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domingo, 12 de outubro de 2025

Ser rico e de esquerda é fácil?

 

            Há alguns dias, o apresentador Ratinho dirigiu fortes críticas a algumas celebridades, tais como o músico multi-instrumentista Júnior Lima, que se posicionou contra a anistia aos criminosos golpistas. Sobre Júnior, disse que ele não tem o talento da irmã Sandy, da qual teria resultado o sucesso da dupla. Penso que ser multi-instrumentista é uma mostra de enorme talento, Ratinho, talvez não pense assim. No entanto, sobre um dos componentes de uma dupla ou banda dominar os vocais é algo comum. Mick Jagger é a voz dos Rolling Stones, mas, ninguém afirma que os demais Stones não tenham talento e contribuído para o sucesso da banda, a menos que eles venham a fazer falas contra a anistia e afirmem ser de esquerda.

            Penso ser infeliz e também ingênua a afirmação de que "para ser de esquerda, tem que ser aquele pobre que não acredita mais na vida". Essa ideia é desmontada com um exemplo histórico contundente: Friedrich Engels (1820-1895), um homem muito rico, foi co-autor intelectual da obra de Karl Marx (1818-1883). Juntos, buscaram instrumentalizar a classe trabalhadora para construir uma sociedade mais justa. A luta por justiça social, portanto, não é uma questão financeira, mas de consciência social e filosófica. O pensamento de Ratinho é invertido, pois se alguém pobre é de esquerda, é justamente porque acredita profundamente na vida e na possibilidade de torná-la melhor, recusando-se a se contentar com as migalhas do sistema.

            Quanto a sua fala de que os artistas "globais" serem todos de esquerda, isso é um equívoco, pois nem todos têm a consciência de seu tempo, mas assim deveria ser, porque como os Titãs já cantaram, "a fome não é só de comida, mas de arte e de uma vida que vale a pena ser vivida", para além de meras peças da engrenagem do sistema capitalista. O artista imprescindível (ler "Sobre o artista e a consciência de seu tempo" publicado neste espaço em 04/10/2025) tem uma sensibilidade, que pessoas comuns não têm, pois "não fazem seu público de tonto" fazendo discursos embasados no senso comum.

            Encerro afirmando que ser de esquerda, rico ou pobre, é difícil, exige muito estudo, reflexão e uma vida de árdua luta contra as injustiças. Para o rico, especificamente, é um desafio ainda maior, pois significa nadar contra a maré de seus pares, resistir ao status e ao conforto "para manter a solidariedade acima do egoísmo", como definiu o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica (1935-2025).

 

sábado, 4 de outubro de 2025

Sobre o artista e a consciência de seu tempo: homenagem a Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque

 

            Há uma ideia que me toca profundamente: a de que o artista carrega a missão de ter a consciência do seu tempo. Não basta o talento bruto, a técnica apurada. Para ser verdadeiramente imprescindível, ele precisa ler o mundo ao seu redor, sintonizar-se com os anseios da sua gente e transformar a arte em um instrumento de reflexão e mudança.

            Esse artista necessário não é um alienado, um mero negociante de suas obras. É um ser que medita sobre as agruras e os sonhos da sociedade. Através da sua criação, ele afina nossa percepção, aguça nossos sentidos e nos guia em um reencontro conosco mesmos e com o coletivo. E no Brasil, nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque personificam esse ideal. Eles já seriam eternos apenas pela imensa beleza que trouxeram à nossa MPB, mas sua grandeza vai além das notas e versos.

            Recentemente, vimos essa trinca de gigantes, mais uma vez, usando suas vozes e sua inabalável consciência política. Uniram-se para mobilizar a população contra a impunidade que historicamente protege criminosos golpistas e em repúdio a projetos que visam blindar parlamentares. A cena é poderosa: os mesmos jovens que um dia enfrentaram a ditadura militar, agora idosos mas incansáveis, seguem na linha de frente, defendendo a democracia com a mesma chama. A frase "da luta ninguém se cansa" parece ecoar em suas existências.

            Ficamos pensando que deveriam ser imortais, mas sabemos que a imortalidade pertence apenas à sua obra. Eles se tornam gigantes não só pelas canções que compuseram, mas por terem usado, durante toda a vida, seu lugar de fala para oferecer um farol a um povo tão castigado pela realidade, um povo que, na labuta diária, por vezes esquece de sonhar. Eles nos lembram que podemos e devemos acreditar em dias melhores.

            Não sou poeta para homenageá-los como merecem, mas como um brasileiro que ama este país, deixo meu tributo: Caetano, Gil e Chico, vocês são, de fato, imprescindíveis. A vocês, nossa eterna gratidão.

 

 

sábado, 27 de setembro de 2025

Os adultos responsáveis e as molecagens do atual Congresso Nacional

             Em nosso recente artigo "Um pequeno passo para o STF, um grande salto para o Brasil" de 20/09/2025, afirmamos que a democracia é tal como um bebê humano, que se não cuidado por adultos responsáveis, perece. Bastou sair o resultado do julgamento de Bolsonaro com sua justíssima condenação, para que a Câmara dos deputados acenasse com o inconstitucional projeto de anistia para todos os envolvidos na recente tentativa de Golpe de Estado.

            Várias vezes, em nossa história, a anistia foi concedida com vistas a pacificação dos espíritos. O resultado é que várias lideranças golpistas anistiadas, incorreram em novas tentativas de golpe, algumas vezes bem sucedidas. A Carta Constitucional (1988) proíbe a anistia a golpistas, mesmo assim, os parlamentares insistem nela, pois desejam o embate com o STF, guardião da Constituição Federal pois, no mínimo, reforçam o discurso da suposta "ditadura  do STF", perante seu fanático eleitorado.

            Ocorre que o Congresso Nacional, em especial, a Câmara dos Deputados, não raras vezes, rasga a Constituição, forçando os "adultos responsáveis" (Ministros do STF), a defendê-la, condenando projetos de leis inconstitucionais, resultantes da molecagem de parlamentares da extrema-direita. Algumas lideranças golpistas e, até advogados de defesa dos réus disseram aos Ministros, durante o julgamento do Golpe de Estado, que o povo não suporta mais a "ditadura do STF".

            Na realidade, o povo, em especial, o esclarecido e afeito à democracia, não suporta mais, o uso de fake news para desinformação e os constantes ataques à democracia e à soberania nacional por parte de políticos, que deviam zelar pela Constituição Federal, e consequentemente, pelo Estado Democrático de Direito. A nação brasileira não suporta mais, políticos que buscam no Congresso Nacional, uma fortaleza inexpugnável de proteção, produzindo uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para blindá-los contra crimes de quaisquer natureza por eles praticados.

            O atual Congresso Nacional é tão horroroso que, não teme demonstrar, por suas falas e ações, o conteúdo deletério de seu "trabalho" legislativo, produzindo excrescências históricas na forma de projetos de leis inconstitucionais, como a anistia de golpistas, a proteção de criminosos para livrá-los da ação da Justiça tal como a famigerada PEC da blindagem/bandidagem que  transformaria o Congresso Nacional num refúgio seguro para  o crime institucionalizado.

            O Brasil precisa virar essa página da história! O Brasil não pode continuar refém de uma famíglia e de seus seguidores sectários.  

sábado, 20 de setembro de 2025

Um pequeno passo para o STF, um grande salto para o Brasil

 

              A chegada do homem à Lua em 20 de Julho de 1969, simbolizada pela famosa frase de Neil Armstrong (1930-2012) "Um pequeno passo para um homem, um grande salto para a humanidade" foi celebrada como uma vitória de toda a humanidade, uma conquista do intelecto humano que transcendia nacionalidades.

            Neste espaço, em várias oportunidades, destacamos ser a democracia brasileira, breves hiatos entre períodos ditatoriais. Afinal, o Brasil teve em sua história, sete golpes de Estado bem sucedidos e sete tentativas de golpe de Estado frustradas. Temos nas Forças Armadas, em especial, no Exército, uma histórica tradição golpista. Também temos uma elite econômica egoísta, mesquinha e antipatriótica, a qual jamais quis fazer parte da construção de um verdadeiro projeto de nação para o Brasil. Também pesa contra a democracia brasileira, a apatia e a alienação de grande parcela do povo brasileiro, que assistiu de camarote os vários atentados à democracia, sem nada fazer.

            A condenação de Jair Messias Bolsonaro e dos militares e civis partícipes da tentativa de golpe de Estado é histórica e também pedagógica. A história nos mostra que a anistia concedida às lideranças militares encorajaram-nas a novas tentativas de golpes de Estado. O STF cumpriu seu papel, tal como na conquista da Lua pelos EUA, o mundo democrático comemora, pois a democracia é frágil, tal como um bebê humano, se não cuidado por adultos responsáveis, perece. Quando se salva a democracia em um país, ela se fortalece nos demais.

            Os Estados Unidos que se arvoram, a maior democracia do planeta e, sabemos, não são mais, têm muito a aprender com o Brasil. Nós fizemos a lição de casa, estamos punindo os golpistas de 08/01/2023. Os EUA terão que arcar com o castigo pedagógico pela falta de coragem de enfrentar os seus monstros do 06/01/2021. Fosse os Estados Unidos, o país democrático, que sempre afirmaram ser, não estariam em conluio com traidores da pátria brasileira, impondo sanções econômicas e fazendo ameaças do uso de força militar contra o Brasil e, sim elogiando a consolidação da democracia brasileira.

            Enquanto o povo estadunidense, devido à fraqueza de suas instituições e à escolha equivocada de seu presidente, somente podem olhar pelo retrovisor, para lembrar dias democráticos e mais promissores. Nós brasileiros, vislumbramos na estrada à nossa frente, um futuro democrático e de dias melhores para o país!

sábado, 13 de setembro de 2025

A falência

 

Mais do que o simples relato de uma ruína financeira, "A Falência" é um mergulho profundo na alma humana, um retrato sensível e crítico de uma época e de seus paradoxos. Escrita por Júlia Lopes de Almeida (1862-1934), uma das vozes mais importantes e, injustamente, mais esquecidas do Brasil do século XIX.

A história nos apresenta a família Teodoro, um microcosmo da elite carioca pós-abolição. Francisco, o patriarca imigrante português, construiu um império do café com suas próprias mãos. Sua esposa, Camila, é a bela matriarca que gravita um mundo de aparências, futilidades e segredos. Seus filhos, o bonvivant irresponsável Mário, a sonhadora Ruth e as gêmeas Lia e Raquel desfrutam de uma opulência nababesca, alheios às bases frágeis sobre as quais a vida é construída.

A narrativa tece com maestria os fios da traição, da hipocrisia e dos desejos reprimidos. Camila mantém um caso com o médico da família, Gervásio, um segredo conhecido por todos menos pelo marido, mas que corrói a dinâmica familiar, especialmente o ressentimento do filho Mário.

Contudo, o grande triunfo de Júlia não é apenas narrar a decadência moral, mas conectá-la à queda material. A "falência" do título é muito mais que um evento econômico, é o colapso de um mundo. Quando Francisco perde toda a sua fortuna em especulações na bolsa, a família é brutalmente arrancada de seu universo de sedas e festas e obrigada a confrontar uma realidade brutal para a qual não estava preparada.

Júlia, com sua escrita realista e afiada, não poupa críticas. Ela expõe a frivolidade dos ricos, o preconceito racial latente e a exploração dos trabalhadores recém libertos, mostrando os dois lados de um Brasil em transformação. A genialidade da autora está em nos fazer sentir, primeiro, um certo asco pela futilidade daquela família e, depois, uma comovente compaixão por sua fragilidade exposta.

"A Falência" é a obra-prima de uma mulher à frente de seu tempo, uma autora que viveu da pena e que, apesar de ter sido excluída da Academia Brasileira de Letras por ser mulher, legou à literatura brasileira um romance poderoso, humano e eternamente relevante.




Sugestão de boa leitura:

Título: A falência.

Autor: Júlia Lopes de Almeida.

Editora: Penguin-Companhia, 2019, 304 p.

sábado, 6 de setembro de 2025

Comunista! Eu?

 

         Há algum tempo, no auge do radicalismo extremista de direita (perdoem a redundância, ela é necessária), representado pela ascensão de Jair Bolsonaro ao poder, muitos dele simpatizantes, se sentiam representados/empoderados com a ascensão de seu "mito", e espumavam ódio a todas as pessoas que tinham uma visão/compreensão de mundo diferente.

            Sabedor que mesmo a noite mais escura passaria e, haveria de novamente nascer o sol, assimilei o golpe, era necessário fazer a resistência democrática. Não foi tranquilo, havia entre nós simpatizantes e militantes da esquerda, o receio de ataques perpetrados por integrantes ensandecidos das fileiras extremistas do bolsonarismo que, em várias oportunidades e locais do país, infelizmente ocorreram.

            Em um final de tarde qualquer, praticava a minha caminhada diária, quando uma picape acelerada passou por mim, sendo que seu motorista gritou: comunista!!! Eu não o reconheci e sequer tive tempo de agradecer o elogio. Em outra oportunidade, na mesma época, em um carro rebaixado, um jovem motorista, gritou de igual forma, no exato momento, em que lembrei que havia sido cancelado o evento semanal para o qual ia, fiz o retorno imediatamente, tomando o rumo de casa, então após notar que o seguia (não intencionalmente), o rapaz acelerou. Para não desobedecer as regras de trânsito, também não pude lhe agradecer o elogio.

            A limitação cognitiva de ambos não lhes permitiu entender, que ser chamado de comunista, é para nós da esquerda um elogio, que poucos de nós merecemos. No meu caso, em um breve exame de consciência, me falta leitura, meu embasamento teórico é incipiente e, me falta militância, eu precisaria ser mais atuante nas lutas sociais.

            Lembro que também fui chamado de vagabundo, por algumas pessoas que, em seus veículos, passaram por mim, não me ofendi, sei que eles não aguentariam a minha carga de trabalho semanal, nem teriam capacidade intelectual e a responsabilidade necessária para lecionar para mais de trezentos estudantes, nas péssimas condições de trabalho ofertadas aos docentes. E se tivessem, teriam a polidez e a inteligência que não demonstraram possuir.

            Sei por algumas pessoas próximas, que afirmaram ter ouvido de outras que sou comunista. Minha honestidade intelectual impede que assim me considere, pois precisaria ser uma pessoa muito melhor do que em realidade sou. No entanto, se estas pessoas assim me consideram, pois me promovem, não serei eu a me rebaixar!  Se você diz e, apenas porque você diz, comunista eu sou!

P.S. Parcela significativa das pessoas ignora o que de fato é o comunismo, inclusive seus detratores. Em outra oportunidade abordarei o tema neste espaço.

sábado, 30 de agosto de 2025

As mentiras que os homens contam

 

Luis Fernando Veríssimo (1936) é um escritor, humorista, cartunista, tradutor, roteirista, dramaturgo e romancista brasileiro. É ainda músico, tendo tocado saxofone em alguns conjuntos. Com mais de oitenta títulos publicados, é um dos mais populares escritores brasileiros contemporâneos (Wikipédia).

            Tenho centenas de livros não lidos em casa, mas, sempre faço olho gordo a algum livro de minha esposa ou que algum(a) colega professor(a) está lendo e, após ver por dias seguidos, abandonado em uma mesa na sala de professores de minha escola, o livro que dá título a esse artigo, convidando à leitura, tomei-o emprestado sem saber de quem, ao me ver lendo-o, uma professora revelou ser a dona e autorizou o empréstimo, que já estava em curso.

            A época era propícia, fechamento de trimestre escolar, dado o agigantamento do trabalho característico desse momento, em que os professores deixam de viver e apenas sobrevivem. Uma leitura leve e com o bom humor e a sagacidade de Luis Fernando Veríssimo, vinha mesmo a calhar.

            Lembro que, o escritor que nunca se omitiu em posicionar-se politicamente e sempre defendeu a pauta progressista, desferiu críticas ao governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), que as sentiu fortemente e, em resposta, afirmou que Luis Fernando era escritor menor que seu pai Érico Veríssimo (1905-1975).

            Eu duvido que Luís Fernando tenha tomado como crítica a fala de FHC. Para ele deve ter soado algo assim: "Lionel Messi joga mais futebol do que você"! e ele,  diria: óbvio!!! Quem em sã consciência, sendo filho ou não, teria a pretensão de superar o gigante literato Érico Veríssimo?

            Meu primeiro contato com a obra do autor foi com o livro "todas as histórias do Analista de Bagé", com as histórias absurdas e muito divertidas da famosa e impagável personagem. Muito atarefado e estressado, foi aos poucos que a leitura da obra "As mentiras que os homens contam" me ganhou, aliviou meu estresse e pude rir um pouco com as quarenta histórias bem humoradas e criativas.

            Deixo a dica e, também o registro da minha concordância com o autor, em gênero, número e grau de que "nós homens, não mentimos, apenas inventamos histórias para proteger as mulheres".

            Muita força Luis Fernando Veríssimo!!!

Sugestão de boa leitura:

Título:  As mentiras que os homens contam.

Autor: Luis Fernando Veríssimo

Editora: Objetiva, 2001, 166 p.


P.S. Infelizmente, na data da publicação desse artigo, Luis Fernando Veríssimo deixou esse plano! Obrigado Luis Fernando Veríssimo por sua contribuição à literatura brasileira e por seu posicionamento político sempre a favor dos mais humildes!

domingo, 24 de agosto de 2025

A Rússia na Guerra Fria 2.0 - Parte 6

 

           

        O presidente Donald Trump (1946) e o seu homônimo russo Vladimir Putin (1952) realizaram no dia 15 de agosto de 2025, um encontro carregado de simbolismo na base americana Elmendorf-Richardson em Anchorage, no Alaska (EUA). O Ministro das Relações Exteriores russo Sergey Lavrov chegou ao território americano com uma camiseta com as iniciais da União Soviética como que a dizer: "a URSS e seu poder militar ainda habita na pátria russa".

        A reunião tinha como pauta, mas não obviamente a única e, para Putin, talvez, nem mesmo a principal, a questão da guerra entre Ucrânia e Rússia, embora essa pauta fosse importante para Trump, que adoraria encontrar uma solução para tirar os EUA e a OTAN da enrascada de apoiar uma guerra cara e, cuja possibilidade de vitória é inexistente (pois, traria a hecatombe nuclear) e, de quebra, quem sabe, ganhar um prêmio Nobel da Paz, algo em nosso ver, absurdo, mas, que Obama provou não ser impossível.

        Na pauta de Putin, além dos termos já conhecidos para a paz, considerados inaceitáveis pela Ucrânia, certamente está a redução ou o fim das sanções econômicas e políticas contra a Rússia, a reintegração da Rússia no G-8, o início do esboço ou redesenho da Ordem Mundial, na qual os papeis de cada potência precisam ser delimitados para evitar embates perigosos, sendo que na visão de Trump, os EUA não podem enfrentar russos e chineses ao mesmo tempo, como pensavam os democratas da gestão Biden, para Trump, a China representa o maior perigo para os Estados Unidos.

        A frase na camiseta de Lavrov é justificada com o desenrolar atual da referida guerra que, em seu início, acreditava-se que a vitória russa seria questão de poucas semanas, porém com a forte entrada da OTAN (liderada pelos EUA) fornecendo equipamento bélico, inteligência e, a imposição de fortíssimas sanções econômicas e políticas do ocidente contra a Rússia, o prognóstico passou a ser de que a Rússia desabaria economicamente, a guerra perderia apoio interno e Putin seria derrubado.

        Ledo engano, a Rússia resistiu, avança na tomada de territórios ucranianos e sua economia cresceu estimulada pelo esforço de guerra, Putin tem apoio popular, pois a população entende que o ocidente faz uma cruzada (via OTAN) para cercá-la e enfraquecê-la e o espírito russo é conhecido: o de lutar até o último homem e, a Rússia tem mais população para defender sua pátria do que a Ucrânia.

        Os líderes das nações se encontraram e, enquanto Putin, um ex-agente da KGB e talvez, o mais brilhante estrategista geopolítico dentre os líderes das grandes nações, caminhava no tapete vermelho com seu característico "andar do pistoleiro" ao lado do magnata e apresentador de reality shows Donald Trump, agora no papel de presidente da nação mais rica do planeta, numa demonstração de força pensada para o evento, um bombardeiro B-2 escoltado por quatro f-35, todos com capacidade stealth, fizeram um voo baixo nesse exato momento.

        Os Estados Unidos mostravam seus músculos, visando intimidar, mas, o oponente pareceu estar, à vontade no encontro, falou de tempos de união contra o inimigo nazista, da preservação de nomes russos em lugares do Alaska e elogiou a escolha do local, pois, as nações distam apenas quatro quilômetros (limites entre ilhas no Estreito de Bering). Putin pisou firme em solo estadunidense, Trump é que não parecia estar à vontade, afirmou que não houve acordo, que se tratavam de conversas iniciais e de que outras deverão ser feitas com o presidente da Ucrânia e com os líderes da OTAN.

        O caminho para a paz é sempre longo e envolve muitas negociações. Um bom acordo de paz é aquele que as partes envolvidas, saem com alguma frustração, pois não podem ter tudo, afinal, é necessário também ceder alguma coisa. Os EUA e a Europa erraram ao não envidar maiores esforços para evitar a guerra na Ucrânia e, ante a resistência heróica do povo ucraniano, se iludiram com a possibilidade de levar a Rússia à derrocada e assim enfraquecer a tentativa sino-russa da construção de uma Nova Ordem Mundial Multipolar. Essa Nova Ordem é algo inevitável, salvo uma guerra direta, cujo resultado mais previsível é apocalíptico.

        O estrategista prussiano Carl Von Clausewitz (1780-1831) afirmou: "A guerra é a continuidade da política por outros meios". Há uma frase na geopolítica que diz "é fácil prever como uma guerra iniciará, mas, jamais como terminará". O tarifaço de Trump, a mudança de parcerias comerciais entre os países, a desglobalização, a contestação à Ordem Mundial Unipolar, as questões geoestratégicas mundiais, o petróleo do Oriente Médio e da Venezuela, a cobiça estadunidense pelas terras raras groenlandesas (Dinamarca/União Europeia), chinesas e brasileiras, as guerras regionais pelo mundo, o genocídio em Gaza levado à cabo pelo segregacionista Estado de Israel, etc. Enquanto houver espaço para diálogo, a esperança persiste, no entanto, existem muitos atritos regionais no planeta e, o risco de uma faísca incendiar o mundo nunca foi tão grande.







sábado, 16 de agosto de 2025

Os Bórgias

 

Alexandre Dumas (1802-1870) foi um romancista e dramaturgo francês que, apesar de sua extensa e maravilhosa obra, é mais conhecido por ser o autor de Os Três Mosqueteiros e de O Conde de Monte Cristo. Dumas, cuja família tinha um pé na nobreza e outro na senzala, trafegou como ninguém, ao escrever obras retratando realidades tão díspares. Digo isso, pois Dumas teve ancestrais da nobreza francesa e teve como pais, um militar renomado, o General Dumas (Thomas Alexandre) e uma escrava liberta (Marie-Césette Dumas).

            A obra "Os Bórgias" pretende ser uma ficção histórica acerca da família de origem espanhola que, acumulou grande fortuna e poder na Itália. A família emplacou dois papas, Alfonso de Bórgia (Papa Calisto III) em 1455 e teve seu apogeu de riqueza e poder  com a ascensão de Rodrigo Bórgia (Papa Alexandre VI).

            O papado de Alexandre VI (1492-1503), foi marcado por escândalos, manipulações, corrupção, guerras e assassinatos. Sua eleição foi por meio da compra de votos de Cardeais. Tal estratégia custou ao Cardeal Rodrigo Bórgia, uma verdadeira fortuna. Bórgia via neste movimento, um investimento cujo retorno na forma de poder e dinheiro seria garantido.

            Rodrigo Bórgia teve várias amantes, sendo que com uma delas, teve quatro filhos (três homens e uma mulher). Foi um homem sempre à busca de alianças visando manter o poder para si e sua família. Com tal intento, utilizava-se de alianças matrimoniais, com a sua belíssima filha Lucrécia, cujos noivados/casamentos eram desfeitos, conforme a conjuntura política. À Lucrécia restava obedecer.

            O Papa Alexandre XI, foi provavelmente, o mais perverso e certamente, o mais polêmico Papa. Seu papado baseou-se na venda de simonia (cargos e benefícios eclesiásticos), e na prática de nepotismo. Como encaminhou algumas boas almas ou nem tão boas almas para o paraíso com vinho "batizado" (se é que vocês me entendem), cercou-se de familiares, pois não confiava em ninguém.

            Alexandre XI garantiu poder e patrimônio a seus filhos. Destes, César foi alçado a Cardeal, mas preferiu abandonar o cargo eclesiástico e assumir o posto militar de general, tornando-se o braço direito armado de Alexandre VI. Naquele período, o Vaticano mantinha um exército (na acepção da palavra) e pretendia unificar os Estados da Igreja. Á época, a Itália (moderna) ainda não existia, haviam vários Estados que, via de regra encontravam-se sempre às turras, com períodos de paz conforme as famílias que ascendiam ao poder.

            A obra, como dissemos, é classificada como ficção histórica, no entanto, dá a impressão de ser uma literatura-reportagem, não por seu conteúdo, mas pela característica de sua escrita, que carece do espírito romanesco. Fica a dica!

 

Sugestão de boa leitura:

Título: Os Bórgias.

Autor: Alexandre Dumas.

Editora: Principis, 2021, 256 p.

            

sábado, 9 de agosto de 2025

A importância do ato de ler

 

        


Paulo Freire (1921-1997), mestre eterno da educação, denuncia em sua obra "A importância do ato de ler", o absurdo do analfabetismo que persiste no mundo, mesmo no século XXI. Para ele, ler vai além de decifrar letras: é interpretar criticamente a realidade, a "leitura do mundo". Sua luta não era só alfabetizar, mas emancipar, transformando a sociedade a partir da consciência crítica.

            Freire criticava a educação mecânica e defendia a "leiturização", ou seja, entender e intervir nas questões sociais. Infelizmente, ainda estamos longe disso, especialmente nos países pobres, onde o analfabetismo e a "má formação" (pessoas que leem, mas não refletem) perpetuam desigualdades. Muitos, mesmo com diplomas, têm visões limitadas do mundo, repetindo opiniões vazias sem compreender o contexto em que vivem.

            A verdadeira leitura exige reflexão sobre o vivido e o lido, desvendando a essência das coisas. A educação não pode ser neutra, como pregam os defensores do neoliberalismo, afinal, essa falsa neutralidade serve aos interesses da elite. Cabe aos educadores despertar nos alunos a consciência crítica, mostrando que o sistema atual concentra riqueza e gera fome.

            Freire nos convoca à coerência: unir teoria e prática, sonhar com uma sociedade justa e lutar por ela. "Estudar é um ato revolucionário", dizia, pois só o conhecimento liberta. O Brasil, foi criado "de cima para baixo" e precisa ser reinventado pela educação popular, onde todos sejam construtores da história, não espectadores.

            Tal qual o filósofo Sócrates, "sabemos que nada sabemos", mas seguimos aprendendo, porque transformar o mundo começa pela leitura crítica dele. Afinal, ninguém ignora tudo, ninguém sabe tudo, mas todos podemos lutar por justiça social.

 

Sugestão de boa leitura:

Título:  A importância do ato de ler: em três artigos que se completam.

Autor: Paulo Freire.49 ed., São Paulo, Cortez, 2008.

Editora: Cortez, 2008, 49 ed., 104 p.

sábado, 2 de agosto de 2025

Guerreiros do Sol (com spoiler)

 

Há alguns dias, devido o recesso escolar, resolvi escolher um livro que fosse interessante e cuja leitura não exigisse grande concentração, afinal, a mente, o instrumento de trabalho de todo professor, também precisa de descanso. Eis que me deparo com o livro Guerreiros do Sol: violência e banditismo no Nordeste do escritor Frederico Pernambucano de Mello (1947). Na ocasião, ainda não tinha conhecimento da série de título homônimo do canal de streaming Globoplay, que pretendo assistir brevemente.

            O escritor escocês Charles MacFarlane (1799-1858) citado no livro de Mello, afirma acertadamente: "Existem poucos assuntos que nos interessem mais que as aventuras de salteadores e bandidos". Provavelmente foi essa a causa da escolha que fiz dessa obra, mesmo já tendo lido alguns clássicos sobre o tema.

            Ao iniciar a leitura, observo que a obra, não traz apenas relatos históricos, mas toda uma discussão sociológica, geográfica, histórica e política sobre o cangaço, sua origem, extensão, personalidades principais e partícipes. Mesmo assim, dada a boa escrita do autor, a qual torna a leitura prazerosa, não desanimei e encarei o calhamaço.

            Ao tratar do tema do cangaço, uma das perguntas sempre feitas, é o que levou tais pessoas dele participarem. Houve escritores que afirmaram se tratar de uma revolta contra o monopólio da terra e a exploração do trabalhador rural pelo latifundiário; Houve quem considerasse que o cangaço era uma revolta contra o capitalismo explorador, mesmo que seus atores (cangaceiros) fossem ignorantes da teoria marxista que, no entanto, agiam imbuídos pelo sentimento intrínseco. Também há aqueles que viram no cangaço, uma resposta ao autoritarismo dos coronéis políticos do sertão.

            Segundo Frederico, não há um único motivo, mas três, a saber: 1. O cangaço como meio de vida, na qual os criminosos, têm no cangaço, a sua forma de subsistência, sendo que muitos chegaram a enriquecer no ofício e se "aposentaram", indo morar em paragens em que não eram conhecidos (muitos não viveram para tal). 2. O cangaço de vingança, quando os criminosos entraram para o cangaço, para fazer a vingança, seja de um pai/irmão assassinado ou de uma moça da família que tenha sido deflorada e que deixaram o cangaço após a realização da vingança. 3. O cangaço como refúgio que trata-se de homens que cometeram crimes, tais como homicídios e/ou estupros e têm a cabeça a prêmio, dessa forma entram para o cangaço para ter maior proteção, sendo que dele não podiam se retirar.

            Surpreendentemente, o cangaço também recebeu rapazes das melhores famílias, sem qualquer  influência doméstica e, sem um motivo aparente que não a imaginação fértil, da vida de aventura e suposto heroísmo, prova de fogo de sua masculinidade. Tais jovens sumiam de suas casas e, depois a família, atônita recebia a notícia de que estavam fazendo parte de algum grupo de cangaço. Há relato de um cangaceiro que não soube explicar por que entrou para o cangaço.

            Na obra, Mello descreve os papeis de sertanejos, cabras, capangas, jagunços, pistoleiros e cangaceiros. Descreve ainda os hábitos dos cangaceiros que abusavam de perfumes, jóias e roupas com detalhes bordados com uma vaidade que não ficava aquém do sexo feminino. Também suas crenças (religiosas ou não), como a de que após o ato sexual o homem perdia sua "oração" e ficava vulnerável às balas, por isso era melhor, não ter mulher no bando.

            O cangaço foi um fenômeno que ocorreu no século XIX e XX, sendo o apogeu de 1870 a 1940. Estudos demonstram que após as grandes crises de seca no sertão nordestino, as ações dos cangaceiros se intensificavam. Frederico classifica os surtos de cangaço como endêmicos em alguns períodos que ficaram restritos a algumas áreas específicas e como epidêmicos quando se disseminava por grande parte da região nordeste.

            O sertão nordestino nos estados de Bahia, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará foi o ambiente ideal para que os criminosos agissem, utilizando a estratégia de guerra de guerrilha, atacavam fazendas, vilas e cidades e se embrenhavam na caatinga, fazendo longas caminhadas diárias, para surgir em um local distante, para fazer nova surtida. A geografia do sertão nordestino quanto ao relevo, ao clima e à vegetação é perfeita para os criminosos se esconderem, pois se tornaram exímios na orientação e deslocamento e faziam seus locais de descanso em pontos estratégicos para o enfrentamento, caso fossem surpreendidos.

            É importante dizer que os cangaceiros não tinham patrão, e em suas longas travessias, eram protegidos por alguns fazendeiros que lhe davam pouso temporário, para fins de descanso em suas terras e, que por isso eram chamados de coiteiros. Os fazendeiros em troca recebiam "proteção" dos cangaceiros, mas, não havia relação de submissão de nenhuma das partes, que se beneficiavam mutuamente desse esquema. Também coronéis políticos da região mantinham relações de troca de favores com cangaceiros. 

            A sociedade sertaneja não gostava da polícia, que era considerada muito violenta e muitas vezes repassavam informações de sua chegada aos cangaceiros. Havia dentre os cangaceiros, alguns que distribuíam algum dinheiro para as pessoas pobres por onde passavam. Também não se pode romancear o período, pois os ataques de grupos de cangaço à localidades sertanejas costumavam resultar em saques, destruição, mortes e estupros, principalmente quando havia resistência da população local.

            Os cangaceiros sempre afirmavam ter um "escudo ético", ou seja, um motivo que os levou para o mundo do crime. A crença popular era a de que no sertão quem não se vinga, já está moralmente morto. Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião (1898-1938) afirmava que tinha entrado para o cangaço para se vingar de seus desafetos José Saturnino e do tenente José Lucena.

            Apesar de seu escudo ético, estudos mostram que Lampião nunca se esforçou em fazer sua vingança. Há até um relato de um famoso pistoleiro que se ofereceu para "fazer o serviço" para Lampião, mas este afirmou que não precisava, pois era assunto antigo, caduco, tendo agradecido a oferta com alguns agrados materiais, uma faca finamente acabada e algum dinheiro.

             Por esse motivo, Lampião é classificado como integrante do cangaço meio de vida. Lampião, sempre que era questionado sobre por que não aproveitava a fortuna que tinha e se retirava do cangaço, se irritava e devolvia a resposta com uma pergunta: o senhor se retiraria de um negócio que está rendendo bem?

            Lampião, em que pese, a sua fama de violento e cruel, e isso é verdadeiro, em muitas  ocasiões, com fazendeiros e autoridades que lhe eram bem quistas, foi relatado como uma "moça" na delicadeza com que tratava seus amigos de fina estirpe.

            No auge do cangaço, alguns estudiosos tiveram contato com membros do cangaço e os descreveram como resolutos, bravos, vingativos e extremamente ignorantes, mas, também corajosos, generosos, sinceros e hospitaleiros. Nem por isso, pode-se esquecer os inúmeros crimes horrendos praticados por cangaceiros, um deles, José Baiano detestava mulheres que mantinham cabelo curto. Há relatos de estupros perpetrados por esse cangaceiro que marcava suas vítimas com ferro quente com suas iniciais, uma delas, cuja fotografia aparece no livro, foi marcada em uma das faces.

            Maria Gomes de Oliveira (Maria Bonita) seguiu Lampião no cangaço por sua livre vontade, mas nem todas tiveram essa opção. Havia dentre as mulheres, em grupos de cangaço, aquelas que foram obrigadas a seguir o cangaceiro que lhe raptou. O grupo de Lampião, foi pioneiro em admitir mulheres no bando, mas isso não era algo comum. Enquanto Sérgia Ribeiro da Silva (1915-1994), vulgo Dadá (esposa de Corisco), pegou realmente em armas, em geral, as cangaceiras não faziam a frente de luta (apesar de portarem pistolas e facas) e nem abriam mão de sua feminilidade. Eram para os cangaceiros um oásis de amor, paz e delicadeza em meio a rusticidade, a aspereza da caatinga e do cotidiano do cangaço. Filhos quando vinham eram enviados para adoção por pessoas devidamente selecionadas, às quais era enviada uma carta e a recomendação quanto ao nome para batismo.

             Lampião ficou rico com o cangaço e tinha amigos que cuidavam do seu tesouro, emprestava dinheiro a juros e cobrava os devedores inadimplentes com bilhetes ameaçadores. No sertão, embora houvesse compreensão com quem cometia homicídio, isto não acontecia no caso de roubo. Um cangaceiro, ao prestar depoimento, se exasperou com o delegado de polícia, que o acusou de roubo, disse-lhe que o chamasse de assassino, jamais de ladrão, pois não havia furtado, havia tomado bens à mão armada, ou seja, o proprietário estava presente e poderia ter defendido seus bens.

            Na obra, Mello relata que Cristino Gomes da Silva Cleto, vulgo Corisco, havia alertado Lampião que a Grota do Angico em Poço Redondo (SE) cheirava a defunto, Lampião que gostava de acampar ali, não lhe deu ouvidos, estava com excesso de confiança e abdicando de maiores cuidados quanto à proteção. No de 28 de julho de 1938, tendo obtido informações prévias da presença de Lampião e seu bando e, vindo do município de Piranhas (AL) que o tenente João Bezerra da Silva (1919-1955) de posse de três metralhadoras, encontraram o bando dormindo e fuzilaram-nos, sem que estes conseguissem reagir. As cabeças de Lampião e de seus integrantes foram decepadas e expostas na escadaria de prefeitura de Piranhas.

            Corisco foi o único cangaceiro do bando de Lampião a sobreviver, mas, tendo continuado a agir e a ameaçar a polícia foi morto dois anos depois. Dadá, sua esposa, foi presa e depois de ganhar a liberdade, refez sua vida, casou-se novamente e morreu em 1994. O ano de 1940, marcou oficialmente o fim do cangaço. O cangaço custou vultosa fortuna para o erário público de estados e da própria União. O enfrentamento definitivo do cangaço somente foi possível, com acordos feitos entres os entes federativos da União, afetados pela ação dos criminosos, no sentido de que diligências de um estado pudesse adentrar o estado vizinho quando em perseguição aos cangaceiros, frustrando manobra muitas vezes realizadas para escapar das volantes.

P.S. De forma alguma, essa resenha substitui o prazer e o conhecimento obtido com a leitura da obra!

 

Sugestão de boa leitura:

Título: Guerreiros do Sol: violência e banditismo no Nordeste.

Autor: Frederico Pernambucano de Mello.

Editora: CEPE, 2023, 612 p.

sábado, 26 de julho de 2025

Nós precisamos conversar sobre Lula!

 

            Há algum tempo, estou preocupado com você! Sabe, tenho o costume de ouvir mais e falar menos, afinal, sempre acreditei que, para isso, a natureza nos dotou de dois ouvidos e uma só boca. Rubens Alves (1933-2014) disse que "todo mundo quer aprender a falar, mas ninguém quer aprender a ouvir" e que "diante da profusão de cursos de oratória, a sociedade está precisando mesmo é de cursos de escutatória".

            Algumas pessoas, quando me encontram, desejam entabular diálogos, confrontando sua ideologia à minha, mas, sou professor, falo muito na escola e, muitas vezes desejo o silêncio, que não encontro em minha profissão. Dessa forma, costumo apenas ouvir as pessoas, foi assim com você, e, gosto disso, pois muitas vezes tenho inspiração para escrever sobre algum tema.

            Há mais de três décadas, você afirma que Lula é um analfabeto! Sério mesmo? Você conhece a história de Lula? Lula é um legítimo self made man! Aquele tipo de pessoa que a direita adora endeusar! Não o faz com Lula, porque ele está no outro lado do espectro ideológico.

            Você sabia que Lula nasceu em 1945, na localidade de Caetés, em Garanhuns - Pernambuco e, que para fugir da morte pela fome, veio com sua mãe e seus irmãos em um pau de arara (caminhão) para Santos, em busca de seu pai, que já mantinha outra família?

            Você sabia que o menino Lula teve que trabalhar como engraxate, vendedor, office-boy, etc. para ajudar a conseguir sustento para a família? E que sua família morava em local de risco e perdeu o barraco e tudo o que tinham numa enchente?

            Você sabia que Lula e seus irmãos, dada a pobreza em que se encontravam, priorizaram a sobrevivência? Optando por trabalhar (opção pelo imediato) e não por estudar Ensino Fundamental II, Médio e Superior (opção pelo futuro) devido a necessidade?

            Você sabia que Lula, nos poucos anos de estudo formal (atual Ensino Fundamental I) que teve, sempre se destacou como um dos melhores da turma? E que dado o seu enorme carisma, foi alçado pelos companheiros operários à liderança do movimento sindical? Em um momento em que ele mesmo era relutante?

            Você sabia que Lula, foi eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e que comandou greves, sendo por isso preso pela ditadura militar, sem no entanto, desistir ou fugir do país?

            Você sabia que Lula, quando era líder sindical, várias vezes foi convidado a participar de eventos da classe trabalhadora na Europa, na condição de palestrante? Nada mal para um analfabeto, não?

            Você sabia que Lula enviuvou duas vezes? E que sua primeira esposa morreu no oitavo mês de gestação e sua segunda esposa morreu enquanto Lula sofria um processo injusto, ilegal, pois, inconstitucional (lawfare).

            Você sabia que o "analfabeto" Lula foi um dos principais fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT)? E que Lula também foi um dos criadores da Central Única dos Trabalhadores (CUT)?

            Você sabia que Lula foi eleito o deputado federal mais votado em 1986, e fez parte da Assembleia Nacional Constituinte?

            Você sabia que Lula disputou seis eleições para presidente, perdendo as três primeiras e vencendo as três últimas? E que Lula está ocupando pela terceira vez o cargo de Presidente da República? Nada mal, para um analfabeto, hein?

            Você sabia que nenhum político brasileiro, na história nacional, foi mais tempo difamado e atacado com fake news pela mídia tradicional e alternativa do que Lula? E que nenhum político teve sua vida mais investigada e devassada do que ele e, inclusive seus familiares?

            Você sabia que Lula não pode comparecer aos velórios de um netinho e de um de seus irmãos, por estar injusta e ilegalmente preso? E que passou 580 dias preso, sem que nenhuma prova legal contra ele fosse encontrada? Em um processo internacionalmente reconhecido como de Lawfare, inclusive pela ONU, e que mais tarde foi anulado? E que teve como objetivo alijá-lo da disputa à presidência (2018) para que o candidato da extrema-direita tivesse chances reais de vitória, sendo o juiz (Sergio Moro) que o condenou, alçado ao cargo de Ministro da Justiça do presidente eleito (Jair Messias Bolsonaro), algo no mínimo, suspeito! Não é?

            Você sabia que Lula é muito conhecido e respeitado no exterior? Sendo recebido por rainhas, reis, e outras grandes autoridades que adoram posar a seu lado para fotografias? E que pensadores de outros países se surpreendem, com o fato de que os brasileiros não percebem ter como presidente, alguém que é do porte de Nelson Mandela (1918-2013), como afirmou o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica (1935-2025)?

            Você sabia que Lula tem seu nome internacionalmente vinculado ao combate à fome e à miséria? E que ele fez isso, porque ele próprio, poderia ter sido uma vítima fatal da fome em sua infância? Que ele não esqueceu de onde veio? E que a ONU reconheceu na figura dele, os esforços e os grandes resultados alcançados no combate à fome e à miséria no Brasil?

            Você sabia que Lula, encerrou seu segundo mandato (2010) com 83% de aprovação? Sendo considerado um dos melhores presidentes que o Brasil já teve? E que estudiosos consideram que no futuro, Getúlio Vargas (1882-1954) e Lula serão, por sua importância, os mais lembrados e estudados?

            Você sabia que Lula, várias vezes, na defesa dos interesses nacionais, se impôs perante líderes estadunidenses e europeus, mas soube dialogar amistosamente com nações menos poderosas que o Brasil?

            Você sabia que nos jardins da Casa Branca, em Washington - DC, há dez estátuas de grandes líderes  da história mundial e, que uma delas é de Lula, e que Lula é o único que foi homenageado em vida?

            Você sabia que Lula, dentre outras honrarias, tem 36 títulos de Doutor Honoris Causa, concedidos por Universidades do Brasil e de vários países do mundo? Nada mal para um analfabeto! Não?

            Você sabia que vários livros sobre ele foram escritos e publicados no Brasil e no exterior, inclusive por escritores estrangeiros? Nada mal para um simples analfabeto, não?

            Você disse que Lula é um analfabeto, mas você assistiu discursos integrais dele? sem os tradicionais cortes e edições de fake news que a oposição lança para desacreditá-lo? Como você tem estudo e diplomas, você se dispôs a ouvir com atenção e refletir sobre o conteúdo de sua fala? A essência de sua fala é a de um analfabeto comum?

             Lula não é um analfabeto, pois sabe ler e escrever. E lê mais livros do que muita gente estudada. Lula é um autodidata, uma pessoa dotada de grande poder de reflexão e de sensibilidade social. Isso é algo atestado por intelectuais que com ele convivem. Li várias vezes testemunhos em tal sentido. Lula aprende ouvindo (se cerca de intelectuais) e lendo livros e sobre eles refletindo.

            Uma pesquisa recente mostrou que enquanto o número de analfabetos no Brasil diminuiu, mesmo que lentamente, países vizinhos já exterminaram tal chaga social há várias décadas. Uma chaga persiste, o analfabetismo funcional, ou seja, pessoas que às vezes possuem até diploma do Ensino Superior, mas são incapazes de compreender a essência de um texto, seja ele em papel, ou da vida.

            Lula, pela definição do dicionário, não é analfabeto, menos ainda analfabeto funcional, pois, demonstra genialidade na percepção e compreensão dos fatos, seja de suas leituras, sempre com uma inteligibilidade ímpar, para falar e fazer se compreender ao/pelo povo comum do qual ele próprio é parte.

            Como disse, no início destas linhas, estou preocupado com você, afinal, você é da classe trabalhadora, portanto pobre, tem mais estudo que Lula, mas, não consegue entender que a inteligência não é alcançada apenas nos bancos escolares e, que muita gente sai da escola e da universidade tão pouco iluminada quanto quando nelas ingressou. Lembro de um colega professor que afirma que "diploma não encurta orelhas".

            É por isso que observamos trabalhadores, portanto pobres, sem capacidade de interpretar textos consequentemente sem consciência de classe,  votando e defendendo quem os oprime e dirigindo toda a forma de preconceito contra quem luta em seu favor. É a Alegoria da Caverna de Platão da vida real!

            Você disse que Lula é analfabeto! Sério? Você acredita mesmo nisso? È a sua parte racional ou sua parte emotiva que pensa isso? Será que o problema é Lula ou a sua própria incapacidade de análise?        Será que você está certo e pessoas do mundo todo estão erradas? Sabe, o preconceito revela mais sobre quem o emite do que sobre quem é alvo.

            Eu estou preocupado com você! Se você após ler estas linhas, ainda acredita que Lula é um analfabeto, só posso lhe desejar: melhoras!

 

sábado, 19 de julho de 2025

Autobiografia: o mundo de ontem - Stefan Zweig

 

Este humilde escriba e inveterado leitor, não considera bom um ano cujo menu literário a ser degustado, esteja desprovido de pelo menos um exemplar da safra de Zweig. No ano passado, nos esbaldamos, foram cinco livros. Doravante, para não esgotar rapidamente a fonte, pretendo ir com mais calma.

            Aos assíduos leitores desse espaço, não é necessário apresentar Stefan Zweig (1881-1942), porém, o faço, em respeito aos leitores que porventura possam estar em contato inicial com esta coluna. "Stefan Zweig foi um escritor, romancista, poeta, dramaturgo, jornalista e biógrafo austríaco de origem judaica. A partir da década de 1920 e até sua morte foi um dos escritores mais famosos, traduzidos e publicados do mundo" (Wikipédia).

            Stefan Zweig nasceu em Viena (Áustria) numa família abastada de origem judaica. Seu pai era industrial e que segundo o autor teria vivido a melhor época para se viver, pois era um tempo de paz, de avanços científicos e de progresso material do país e de seus habitantes. Zweig, por sua vez, não teve a mesma sorte, pois foi uma testemunha ocular da história nacional e mundial, pois presenciou a virada de século, a Primeira Guerra Mundial, o período da reconstrução e ascensão do nazifascismo e o início da Segunda Guerra Mundial.

            No livro, o autor escreve sua própria biografia, na qual considera que mais importante do que ele, são as pessoas brilhantes que conheceu e os fatos históricos que testemunhou. É realmente impressionante a lista de celebridades da música, Richard Strauss (dentre outros), artistas como Auguste Rodin (dentre outros) e da literatura, Thomas Mann, Joseph Roth, James Joyce, Sigmund Freud (dentre outros).

            O autor discorre sobre os tempos em que se podia viajar pelo mundo sem vistos no passaporte e também de uma Paris cosmopolita que a todos acolhia. Zweig nasceu e viveu sua adolescência e juventude na Áustria, um país que não valorizava o materialismo, mas a cultura, a música, o teatro, a arte.

            O jovem Stefan Zweig cursou as melhores escolas particulares, das quais não tem boas lembranças, pois foi nelas que aprendeu a odiar o autoritarismo. Nelas os jovens estudantes não eram vistos como seres em formação, e sim como indivíduos que deveriam buscar a excelência sempre.

            Zweig, quando jovem, decidiu fazer um curso universitário fácil, pois os tempos escolares não lhe ofertaram o prazer pelos estudos. Cursou filosofia, apesar de já ter descoberto em si, o prazer pela escrita, inicialmente pela poesia.

            Stefan tinha como hobby predileto o xadrez e, também o hábito de colecionar manuscritos e objetos de escritores e artistas famosos, inclusive participando de leilões para sua aquisição. Coleção que teve que se desfazer e até mesmo doar, pois na condição de judeu, teve que peregrinar pelo mundo para escapar das garras do nazismo.

            O autor sempre teve grande humildade e se espantava com o sucesso de suas obras, não julgava ser merecedor de tanto reconhecimento. Cosmopolita, adorava viajar pela Europa, inicialmente, a lazer ou para uma imersão cultural. Gostava, apesar de seu poder financeiro, de ficar hospedado em bairros populares, pois considerava que lá é que a vida de verdade acontecia. Com a carreira de literato consolidada, passou a viajar pelo mundo, promovendo palestras e o lançamento de seus livros em diferentes países.

            No livro, Stefan relata como percebeu os ventos das mudanças na Áustria e na Europa e, de que começou a se preocupar com o desenrolar dos fatos históricos (hoje conhecidos) enquanto muitos ainda mantinham a calma. Buscou alertar conhecidos seus, que pareciam crer que estava exagerando, pois julgavam estar do lado seguro da fronteira, numa Áustria cosmopolita e que acolhia bem os judeus.

            Zweig morava na pequena Salzburg, cidade de fronteira com a Alemanha, separada por um pequeno rio, de onde ficava sabendo os horrores da ascensão do nazismo naquele país. Livros começaram a ser queimados pelo nazismo, os seus estavam entre os proscritos. Na Itália, há algum tempo, o fascismo fizera o mesmo.

            Como dissemos, na condição de judeu, alertou os demais e seguiu rumo ao exílio, mudando de país sempre que o perigo nazista se aproximava. Esteve na Inglaterra, foi aos Estados Unidos, mas, se apaixonou pelo Brasil e sua gente.

            Escreveu a obra "Brasil: país do futuro" no qual tecia elogios, que sinceramente, nunca merecemos, em tempos atuais, menos ainda, com a ascensão da mesma ideologia de extrema-direita da Alemanha, inclusive com um grupo político se apropriando do lema nazista "Alemanha acima de tudo, Deus acima de todos".

            Stefan Zweig, escolheu a região serrana de Petrópolis para residir, e nela recebia informações sobre a destruição da Europa, juntamente com as notícias de parentes e amigos, mortos pelo regime nazista. Zweig, amava o velho continente e sonhava com uma Europa unida, muito antes de alguém sugerir a formação de qualquer coisa parecida com a União Europeia.

             Sem conseguir se adaptar ao novo mundo que surgia e, no qual ninguém conseguia parar os exércitos nazistas, Zweig e sua companheira, suicidaram-se (1942) com doses letais de barbitúricos, logo após o envio (para seus editores) da obra aqui resenhada para publicação. A casa onde viveu e morreu, é hoje um museu em sua homenagem.

 

Sugestão de boa leitura:

Título: Autobiografia: O mundo de ontem - memórias de um europeu.

Autor: Stefan Zweig.

Editora: Zahar, 2014, 400p.