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sábado, 22 de fevereiro de 2020

O diário de Myriam




           
O leitor, caso não tenha lido, certamente ouviu falar do livro “O diário de Anne Frank”. A famosa obra escrita por uma adolescente contando a sua rotina de medo ante a perseguição nazista aos judeus da qual sua família era também vítima. O livro “O diário de Myriam” tem a mesma intenção ao contar a rotina de uma menina síria moradora de Aleppo, a maior e mais importante cidade daquele país e que foi destruída na guerra civil que ainda não acabou. O leitor pode não entender os motivos da guerra, porém, foi bombardeado por notícias desta nos meios de comunicação. A imagem do menino, cujo pequeno corpo, de bruços, foi encontrado na praia, após uma fracassada tentativa de fugir do inferno em que se tornou aquele país comoveu o mundo. Outras inúmeras imagens de crianças mortas, feridas e chorando desesperadas foram divulgadas na Internet. Quando faz guerras, a (des) humanidade mata seus anjos.
A obra não tem a pretensão de explicar uma guerra tão complexa que começou com manifestos contra reformas econômicas liberais realizadas pelo governo de Bashar al-Assad. Estes manifestos se inserem no âmbito da Primavera Árabe, na qual uma série de manifestações de rua varreu países com governos autoritários da região. Embora tenham motivações internas, estas foram estimuladas por agentes externos com a intenção de desestabilizar e derrubar governos locais. O governo reprimiu as manifestações com violência. Desertores do exército nacional se uniram a civis opositores e passaram a combater as tropas do governo. Conforme o conflito evoluía, diferentes grupos dele resolveram tomar parte, por perceberem nela uma grande oportunidade. Assim, os curdos que vivem na circunvizinhança e que desejam ter um território próprio entraram no conflito. O Daesh também conhecido como Ísis ou Estado Islâmico entrou com força no conflito a guisa de conquistar território para o seu pretenso califado. A guerra teve/tem a participação direta ou indireta da Turquia, Israel, Arábia Saudita, Catar, Estados Unidos, Irã e Rússia além de diversos grupos paramilitares ligados e financiados a correntes ideológicas (políticas e religiosas) de alguns destes países.
            O repórter de guerra francês Philippe Lobjois foi a Aleppo e tomou conhecimento do diário que Myriam Rawick escrevia desde os seis anos de idade quando a guerra começou (2011). E vendo a importância deste, colaborou com a menina para editá-lo e publicá-lo inicialmente nos idiomas árabe e francês. No Brasil, o “Jornal Joca” destinado a crianças e adolescentes fez uma matéria sobre a obra e recebeu centenas de cartas para que a traduzisse e publicasse no país. E isso acabou ocorrendo por meio da editora Darkside. Devido à ampla repercussão da obra no país, matérias jornalísticas foram realizadas em importantes veículos de comunicação como o semanário televisivo “Fantástico” da TV Globo. O livro possui uma linguagem simples, afinal, trata-se de uma criança descrevendo o que sentia e o muito pouco que conseguia entender a respeito da guerra brutal pela qual seu país passava e que destruía os locais que tanto amava em Aleppo.
Myriam narra doces lembranças do passado em meio aos dias de medo com mísseis atingindo prédios próximos de sua casa. Os pais procuraram fazer com que a filha frequentasse a escola normalmente embora devido a confrontos próximos, muitas vezes, tiveram que buscá-la antecipadamente. Apesar de seus pais tentarem desviar seu olhar, Myriam em diversas oportunidades viu cenas grotescas da guerra e afirma conhecer as armas utilizadas, os sons que produzem e entender o que era a morte. Myriam perdeu amigos e parentes na guerra (que já ceifou a vida de meio milhão de pessoas) e passou medo e fome. Aleppo é hoje menos insegura embora seja uma cidade devastada. Em Aleppo, os sobreviventes olham para o futuro, mas, o presente ainda lhes turva a visão. É necessário prosseguir e reconstruir vidas. Myriam, por sua vez, tornou-se famosa, mas perdeu o que tinha de mais valioso, sua infância!

Sugestão de boa leitura:

Título: O diário de Myriam.
Autor: Myriam Rawick.
Editora: Darkside Books, 2018, 288 p.
Preço: R$ 21,59.


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