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sábado, 30 de agosto de 2025

As mentiras que os homens contam

 

Luis Fernando Veríssimo (1936) é um escritor, humorista, cartunista, tradutor, roteirista, dramaturgo e romancista brasileiro. É ainda músico, tendo tocado saxofone em alguns conjuntos. Com mais de oitenta títulos publicados, é um dos mais populares escritores brasileiros contemporâneos (Wikipédia).

            Tenho centenas de livros não lidos em casa, mas, sempre faço olho gordo a algum livro de minha esposa ou que algum(a) colega professor(a) está lendo e, após ver por dias seguidos, abandonado em uma mesa na sala de professores de minha escola, o livro que dá título a esse artigo, convidando à leitura, tomei-o emprestado sem saber de quem, ao me ver lendo-o, uma professora revelou ser a dona e autorizou o empréstimo, que já estava em curso.

            A época era propícia, fechamento de trimestre escolar, dado o agigantamento do trabalho característico desse momento, em que os professores deixam de viver e apenas sobrevivem. Uma leitura leve e com o bom humor e a sagacidade de Luis Fernando Veríssimo, vinha mesmo a calhar.

            Lembro que, o escritor que nunca se omitiu em posicionar-se politicamente e sempre defendeu a pauta progressista, desferiu críticas ao governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), que as sentiu fortemente e, em resposta, afirmou que Luis Fernando era escritor menor que seu pai Érico Veríssimo (1905-1975).

            Eu duvido que Luís Fernando tenha tomado como crítica a fala de FHC. Para ele deve ter soado algo assim: "Lionel Messi joga mais futebol do que você"! e ele,  diria: óbvio!!! Quem em sã consciência, sendo filho ou não, teria a pretensão de superar o gigante literato Érico Veríssimo?

            Meu primeiro contato com a obra do autor foi com o livro "todas as histórias do Analista de Bagé", com as histórias absurdas e muito divertidas da famosa e impagável personagem. Muito atarefado e estressado, foi aos poucos que a leitura da obra "As mentiras que os homens contam" me ganhou, aliviou meu estresse e pude rir um pouco com as quarenta histórias bem humoradas e criativas.

            Deixo a dica e, também o registro da minha concordância com o autor, em gênero, número e grau de que "nós homens, não mentimos, apenas inventamos histórias para proteger as mulheres".

            Muita força Luis Fernando Veríssimo!!!

Sugestão de boa leitura:

Título:  As mentiras que os homens contam.

Autor: Luis Fernando Veríssimo

Editora: Objetiva, 2001, 166 p.


P.S. Infelizmente, na data da publicação desse artigo, Luis Fernando Veríssimo deixou esse plano! Obrigado Luis Fernando Veríssimo por sua contribuição à literatura brasileira e por seu posicionamento político sempre a favor dos mais humildes!

domingo, 24 de agosto de 2025

A Rússia na Guerra Fria 2.0 - Parte 6

 

           

        O presidente Donald Trump (1946) e o seu homônimo russo Vladimir Putin (1952) realizaram no dia 15 de agosto de 2025, um encontro carregado de simbolismo na base americana Elmendorf-Richardson em Anchorage, no Alaska (EUA). O Ministro das Relações Exteriores russo Sergey Lavrov chegou ao território americano com uma camiseta com as iniciais da União Soviética como que a dizer: "a URSS e seu poder militar ainda habita na pátria russa".

        A reunião tinha como pauta, mas não obviamente a única e, para Putin, talvez, nem mesmo a principal, a questão da guerra entre Ucrânia e Rússia, embora essa pauta fosse importante para Trump, que adoraria encontrar uma solução para tirar os EUA e a OTAN da enrascada de apoiar uma guerra cara e, cuja possibilidade de vitória é inexistente (pois, traria a hecatombe nuclear) e, de quebra, quem sabe, ganhar um prêmio Nobel da Paz, algo em nosso ver, absurdo, mas, que Obama provou não ser impossível.

        Na pauta de Putin, além dos termos já conhecidos para a paz, considerados inaceitáveis pela Ucrânia, certamente está a redução ou o fim das sanções econômicas e políticas contra a Rússia, a reintegração da Rússia no G-8, o início do esboço ou redesenho da Ordem Mundial, na qual os papeis de cada potência precisam ser delimitados para evitar embates perigosos, sendo que na visão de Trump, os EUA não podem enfrentar russos e chineses ao mesmo tempo, como pensavam os democratas da gestão Biden, para Trump, a China representa o maior perigo para os Estados Unidos.

        A frase na camiseta de Lavrov é justificada com o desenrolar atual da referida guerra que, em seu início, acreditava-se que a vitória russa seria questão de poucas semanas, porém com a forte entrada da OTAN (liderada pelos EUA) fornecendo equipamento bélico, inteligência e, a imposição de fortíssimas sanções econômicas e políticas do ocidente contra a Rússia, o prognóstico passou a ser de que a Rússia desabaria economicamente, a guerra perderia apoio interno e Putin seria derrubado.

        Ledo engano, a Rússia resistiu, avança na tomada de territórios ucranianos e sua economia cresceu estimulada pelo esforço de guerra, Putin tem apoio popular, pois a população entende que o ocidente faz uma cruzada (via OTAN) para cercá-la e enfraquecê-la e o espírito russo é conhecido: o de lutar até o último homem e, a Rússia tem mais população para defender sua pátria do que a Ucrânia.

        Os líderes das nações se encontraram e, enquanto Putin, um ex-agente da KGB e talvez, o mais brilhante estrategista geopolítico dentre os líderes das grandes nações, caminhava no tapete vermelho com seu característico "andar do pistoleiro" ao lado do magnata e apresentador de reality shows Donald Trump, agora no papel de presidente da nação mais rica do planeta, numa demonstração de força pensada para o evento, um bombardeiro B-2 escoltado por quatro f-35, todos com capacidade stealth, fizeram um voo baixo nesse exato momento.

        Os Estados Unidos mostravam seus músculos, visando intimidar, mas, o oponente pareceu estar, à vontade no encontro, falou de tempos de união contra o inimigo nazista, da preservação de nomes russos em lugares do Alaska e elogiou a escolha do local, pois, as nações distam apenas quatro quilômetros (limites entre ilhas no Estreito de Bering). Putin pisou firme em solo estadunidense, Trump é que não parecia estar à vontade, afirmou que não houve acordo, que se tratavam de conversas iniciais e de que outras deverão ser feitas com o presidente da Ucrânia e com os líderes da OTAN.

        O caminho para a paz é sempre longo e envolve muitas negociações. Um bom acordo de paz é aquele que as partes envolvidas, saem com alguma frustração, pois não podem ter tudo, afinal, é necessário também ceder alguma coisa. Os EUA e a Europa erraram ao não envidar maiores esforços para evitar a guerra na Ucrânia e, ante a resistência heróica do povo ucraniano, se iludiram com a possibilidade de levar a Rússia à derrocada e assim enfraquecer a tentativa sino-russa da construção de uma Nova Ordem Mundial Multipolar. Essa Nova Ordem é algo inevitável, salvo uma guerra direta, cujo resultado mais previsível é apocalíptico.

        O estrategista prussiano Carl Von Clausewitz (1780-1831) afirmou: "A guerra é a continuidade da política por outros meios". Há uma frase na geopolítica que diz "é fácil prever como uma guerra iniciará, mas, jamais como terminará". O tarifaço de Trump, a mudança de parcerias comerciais entre os países, a desglobalização, a contestação à Ordem Mundial Unipolar, as questões geoestratégicas mundiais, o petróleo do Oriente Médio e da Venezuela, a cobiça estadunidense pelas terras raras groenlandesas (Dinamarca/União Europeia), chinesas e brasileiras, as guerras regionais pelo mundo, o genocídio em Gaza levado à cabo pelo segregacionista Estado de Israel, etc. Enquanto houver espaço para diálogo, a esperança persiste, no entanto, existem muitos atritos regionais no planeta e, o risco de uma faísca incendiar o mundo nunca foi tão grande.







sábado, 16 de agosto de 2025

Os Bórgias

 

Alexandre Dumas (1802-1870) foi um romancista e dramaturgo francês que, apesar de sua extensa e maravilhosa obra, é mais conhecido por ser o autor de Os Três Mosqueteiros e de O Conde de Monte Cristo. Dumas, cuja família tinha um pé na nobreza e outro na senzala, trafegou como ninguém, ao escrever obras retratando realidades tão díspares. Digo isso, pois Dumas teve ancestrais da nobreza francesa e teve como pais, um militar renomado, o General Dumas (Thomas Alexandre) e uma escrava liberta (Marie-Césette Dumas).

            A obra "Os Bórgias" pretende ser uma ficção histórica acerca da família de origem espanhola que, acumulou grande fortuna e poder na Itália. A família emplacou dois papas, Alfonso de Bórgia (Papa Calisto III) em 1455 e teve seu apogeu de riqueza e poder  com a ascensão de Rodrigo Bórgia (Papa Alexandre VI).

            O papado de Alexandre VI (1492-1503), foi marcado por escândalos, manipulações, corrupção, guerras e assassinatos. Sua eleição foi por meio da compra de votos de Cardeais. Tal estratégia custou ao Cardeal Rodrigo Bórgia, uma verdadeira fortuna. Bórgia via neste movimento, um investimento cujo retorno na forma de poder e dinheiro seria garantido.

            Rodrigo Bórgia teve várias amantes, sendo que com uma delas, teve quatro filhos (três homens e uma mulher). Foi um homem sempre à busca de alianças visando manter o poder para si e sua família. Com tal intento, utilizava-se de alianças matrimoniais, com a sua belíssima filha Lucrécia, cujos noivados/casamentos eram desfeitos, conforme a conjuntura política. À Lucrécia restava obedecer.

            O Papa Alexandre XI, foi provavelmente, o mais perverso e certamente, o mais polêmico Papa. Seu papado baseou-se na venda de simonia (cargos e benefícios eclesiásticos), e na prática de nepotismo. Como encaminhou algumas boas almas ou nem tão boas almas para o paraíso com vinho "batizado" (se é que vocês me entendem), cercou-se de familiares, pois não confiava em ninguém.

            Alexandre XI garantiu poder e patrimônio a seus filhos. Destes, César foi alçado a Cardeal, mas preferiu abandonar o cargo eclesiástico e assumir o posto militar de general, tornando-se o braço direito armado de Alexandre VI. Naquele período, o Vaticano mantinha um exército (na acepção da palavra) e pretendia unificar os Estados da Igreja. Á época, a Itália (moderna) ainda não existia, haviam vários Estados que, via de regra encontravam-se sempre às turras, com períodos de paz conforme as famílias que ascendiam ao poder.

            A obra, como dissemos, é classificada como ficção histórica, no entanto, dá a impressão de ser uma literatura-reportagem, não por seu conteúdo, mas pela característica de sua escrita, que carece do espírito romanesco. Fica a dica!

 

Sugestão de boa leitura:

Título: Os Bórgias.

Autor: Alexandre Dumas.

Editora: Principis, 2021, 256 p.

            

sábado, 9 de agosto de 2025

A importância do ato de ler

 

        


Paulo Freire (1921-1997), mestre eterno da educação, denuncia em sua obra "A importância do ato de ler", o absurdo do analfabetismo que persiste no mundo, mesmo no século XXI. Para ele, ler vai além de decifrar letras: é interpretar criticamente a realidade, a "leitura do mundo". Sua luta não era só alfabetizar, mas emancipar, transformando a sociedade a partir da consciência crítica.

            Freire criticava a educação mecânica e defendia a "leiturização", ou seja, entender e intervir nas questões sociais. Infelizmente, ainda estamos longe disso, especialmente nos países pobres, onde o analfabetismo e a "má formação" (pessoas que leem, mas não refletem) perpetuam desigualdades. Muitos, mesmo com diplomas, têm visões limitadas do mundo, repetindo opiniões vazias sem compreender o contexto em que vivem.

            A verdadeira leitura exige reflexão sobre o vivido e o lido, desvendando a essência das coisas. A educação não pode ser neutra, como pregam os defensores do neoliberalismo, afinal, essa falsa neutralidade serve aos interesses da elite. Cabe aos educadores despertar nos alunos a consciência crítica, mostrando que o sistema atual concentra riqueza e gera fome.

            Freire nos convoca à coerência: unir teoria e prática, sonhar com uma sociedade justa e lutar por ela. "Estudar é um ato revolucionário", dizia, pois só o conhecimento liberta. O Brasil, foi criado "de cima para baixo" e precisa ser reinventado pela educação popular, onde todos sejam construtores da história, não espectadores.

            Tal qual o filósofo Sócrates, "sabemos que nada sabemos", mas seguimos aprendendo, porque transformar o mundo começa pela leitura crítica dele. Afinal, ninguém ignora tudo, ninguém sabe tudo, mas todos podemos lutar por justiça social.

 

Sugestão de boa leitura:

Título:  A importância do ato de ler: em três artigos que se completam.

Autor: Paulo Freire.49 ed., São Paulo, Cortez, 2008.

Editora: Cortez, 2008, 49 ed., 104 p.

sábado, 2 de agosto de 2025

Guerreiros do Sol (com spoiler)

 

Há alguns dias, devido o recesso escolar, resolvi escolher um livro que fosse interessante e cuja leitura não exigisse grande concentração, afinal, a mente, o instrumento de trabalho de todo professor, também precisa de descanso. Eis que me deparo com o livro Guerreiros do Sol: violência e banditismo no Nordeste do escritor Frederico Pernambucano de Mello (1947). Na ocasião, ainda não tinha conhecimento da série de título homônimo do canal de streaming Globoplay, que pretendo assistir brevemente.

            O escritor escocês Charles MacFarlane (1799-1858) citado no livro de Mello, afirma acertadamente: "Existem poucos assuntos que nos interessem mais que as aventuras de salteadores e bandidos". Provavelmente foi essa a causa da escolha que fiz dessa obra, mesmo já tendo lido alguns clássicos sobre o tema.

            Ao iniciar a leitura, observo que a obra, não traz apenas relatos históricos, mas toda uma discussão sociológica, geográfica, histórica e política sobre o cangaço, sua origem, extensão, personalidades principais e partícipes. Mesmo assim, dada a boa escrita do autor, a qual torna a leitura prazerosa, não desanimei e encarei o calhamaço.

            Ao tratar do tema do cangaço, uma das perguntas sempre feitas, é o que levou tais pessoas dele participarem. Houve escritores que afirmaram se tratar de uma revolta contra o monopólio da terra e a exploração do trabalhador rural pelo latifundiário; Houve quem considerasse que o cangaço era uma revolta contra o capitalismo explorador, mesmo que seus atores (cangaceiros) fossem ignorantes da teoria marxista que, no entanto, agiam imbuídos pelo sentimento intrínseco. Também há aqueles que viram no cangaço, uma resposta ao autoritarismo dos coronéis políticos do sertão.

            Segundo Frederico, não há um único motivo, mas três, a saber: 1. O cangaço como meio de vida, na qual os criminosos, têm no cangaço, a sua forma de subsistência, sendo que muitos chegaram a enriquecer no ofício e se "aposentaram", indo morar em paragens em que não eram conhecidos (muitos não viveram para tal). 2. O cangaço de vingança, quando os criminosos entraram para o cangaço, para fazer a vingança, seja de um pai/irmão assassinado ou de uma moça da família que tenha sido deflorada e que deixaram o cangaço após a realização da vingança. 3. O cangaço como refúgio que trata-se de homens que cometeram crimes, tais como homicídios e/ou estupros e têm a cabeça a prêmio, dessa forma entram para o cangaço para ter maior proteção, sendo que dele não podiam se retirar.

            Surpreendentemente, o cangaço também recebeu rapazes das melhores famílias, sem qualquer  influência doméstica e, sem um motivo aparente que não a imaginação fértil, da vida de aventura e suposto heroísmo, prova de fogo de sua masculinidade. Tais jovens sumiam de suas casas e, depois a família, atônita recebia a notícia de que estavam fazendo parte de algum grupo de cangaço. Há relato de um cangaceiro que não soube explicar por que entrou para o cangaço.

            Na obra, Mello descreve os papeis de sertanejos, cabras, capangas, jagunços, pistoleiros e cangaceiros. Descreve ainda os hábitos dos cangaceiros que abusavam de perfumes, jóias e roupas com detalhes bordados com uma vaidade que não ficava aquém do sexo feminino. Também suas crenças (religiosas ou não), como a de que após o ato sexual o homem perdia sua "oração" e ficava vulnerável às balas, por isso era melhor, não ter mulher no bando.

            O cangaço foi um fenômeno que ocorreu no século XIX e XX, sendo o apogeu de 1870 a 1940. Estudos demonstram que após as grandes crises de seca no sertão nordestino, as ações dos cangaceiros se intensificavam. Frederico classifica os surtos de cangaço como endêmicos em alguns períodos que ficaram restritos a algumas áreas específicas e como epidêmicos quando se disseminava por grande parte da região nordeste.

            O sertão nordestino nos estados de Bahia, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará foi o ambiente ideal para que os criminosos agissem, utilizando a estratégia de guerra de guerrilha, atacavam fazendas, vilas e cidades e se embrenhavam na caatinga, fazendo longas caminhadas diárias, para surgir em um local distante, para fazer nova surtida. A geografia do sertão nordestino quanto ao relevo, ao clima e à vegetação é perfeita para os criminosos se esconderem, pois se tornaram exímios na orientação e deslocamento e faziam seus locais de descanso em pontos estratégicos para o enfrentamento, caso fossem surpreendidos.

            É importante dizer que os cangaceiros não tinham patrão, e em suas longas travessias, eram protegidos por alguns fazendeiros que lhe davam pouso temporário, para fins de descanso em suas terras e, que por isso eram chamados de coiteiros. Os fazendeiros em troca recebiam "proteção" dos cangaceiros, mas, não havia relação de submissão de nenhuma das partes, que se beneficiavam mutuamente desse esquema. Também coronéis políticos da região mantinham relações de troca de favores com cangaceiros. 

            A sociedade sertaneja não gostava da polícia, que era considerada muito violenta e muitas vezes repassavam informações de sua chegada aos cangaceiros. Havia dentre os cangaceiros, alguns que distribuíam algum dinheiro para as pessoas pobres por onde passavam. Também não se pode romancear o período, pois os ataques de grupos de cangaço à localidades sertanejas costumavam resultar em saques, destruição, mortes e estupros, principalmente quando havia resistência da população local.

            Os cangaceiros sempre afirmavam ter um "escudo ético", ou seja, um motivo que os levou para o mundo do crime. A crença popular era a de que no sertão quem não se vinga, já está moralmente morto. Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião (1898-1938) afirmava que tinha entrado para o cangaço para se vingar de seus desafetos José Saturnino e do tenente José Lucena.

            Apesar de seu escudo ético, estudos mostram que Lampião nunca se esforçou em fazer sua vingança. Há até um relato de um famoso pistoleiro que se ofereceu para "fazer o serviço" para Lampião, mas este afirmou que não precisava, pois era assunto antigo, caduco, tendo agradecido a oferta com alguns agrados materiais, uma faca finamente acabada e algum dinheiro.

             Por esse motivo, Lampião é classificado como integrante do cangaço meio de vida. Lampião, sempre que era questionado sobre por que não aproveitava a fortuna que tinha e se retirava do cangaço, se irritava e devolvia a resposta com uma pergunta: o senhor se retiraria de um negócio que está rendendo bem?

            Lampião, em que pese, a sua fama de violento e cruel, e isso é verdadeiro, em muitas  ocasiões, com fazendeiros e autoridades que lhe eram bem quistas, foi relatado como uma "moça" na delicadeza com que tratava seus amigos de fina estirpe.

            No auge do cangaço, alguns estudiosos tiveram contato com membros do cangaço e os descreveram como resolutos, bravos, vingativos e extremamente ignorantes, mas, também corajosos, generosos, sinceros e hospitaleiros. Nem por isso, pode-se esquecer os inúmeros crimes horrendos praticados por cangaceiros, um deles, José Baiano detestava mulheres que mantinham cabelo curto. Há relatos de estupros perpetrados por esse cangaceiro que marcava suas vítimas com ferro quente com suas iniciais, uma delas, cuja fotografia aparece no livro, foi marcada em uma das faces.

            Maria Gomes de Oliveira (Maria Bonita) seguiu Lampião no cangaço por sua livre vontade, mas nem todas tiveram essa opção. Havia dentre as mulheres, em grupos de cangaço, aquelas que foram obrigadas a seguir o cangaceiro que lhe raptou. O grupo de Lampião, foi pioneiro em admitir mulheres no bando, mas isso não era algo comum. Enquanto Sérgia Ribeiro da Silva (1915-1994), vulgo Dadá (esposa de Corisco), pegou realmente em armas, em geral, as cangaceiras não faziam a frente de luta (apesar de portarem pistolas e facas) e nem abriam mão de sua feminilidade. Eram para os cangaceiros um oásis de amor, paz e delicadeza em meio a rusticidade, a aspereza da caatinga e do cotidiano do cangaço. Filhos quando vinham eram enviados para adoção por pessoas devidamente selecionadas, às quais era enviada uma carta e a recomendação quanto ao nome para batismo.

             Lampião ficou rico com o cangaço e tinha amigos que cuidavam do seu tesouro, emprestava dinheiro a juros e cobrava os devedores inadimplentes com bilhetes ameaçadores. No sertão, embora houvesse compreensão com quem cometia homicídio, isto não acontecia no caso de roubo. Um cangaceiro, ao prestar depoimento, se exasperou com o delegado de polícia, que o acusou de roubo, disse-lhe que o chamasse de assassino, jamais de ladrão, pois não havia furtado, havia tomado bens à mão armada, ou seja, o proprietário estava presente e poderia ter defendido seus bens.

            Na obra, Mello relata que Cristino Gomes da Silva Cleto, vulgo Corisco, havia alertado Lampião que a Grota do Angico em Poço Redondo (SE) cheirava a defunto, Lampião que gostava de acampar ali, não lhe deu ouvidos, estava com excesso de confiança e abdicando de maiores cuidados quanto à proteção. No de 28 de julho de 1938, tendo obtido informações prévias da presença de Lampião e seu bando e, vindo do município de Piranhas (AL) que o tenente João Bezerra da Silva (1919-1955) de posse de três metralhadoras, encontraram o bando dormindo e fuzilaram-nos, sem que estes conseguissem reagir. As cabeças de Lampião e de seus integrantes foram decepadas e expostas na escadaria de prefeitura de Piranhas.

            Corisco foi o único cangaceiro do bando de Lampião a sobreviver, mas, tendo continuado a agir e a ameaçar a polícia foi morto dois anos depois. Dadá, sua esposa, foi presa e depois de ganhar a liberdade, refez sua vida, casou-se novamente e morreu em 1994. O ano de 1940, marcou oficialmente o fim do cangaço. O cangaço custou vultosa fortuna para o erário público de estados e da própria União. O enfrentamento definitivo do cangaço somente foi possível, com acordos feitos entres os entes federativos da União, afetados pela ação dos criminosos, no sentido de que diligências de um estado pudesse adentrar o estado vizinho quando em perseguição aos cangaceiros, frustrando manobra muitas vezes realizadas para escapar das volantes.

P.S. De forma alguma, essa resenha substitui o prazer e o conhecimento obtido com a leitura da obra!

 

Sugestão de boa leitura:

Título: Guerreiros do Sol: violência e banditismo no Nordeste.

Autor: Frederico Pernambucano de Mello.

Editora: CEPE, 2023, 612 p.