Os meios de comunicação em especial a televisão a todo o momento propagam chamadas relacionadas à defesa da educação e da escola pública. Essas iniciativas apesar de bem vindas, poucos benefícios trouxeram à educação e às escolas públicas que quando bem conservadas quanto ao espaço físico carecem do principal, a atenção às condições de trabalho do mais importante profissional da educação: o professor. Recentemente um Senador da República (Cristovam Buarque) propôs que todo político para exercer seu cargo tinha que ter os filhos estudando em escola pública o que causou a ira de muitos de seus colegas. Afirmavam seus opositores que é prerrogativa da família escolher a escola de seus filhos, o que concordo, porém, fica a dúvida: estariam seus adversários de debate defendendo o direito de escolha das famílias dos privilegiados detentores dos cargos políticos mais bem pagos do mundo (segundo recente pesquisa) quanto à escola onde estudariam seus filhos? Ou estariam defendendo o futuro dos seus filhos diante do “desastre” que seria (na opinião deles) caso os mesmos estudassem na escola pública que quando não sucateada fisicamente, têm seus profissionais cerceados da possibilidade de desenvolver um bom trabalho em virtude das péssimas condições de trabalho a eles ofertadas?
Educação é coisa séria, não há um país no conjunto das nações desenvolvidas que não possua uma política educacional séria e como sabemos toda política educacional séria, precisa ter continuidade, para tal precisa estar pautado num plano nacional de desenvolvimento, é necessário saber que país e sociedade se pretendem ser daqui a 5, 10, 20 ou 100 anos e dentro desta perspectiva trabalhar para tal, sempre munidos das correções de rumo que se fizerem necessários. A verdade é que no Brasil existem políticas de governo para a educação e não políticas de Estado. O resultado é o que vemos: a cada troca de governo, muda-se a política educacional e a educação pública se perde nos labirintos criados por “educadores de gabinete” que munidos do papel que tudo aceita, criam fórmulas “revolucionárias” para a transformação da Educação e da sociedade e que acabam contribuindo para que tudo continue como está.
Somente uma educação pública de qualidade irá contribuir para a transformação da sociedade em algo melhor, se as autoridades têm como objetivo a manutenção da sociedade tal como se encontra, estão fazendo um ótimo trabalho, pois a cada dia pioram as condições de trabalho dos professores e os educandos pobres terão cada vez menos possibilidades de redenção numa sociedade que queiramos ou não é capitalista, premia os melhores e exclui os menos preparados. Dói falar isso, sim! Mas esta é a realidade, e dentro da atual realidade a pergunta que se faz é para que(m)trabalhamos?
Acredito que escola pública deve ter um ensino de qualidade tão boa quanto a escola privada, mas, o que vejo é parte da sociedade e mesmo professores decepcionados com a triste realidade das escolas públicas colocando seus filhos em escolas particulares (note-se que os professores de escolas particulares na maioria das vezes também atuam na rede pública). Ocorre que a educação de qualidade não depende somente da formação e atuação dos professores, há muitos fatores envolvidos e que passam pelo número de alunos por sala, a quantidade de horas destinadas pelos professores para o preparo das aulas e a correção de provas e trabalhos, além, é claro, do encaminhamento metodológico, etc. Nas escolas públicas, o que vemos é professores com um número excessivo de aulas que para conseguirem manter um apenas razoável padrão de vida trabalham em várias escolas da rede pública e particular.
Certa vez li que como a educação é uma profissão majoritariamente feminina, este seria o motivo do descaso com a questão salarial de tais profissionais, pois mulher que trabalha como professora não ganha mal, é apenas mal casada. Como garantir uma educação de qualidade para os alunos da classe pobre? Essa deveria ser a preocupação de perder o sono das autoridades! Mas para a sociedade, os governos, os meios de comunicação é muito mais fácil e prático por a culpa no professor. É verdade que há uma parcela dos profissionais com má formação e também é verdade que a profissão há muito deixou de ser atraente, pois, os jovens que apresentam durante sua carreira estudantil melhor desempenho e que poderiam ser bons professores passam longe dos vestibulares para ingressar nos cursos de formação destes profissionais. Dessa forma, jovens com uma formação deficitária ingressam em tais cursos cujos vestibulares estão cada vez menos concorridos e não serão como professores diferentes daquilo que eram como alunos, é uma bola de neve, ou seja, a má formação tem um efeito cumulativo.
Seria a solução acabar com a reprovação? Ora, tal como o médico trabalha para curar seu paciente e cuja perda é para si uma derrota, a reprovação também o é para os professores. O trabalho dos professores é pautado na busca do sucesso e este é alcançado quando os educandos são aprovados com méritos próprios e não através de “canetaços”. Se a reprovação é um mal para a sociedade ( e não afirmamos que não o seja!), bastaria acabar com a mesma através de um “decreto”! E porque não acabar com o analfabetismo por “decreto”? Assim acabaríamos com dois grandes problemas da educação com uma canetada só! A verdade é que a coisa não é tão simples e poucos têm a coragem de falar: o que está em jogo é a função da escola pública, que a meu ver como está é mera formadora de mão-de-obra barata e sem capacidade crítica para fazer a diferença numa sociedade cada vez mais complexa e globalizada.
Se apenas um certificado ou diploma resolvesse, imprimiríamos os mesmos e distribuiríamos para toda a sociedade e todos os problemas estariam resolvidos. Poderíamos dar outra destinação para o espaço físico das escolas, pois há muito afirmam que as escolas estão ultrapassadas e que as pessoas podem aprender por conta própria pela internet. Além disso, poderia se utilizar o dinheiro do orçamento destinado a educação para a construção de belos e “imprescindíveis chafarizes”. Poder-se-ia também mandar os professores trabalhar no campo, arando e semeando a terra, como o fez a China durante a Revolução Cultural de Mao Tse Tung, pois segundo grande parte do povo essa classe nunca trabalhou mesmo.
A classe política, no entanto esquece que a formação dos professores da rede particular de ensino é em grande parte oriunda das escolas públicas e que todo o sistema educacional brasileiro encontra-se numa crise e tende a ruir definitivamente. A segurança educacional de seus filhos encontra-se como nunca antes severamente ameaçada. O que falta em grande parte de nossos políticos é patriotismo, pois colocam os interesses pessoais acima dos interesses nacionais. Cultivam projetos de poder e não projetos de país. Interessa mais a ruína do país do que o sucesso administrativo dos adversários políticos.
Assim, é muito importante que se discuta a educação e a escola pública, mas não basta criticar é necessário contribuir para a melhoria das mesmas. Apontar um único culpado é próprio de quem quer camuflar a realidade, professores, alunos, pais, governo e sociedade têm sua parcela de culpa sobre o estado em que se encontra a educação e a escola pública. É necessário que a sociedade e os pais encampem a escola pública como sua e que realmente contribuam com a mesma, mobilizando-se na cobrança de atitudes proativas das autoridades. E mais que isso contribuindo para que a aprendizagem ocorra, inculcando nos jovens uma cultura de valorização do estudo, hoje praticamente inexistente.
A crise educacional é reflexo de uma crise sócio-cultural que se abate há décadas sobre nossa sociedade e parece ter feito a educação parar no tempo, como já o afirmou Emir Sader: “neste país o passado teima em não passar. Ele vai e volta”. Os problemas da educação não se resumem ao fazer em sala de aula, são problemas mais graves tais como a poda dos sonhos de nossos jovens em virtude da sociedade injusta e desigual que se deixou construir, a desestruturação familiar, etc., contra estes problemas os professores se sentem impotentes, pois têm boa vontade não sendo, no entanto super-heróis para resolvê-los.
No seio da escola pública há muitos professores comprometidos com uma educação plena, portanto, para a vida, são tão idealistas quanto o eram os kamikazes, pilotos japoneses que deram suas vidas pela pátria japonesa jogando seus aviões como bólidos indefensáveis contra alvos inimigos, porém, havia uma diferença “sutil” a sociedade os reconhecia como heróis. Isso é algo totalmente diferente do que vemos acontecer neste momento histórico em que o pós-modernismo virou “religião” e neste sentido não existem mais “ateus”, quase todos são praticantes! O professor kamikaze é aquele que quer propagar bons valores, a cultura do estudo, da leitura, etc. E assim, acaba adoecendo, morrendo aos poucos ou repentinamente (violência) por uma causa inglória, uma derrota inevitável, pois, se no passado era tido como um bom professor, hoje não é mais, pois bom professor é o que não fica tentando inculcar nos jovens valores “ultrapassados” como respeito, gentileza, solidariedade, etc. e sim o que aprova sem restrições, ou seja, o que não fica questionando se o aluno se apropriou de conhecimentos básicos, se conseguirá acompanhar a fase seguinte, etc. e nem torrando a paciência dos mesmos querendo explicar os conteúdos nas aulas.
Vivemos na sociedade do espetáculo e como sabemos os espetáculos acabam quando a cortina abaixa e para o aluno a cortina abaixa no momento em que ele recebe um certificado, e neste momento ele percebe que o espetáculo para ele acabou, pois, não tem uma base instrucional mínima para fazer a diferença numa sociedade que cobra talentos. Só que aí é tarde demais!
Então, qual é a função da escola pública?
Penso que a escola pública precisa ser um divisor de águas na vida das pessoas, a passagem das águas turvas e turbulentas da falta de sonhos para o início de uma fase de calmaria e navegação veloz rumo à qualidade de vida e ao desenvolvimento nacional. Isto é utópico? Com certeza! Mas a educação não prescinde de utopias necessárias, assim, continuo a acreditar que um dia se dará à educação a importância real como parceira estratégica para o desenvolvimento do país e para a formação integral do ser humano. Penso que a missão do educador é formar para além do mundo do trabalho, pois seres humanos não são e não podem ser considerados apenas sob o ponto de vista do capital como peças de reposição do sistema a substituir outras corroídas pela miséria acumulada enquanto a mais-valia lhe era retirada. O processo de extração da mais-valia suga a alma do ser humano, pois lhe extrai os sonhos e os transforma em pesadelos. Retira do trabalhador o que há de humano e o transforma num ser embrutecido pela vida de muito trabalho e pouco resultado. Como educador entristece-me constatar que os professores kamikazes estão deixando de lutar por já não terem forças, e que o edifício da educação pública que há muito apresentava rachaduras, começa agora a desmoronar.
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