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domingo, 9 de novembro de 2025

Lincoln

 

Foi por meio de artigos motivacionais sobre a vida da personagem histórica Abraham Lincoln (1809-1865), que tive aguçada a curiosidade, o que me levou a adquirir a biografia que deu origem ao filme. A leitura, finalmente realizada dois anos após a aquisição, ofereceu-me um sabor agridoce. A obra centrou-se demais na presidência (de 1861 a 1865) e pecou por lacunas históricas e pela falta de mapas das batalhas da Guerra Civil. Descobri, com certa frustração, que a versão brasileira foi sintetizada, enquanto a original nos EUA esmiúça os fatos com muito mais riqueza.

            Essa busca por detalhes me levou a redescobrir a trajetória extraordinária daquele extraordinário homem. Sua infância foi marcada pela pobreza extrema, pela perda da mãe ainda menino e por uma luta constante pela sobrevivência. O jovem Lincoln, alto e magérrimo, trabalhou como lenhador e condutor de barcaças. Sua educação formal não chegou a dois anos, mas sua sede de conhecimento era insaciável. Tornou-se um autodidata obstinado, devorando livros que carregava para todo lado.

            A vida o testou incessantemente: reprovado no exame para o ingresso na faculdade de Direito, estudou por conta própria até ser aprovado na prova da ordem. Como advogado, era temido por sua inteligência afiada em apontar contradições. Fracassou como empresário e em quase todas as tentativas políticas, além de carregar a dor da perda de dois filhos.

            Em 1860, contra todos os prognósticos e com o que muitos consideravam o pior currículo dentre os postulantes, esse homem de origens humildes foi eleito presidente. Sua grandeza se revelou na humildade e sagacidade, pois convidou seus rivais derrotados para compor seu gabinete, formando uma equipe de feras que ele sabia liderar com mão firme.

            Quando a guerra civil (1861-1865) estourou, ele não a desejou, mas enfrentou seu fardo com uma determinação solene. Após quatro anos e 600 mil mortos, sua perseverança manteve a União intacta e libertou os escravos. No entanto, ao ousar defender o direito ao voto para os negros, atraiu o ódio mortal daqueles que não aceitavam a nova era. Sua vida foi tragicamente ceifada no Teatro Ford, um de seus poucos refúgios de paz, mas seu legado como um dos maiores líderes dos Estados Unidos permanece eterno. Sua história é um testamento pungente de que a força do caráter supera qualquer currículo.

Sugestão de boa leitura:

Título: Lincoln

Autor: Doris Kearns Goodwin

Editora: Record, 2013, 322 p.

sábado, 1 de novembro de 2025

Os sapatos de Francisco

 

        Recordo-me da minha juventude, quando, professor de geografia em uma escola privada confessional, acreditava, com a fé dos sonhadores, que minha missão era aguçar a sensibilidade dos educandos perante as injustiças do mundo. Queria formar cidadãos que não se acostumassem com a chocante cena de pessoas revirando lixo em busca de comida, um retrato triste da realidade que jamais deveria ser tratado como "normal". Desejava que meus alunos não virassem o rosto diante da miséria, pois entendia que a "invisibilidade" a perpetua.

            Naquela época, encontrei na videoteca da escola o filme "Irmão Sol, Irmã Lua" de Franco Zeffirelli. Assistir àquela obra foi uma experiência que me comoveu profundamente, embora diante da turma tentasse manter a postura de um revolucionário impassível. Ao exibir o filme, meu objetivo era estimular a crítica ao consumismo e ao culto da aparência em contraposição à essência, pilares do sistema capitalista que nos cerca.

            Décadas se passaram. Aquele jovem professor chegou à meia-idade sem ter mudado o mundo, mas, felizmente, sem nunca ter abandonado o ideal. Aprendi que nossa função, como parte de uma classe trabalhadora intelectualizada, é ser como a água: paciente e persistente, desgastando lentamente a rocha dura do capitalismo para, um dia, sedimentar as bases de um mundo novo.

            E então, em 2013, veio a notícia: "Habemos Papa". Um colega me contou que o Cardeal Jorge Mario Bergoglio (1936-2025) escolhera o nome Francisco, em alusão a São Francisco de Assis. Comentei, na época, que ele era muito auto-confiante, pois ao utilizar tal nome, colocava sobre os ombros uma tarefa hercúlea. E Francisco não fracassou. Seu papado, ainda que dentro dos limites de uma instituição milenar, foi um farol de esperança.

            Tal como seu inspirador, ele ousou confrontar os "adoradores do bezerro de ouro", falando-lhes verdades inconvenientes e defendendo com paixão os direitos universais à terra, ao teto e ao trabalho. Chamaram-no de "comunista", termo costumeiramente utilizado contra quem luta por justiça social. Francisco não se abateu. Seguiu sorridente, afirmando que lutar por um mundo justo é verdadeiramente viver o Evangelho.

         Seu pontificado, foi breve, porém inspirador. E no fim, seu último gesto foi a confirmação final de sua jornada: pediu para ser sepultado não no Vaticano, mas na Basílica de Santa Maria Maggiore, e que calçassem em seus pés os sapatos velhos que usou para peregrinar pelo mundo. Um símbolo poderoso de que a mente professa a partir do chão que os pés pisam.