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domingo, 12 de outubro de 2025

Ser rico e de esquerda é fácil?

 

            Há alguns dias, o apresentador Ratinho dirigiu fortes críticas a algumas celebridades, tais como o músico multi-instrumentista Júnior Lima, que se posicionou contra a anistia aos criminosos golpistas. Sobre Júnior, disse que ele não tem o talento da irmã Sandy, da qual teria resultado o sucesso da dupla. Penso que ser multi-instrumentista é uma mostra de enorme talento, Ratinho, talvez não pense assim. No entanto, sobre um dos componentes de uma dupla ou banda dominar os vocais é algo comum. Mick Jagger é a voz dos Rolling Stones, mas, ninguém afirma que os demais Stones não tenham talento e contribuído para o sucesso da banda, a menos que eles venham a fazer falas contra a anistia e afirmem ser de esquerda.

            Penso ser infeliz e também ingênua a afirmação de que "para ser de esquerda, tem que ser aquele pobre que não acredita mais na vida". Essa ideia é desmontada com um exemplo histórico contundente: Friedrich Engels (1820-1895), um homem muito rico, foi co-autor intelectual da obra de Karl Marx (1818-1883). Juntos, buscaram instrumentalizar a classe trabalhadora para construir uma sociedade mais justa. A luta por justiça social, portanto, não é uma questão financeira, mas de consciência social e filosófica. O pensamento de Ratinho é invertido, pois se alguém pobre é de esquerda, é justamente porque acredita profundamente na vida e na possibilidade de torná-la melhor, recusando-se a se contentar com as migalhas do sistema.

            Quanto a sua fala de que os artistas "globais" serem todos de esquerda, isso é um equívoco, pois nem todos têm a consciência de seu tempo, mas assim deveria ser, porque como os Titãs já cantaram, "a fome não é só de comida, mas de arte e de uma vida que vale a pena ser vivida", para além de meras peças da engrenagem do sistema capitalista. O artista imprescindível (ler "Sobre o artista e a consciência de seu tempo" publicado neste espaço em 04/10/2025) tem uma sensibilidade, que pessoas comuns não têm, pois "não fazem seu público de tonto" fazendo discursos embasados no senso comum.

            Encerro afirmando que ser de esquerda, rico ou pobre, é difícil, exige muito estudo, reflexão e uma vida de árdua luta contra as injustiças. Para o rico, especificamente, é um desafio ainda maior, pois significa nadar contra a maré de seus pares, resistir ao status e ao conforto "para manter a solidariedade acima do egoísmo", como definiu o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica (1935-2025).

 

sábado, 4 de outubro de 2025

Sobre o artista e a consciência de seu tempo: homenagem a Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque

 

            Há uma ideia que me toca profundamente: a de que o artista carrega a missão de ter a consciência do seu tempo. Não basta o talento bruto, a técnica apurada. Para ser verdadeiramente imprescindível, ele precisa ler o mundo ao seu redor, sintonizar-se com os anseios da sua gente e transformar a arte em um instrumento de reflexão e mudança.

            Esse artista necessário não é um alienado, um mero negociante de suas obras. É um ser que medita sobre as agruras e os sonhos da sociedade. Através da sua criação, ele afina nossa percepção, aguça nossos sentidos e nos guia em um reencontro conosco mesmos e com o coletivo. E no Brasil, nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque personificam esse ideal. Eles já seriam eternos apenas pela imensa beleza que trouxeram à nossa MPB, mas sua grandeza vai além das notas e versos.

            Recentemente, vimos essa trinca de gigantes, mais uma vez, usando suas vozes e sua inabalável consciência política. Uniram-se para mobilizar a população contra a impunidade que historicamente protege criminosos golpistas e em repúdio a projetos que visam blindar parlamentares. A cena é poderosa: os mesmos jovens que um dia enfrentaram a ditadura militar, agora idosos mas incansáveis, seguem na linha de frente, defendendo a democracia com a mesma chama. A frase "da luta ninguém se cansa" parece ecoar em suas existências.

            Ficamos pensando que deveriam ser imortais, mas sabemos que a imortalidade pertence apenas à sua obra. Eles se tornam gigantes não só pelas canções que compuseram, mas por terem usado, durante toda a vida, seu lugar de fala para oferecer um farol a um povo tão castigado pela realidade, um povo que, na labuta diária, por vezes esquece de sonhar. Eles nos lembram que podemos e devemos acreditar em dias melhores.

            Não sou poeta para homenageá-los como merecem, mas como um brasileiro que ama este país, deixo meu tributo: Caetano, Gil e Chico, vocês são, de fato, imprescindíveis. A vocês, nossa eterna gratidão.