Essa gente.
Autor: Chico Buarque.
Editora: Companhia das Letras, 2019, 193 p.
Preço: R$ 26,20.

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