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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico

 

O/a leitor(a), obviamente ouviu inúmeras vezes que a depressão é o mal do século, sendo diretamente relacionado à modernidade (ou pós-modernidade) em que vivemos. A pessoa com depressão não passa incólume ante os fanáticos religiosos que à doença ou transtorno mental atribuem uma vida de pecados e a necessidade de conversão, ou ainda, a visão reducionista de que tudo sempre se resume à questão biológica, pois, o cérebro não estaria produzindo o hormônio da serotonina. A verdade é que a depressão continua a ser um grande desafio para a ciência e, se ainda hoje determinar a origem do sofrimento de um indivíduo é como caminhar em meio a um forte nevoeiro não vendo muito além do chão onde se pisa, imagine algumas décadas atrás.

            Os autores Christian Dunker, Nelson da Silva Junior e Vladimir Pinheiro Safatle na obra "Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico" demonstram que a expansão do neoliberalismo trouxe em seu bojo a multiplicação dos casos de depressão, sendo tal doença ou transtorno mental detalhadamente descrita quanto às suas características, porém, tal grau de investigação não é realizado quanto à causa comum (o neoliberalismo). O Neoliberalismo (novo liberalismo) é muito mais que uma retomada dos ideais do Liberalismo Clássico tal como proposto pelos pensadores clássicos Adam Smith (1723-1790) e David Ricardo (1773-1824) ou seja, é a sua radicalização. Não se trata apenas de implantar o ideário neoliberal na economia e na gestão dos governos, mas de fincar raízes na mentalidade e na moralidade dos indivíduos que compõem a sociedade. Isso fica evidente na fala da então Primeira Ministra do Reino Unido Margareth Thatcher (1925 - 2013) quando disse "A economia é apenas um meio, nosso objetivo é mudar mentes e corações".

            O Neoliberalismo tem como objetivo construir uma sociedade livre (para o capital), baseada no Estado Mínimo, no individualismo, na quebra da solidariedade, no desmonte das leis trabalhistas, no enfraquecimento dos sindicatos, na despolitização da vida e na formação de um sujeito incapaz de pensar sobre sua própria realidade. Para atingir tais objetivos, o pensador neoliberal Friedrich Von Hayek (1899-1992) disse preferir uma "ditadura liberal a uma democracia sem liberalismo", essa frase fala por si só, nada mais é necessário acrescentar quanto ao caráter antidemocrático do Neoliberalismo que teve no Chile, sob a ditadura do General Augusto Pinochet, seu principal laboratório. Nos tempos atuais, o indivíduo jogado na informalidade devido à escassez da oferta de emprego formal é chamado de "empreendedor", mesmo que na imensa maioria dos casos preferisse ter um emprego formal e os direitos trabalhistas dele resultantes.

            Os trabalhadores, rebatizados como "colaboradores", numa tentativa de mascarar a exploração do trabalho e da luta de classes, afinal, o colaborador é quem colabora no processo e não quem de fato produz a riqueza, além disso, o ato de colaborar é "voluntário", embora a necessidade da sobrevivência ditada pelo Neoliberalismo não dê ao indivíduo outra possibilidade, apesar do discurso da liberdade para vender sua mão de obra no mercado, é o mercado que fixa o valor desta pela Lei da Oferta e da Procura. O mercado, por sua vez, considera como ideal a existência de razoável número de desempregados para não haver pressão sobre o valor da mercadoria mão de obra, majorando-a.

            A flexibilização dos direitos trabalhistas nada mais é que a destruição dos mesmos para possibilitar uma maior acumulação capitalista com o aumento da exploração da mão de obra, agora ainda mais precarizada. O indivíduo que abre uma microempresa individual e passa a prestar serviços para a empresa em que sempre trabalhou, agora é um "empresário de si mesmo", ou seja, torna-se escravo de si próprio. O seu rendimento financeiro está relacionado ao seu desempenho na prestação do serviço. Em busca de migalhas a mais, passa a ter uma forte auto-cobrança, precisa performar e melhorar mais. Seja pela exaustão ou visando ter melhor performance não são poucos os que recorrem aos médicos, ou seja, o Neoliberalismo esgota o trabalhador e lucra com sua exaustão vendendo os farmacológicos que lhe darão a pílula da felicidade ou da melhor performance.

            Seja no trabalho formal ou no assim chamado "empreendedorismo", os indivíduos são cobrados ou se cobram cada vez mais. O que fazem nunca é bom o suficiente (qualitativamente/quantitativamente). Estão sempre em débito com os outros ou consigo próprios. A necessidade de uma melhor performance quase nunca alcançável dado o grau de exigência os leva à incerteza, à insegurança, à angústia e a frustração. A doutrinação neoliberal impõe a culpa do fracasso no indivíduo, este por sua vez adoece com o sentimento de inadequação e da constatação de que não é produtivo o suficiente.

P.S. A obra é de grande profundidade teórica e o tema vasto e complexo. Este artigo constitui breve noção do tema retratado na obra. Fica a dica!

 

Sugestão de boa leitura:

 

Título: Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico.

Autor: Christian Dunker; Nelson da Silva Junior e Vladimir Pinheiro Safatle.

Editora: Autêntica, 2021, 288 pág.


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