Sempre tive a convicção de
que a elite brasileira é a responsável pelo fracasso do Brasil como nação. Em
2015, me referi a ela como o Cavalo de Tróia Tupiniquim. Essa elite nacional é o
presente de grego entregue pelas metrópoles ao país para que este jamais ocupe
o papel de potência para o qual sempre entendi sê-lo naturalmente destinado.
Ainda em 2015, escrevi um artigo intitulado “A Casa Grande e os Capitães do
Mato” em que discorria sobre o papel de capitães do mato exercido por
significativa parcela da classe média, para a qual nunca poupei críticas, e em
consonância com Marilena Chauí que afirmou ser esta violenta, fascista e
ignorante, também a assim considero. Há algum tempo soube do pré-lançamento do
livro “A elite do atraso: da escravidão à Lava jato” de Jessé Souza e o
adquiri. Agora, passado um ano, o livro virou best-seller e seu autor Jessé
Souza passeia em meio ao barulho que sua obra causa nos circuitos acadêmicos e
populares. Jessé ousou construir uma obra que rompesse com o academicismo,
pois, visava sua popularização, ou seja, ir além do circuito acadêmico e ser entendida
por todos. O público leigo e não os doutores eram o seu objetivo. Souza foi
ousado também ao tecer críticas fundamentadas ao que até aqui se considerou
como cânones da sociologia nacional (Gilberto Freyre, Sergio Buarque de
Holanda, Raimundo Faoro e Roberto Damatta) e causou um abalo tão grande ao
edifício que sustenta a teoria sociológica nacional que somente é menor que aquele
causado pelo golpe de 2016 (que impôs ao país um gigantesco estrago
socioeconômico), para cujos responsáveis, não poupa críticas.
O Brasil vive uma crise homérica, e, momentos de crise
são ocasiões em que um país, seu povo e suas instituições podem se reinventar.
Mas, seja no plano individual ou coletivo, não há como se reinventar sem saber
a sua origem, a sua identidade, aquilo que faz com que um povo ou alguém seja o
que é. A contribuição de Jessé Souza vem nesse sentido: lançar luzes sobre o Brasil
e os brasileiros para entender quem somos e porque o somos. Souza tece duras
críticas a Gilberto Freyre ao questionar o continuísmo com Portugal, tese que
fundamentou no meio popular a ideia de que somos um povo e um país inferior
porque fomos colonizados pela nação ibérica e que se tivéssemos sido
colonizados pela Inglaterra talvez tivéssemos outra sorte. A verdade é que há
nações colonizadas pela Inglaterra e também não tiveram melhor destino, pois, embora
os fatores históricos sejam preponderantes, muitas vezes a estes se somam os
fatores geográficos a selar o destino das nações. Jessé critica também Sergio
Buarque de Holanda e Roberto Damatta, pois, suas respectivas teorias do
brasileiro cordial (dos instintos, do corpo em oposição às virtudes do espírito
de europeus e anglo-saxões) e do jeitinho brasileiro fundamentam o vira-latismo
nacional.
Souza também critica a tese de Raimundo Faoro de que o
patrimonialismo é uma herança portuguesa, pois, tal conceito inexistia naquela
época (anterior à Revolução Francesa) e o patrimonialismo no Brasil é
considerado uma manipulação grosseira, pois, embora haja a corrupção dos
agentes políticos no seio do Estado, é o Mercado incensado como beato e
imaculado o verdadeiro e gigantesco agente da corrupção. O Mercado, por meio de
grandes corporações nacionais e estrangeiras utilizando-se de estratagemas
ilegais que devidamente legalizados por parlamentares e magistrados lançam-se
ao saque do tesouro nacional desde a mais tenra infância do Brasil no cenário
internacional. Jessé critica a USP e os intelectuais dela oriundos que por meio
de suas teorias fundamentadas em ideias equivocadas serviram à manutenção do status quo nacional como uma das nações
mais injustas do mundo no tocante à distribuição de renda. Critica ainda a
esquerda que, alienada não percebeu a armadilha em que caiu e acabou por
fortalecer uma ideologia que lhe é contrária. Afirma ser a nossa herança
escravocrata a raiz de nossos problemas. A elite menospreza as classes
populares e por elas têm verdadeiro ódio, mas, terceiriza esse ódio utilizando
a classe média como massa de manobra. A classe média (elite do capital cultural)
inveja a elite do capital financeiro e odeia as classes populares. Isso se dá
respectivamente tal como os senhores da Casa Grande (elite do capital financeiro)
e os Capitães do Mato (classe média) odiavam os escravos. Segundo Souza, somos
um país que não progride porque nossas elites estão mais preocupadas em impedir
os avanços dos menos afortunados e preferem a dominação estrangeira de nossa
economia e riquezas a ver a ascensão da ralé. E como afirmar em alto e bom som
que odeia pobre é algo que vai contra a suposta nobreza da alma que julgam
possuir, essas “nobres” elites preferem manifestar seu ódio contra os políticos
e partidos que em benefício dos pobres fazem algo lhes atribuindo os piores
adjetivos possíveis, e, para isso contam sempre com o apoio do onipresente partido
da imprensa golpista (PIG), para desinformar e manipular, levando os dominados
a odiar as vítimas e a admirar os opressores. Ao ler essa obra magistral, senti
uma pontinha de satisfação, pois, dentro das minhas limitações intelectuais e
de leitura, já havia conseguido enxergar, mesmo que de forma míope, o que Jessé
Souza revela com lentes de aumento: a realidade nacional, nua e crua!
Sugestão
de boa leitura:
A
Elite do Atraso: da escravidão à Lava Jato - Jessé Souza. Rio
de Janeiro, Ed. Leya, 2017.
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