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domingo, 15 de dezembro de 2024

Os europeus: O século XIX e o surgimento de uma cultura cosmopolita


         O inglês Orlando Figes (1959) é historiador e professor de História da Universidade de Londres. É dele a obra (título) aqui resenhada. A capa de seu livro dá o tom de seu conteúdo. Nela há um trem em uma estação ferroviária. A obra trata da transformação da economia, da cultura, enfim, da sociedade, ocasionada pela revolução dos transportes sobre trilhos. A Europa diminuiu de tamanho, tudo ficou mais próximo e conectado. Se o leitor não fugiu às aulas de geografia, sabe que estamos falando da globalização, que não é algo recente, pois começou nas grandes navegações (Séc. XV), porém, o surgimento da sociedade cosmopolita, inicia-se na Europa, no século XIX, com o advento dos trens.

            O século XIX foi um período de grandes inovações, o trem, à época, foi talvez, a mais importante, pois possibilitou a ampliação dos mercados de literatura, de artes gráficas, da música, da informação, do conhecimento e, também do turismo. É nessa época que surgem agências de turismo e grupos de viajantes. Esse também foi o momento em que artistas passaram a se deslocar mais facilmente para outras cidades e países, promovendo seus shows e exposições. Livros foram então  lançados, publicados e lidos  em diferentes países ao mesmo tempo (piratas ou não). E por isso, iniciou-se a discussão sobre copyright, que deram origem às leis atuais sobre o tema.

            Engana-se o leitor, caso pense que o livro é uma obra tecnicista, embora, em alguns momentos pormenorize alguns aspectos óbvios. O livro traz também aspectos íntimos de importantes personalidades históricas da literatura e da música clássica. Aborda a convivência nem sempre fácil entre personagens de valores aquilatados por sua cultura e fama, sua genialidade e gênios nem sempre fáceis de conviver.

            O trem é a personagem principal da obra, mas, as personagens que fazem a amarração dos fatos históricos são o casal francês formado pelo escritor, tradutor, historiador e crítico de arte Louis Viardot (1800-1883) e sua esposa, a cantora soprano Pauline Viardot (1821-1910) e, o romancista, poeta, tradutor, escritor de contos e novelas, dramaturgo e divulgador da literatura russa na Europa Ocidental, Ivan Turguêniev (1818-1883). Orlando Figes discorre sobre o surgimento da sociedade cosmopolita europeia por meio dos trilhos cuja estação de partida e de chegada é sempre o lar (onde for) do  "trio ou triângulo" (Casal Viardot e Turguêniev). Paro aqui, pois já estou dando pistas demais e, fofocas, mesmo que literárias, não fazem parte do escopo dessa coluna.

Sugestão de boa leitura:

Título: Os europeus: O século XIX e o surgimento de uma cultura cosmopolita.

Autor: Orlando Figes.

Editora: Record, 2022, 644 p.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Caetés

 

  


        A obra Caetés de Graciliano Ramos foi publicada originalmente em 1933. Trata-se de seu primeiro livro. Na trama narrada pela personagem principal João Valério (um guarda-livros da empresa Irmãos Teixeira de propriedade de Adrião e Vitorino Teixeira) lamenta-se nada ter herdado do passado glorioso de sua família. Não herdara propriedades, dinheiro, nem posição social de destaque. João Valério, deseja se afirmar na sociedade, ser reconhecido, galgar posições na hierarquia social de Palmeira dos Índios (Alagoas). Considera que sua juventude e intelectualidade são trunfos para tal.

            O guarda-livros, sabe ser muito bom em seu ofício, carismático, passa a frequentar a casa dos patrões, especialmente a de Adrião Teixeira (casado com Luísa). João Valério participa de jantares e jogos de cartas, mas o reconhecimento que busca está muito além do que lhe prestam seus patrões, que tem nele, um amigo. Além da escrituração dos negócios da empresa, João Valério escreve um romance histórico sobre os índios Caetés, os quais ficaram conhecidos além mar, por terem devorado o Bispo Sardinha. Com tal livro, pretende alcançar reconhecimento e projeção social, pois muito lhe entristece seu papel subalterno na sociedade.

            João Valério se apaixona por Luísa, que com ele, gosta de entabular conversas sobre literatura. João Valério, num arroubo de paixão e de atrevimento, dá um beijo em Luísa. À reação de Luísa, percebe que teve uma atitude tresloucada, se afasta da casa de Adrião e, passados alguns dias, ante ao questionamento deste, sobre o motivo pelo qual não tem comparecido em sua casa, entende que Luísa nada contou sobre o ocorrido.

            O guarda-livros retorna ao convívio dos Teixeiras, e inicia um romance com Luísa. Adrião nada percebe, mas há pessoas da sociedade para as quais nenhuma discrição é suficiente. Sociedade esta, cujas principais personalidades são descritas por João Valério no convívio que com elas tem ao longo do livro. No entanto, uma carta denúncia chega ao marido traído e, este interroga João Valério que nega tal romance. Adrião acredita no guarda livros apesar dos murmúrios que circulam na cidade. Passados algum tempo, Adrião adoece gravemente e, após alguns dias morre. Luísa é agora uma viúva, a sociedade acredita que agora eles podem e até mesmo devem se casar como forma de apagar a nódoa de seu passado comum. Mas, será esse o desejo de Luísa? E o solteiro João Valério,  marcado pelos dissabores vividos, ainda deseja o enlace?

Sugestão de boa leitura:

Título: Caetés.

Autor: Graciliano Ramos.

Editora: Record, 2019, 336 p.

 

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Apontamentos sobre a privatização da educação chilena - parte 6

 

      Polanco disse que os estudantes eram organizados e faziam enfrentamentos e ocupações de escolas que duravam meses e que no Chile, o Sindicato Nacional dos Professores era puxado pelos estudantes, pois, os professores apesar dos seus baixos salários, receavam entrar em greves e serem demitidos. Os contratos de trabalho dos professores eram muito diferentes entre si, dependia da escola que o professor era contratado. Algumas ofertavam contratos temporários, em que os professores não recebiam as férias/recesso (dois meses) e, havia professores que economizavam durante o ano para passar o período em que não receberiam salários ou, realizavam "bicos" para se manter.

            Agustín relatou que sua mãe era professora, mas tinha contrato permanente, ou seja, recebia doze salários anuais. Em geral, o salário do professor chileno é baixo para o custo de vida do país que é mais elevado do que o brasileiro. Polanco disse se espantar com a falta de participação e luta dos estudantes e professores nesta proposta de privatização das escolas públicas paranaenses. Esclarecimentos lhes foram dados quanto a isso.

            Encerro a temática, lhes contando que ouvi de algumas pessoas que: "os professores não querem a privatização das escolas públicas, por que não querem virar CLT!". Ocorre que a maior parcela dos professores do Paraná já possuem contratos precarizados (PSS), que são regidos pela CLT. Isso, apesar da legislação determinar que os funcionários públicos devam ser preferencialmente estatutários. Ao ouvir a fala das referidas pessoas lembrei-me de uma frase de Simón Bolívar (1783-1830), quando disse: "Um povo ignorante é o instrumento cego de sua própria destruição".

            A privatização da escola pública é o início do desmonte do Estado de Bem-Estar Social proposto pela Constituição Federal de 1988.  Quando você precisar dele e ele, não mais existir, você entenderá. Quando tiver que pagar parte ou a integralidade das mensalidades, mesmo em escolas e universidades públicas. Quando tiver que vender casa, carro ou realizar uma ação entre amigos para que você ou alguém de sua estima possa ser operado. Agustín relata que faziam bingos para arrecadar dinheiro para tratamento médico de pessoas do convívio. No Chile, ninguém espera nada do governo, por que ele nada tem a oferecer, pois é Estado Mínimo. Estado esse que é o sonho dos neoliberais.

sábado, 30 de novembro de 2024

Apontamentos sobre a privatização da educação chilena - parte 5

 

               Agustín relata que, inicialmente as empresas que comandavam escolas no Chile, não tinham fins lucrativos, somente nos anos 1990, houve a liberação governamental para que tivessem lucros na atividade educacional. Diferentemente, o governo Ratinho Júnior em seu projeto de privatização das escolas públicas já contempla a atribuição de polpudos lucros para as empresas, enchendo os bolsos da iniciativa privada e, dessa forma retirando recursos que poderiam ser utilizados para a melhoria de todas as escolas públicas.

            O fim dos anos 1980 e anos seguintes, acenavam grandes transformações na geopolítica mundial. A queda do Muro de Berlim (1989), a reunificação das Alemanhas (1990), a crise derradeira da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas que levou ao seu desmantelamento em 1991, a transição para o capitalismo por parte das economias socialistas do leste europeu. No Chile, a parcela da população que sonhava com o fim do neoliberalismo, teve que se contentar com o fim da ditadura Pinochet (1973-1990). Embora isso não fosse pouco!

            O fim da ditadura Pinochet, não significou a libertação do povo oprimido sob o jugo do neoliberalismo. A elite econômica e a classe política dominante trabalharam exaustivamente na construção de "leis de amarração" que permitiam a democratização do país, porém sempre com a prevalência dos interesses do capital privado. Há entre os políticos brasileiros, uma frase muito utilizada, cuja origem é de Giuseppe Tomasi di Lampeduza (1896-1957), "Às vezes, é necessário mudar tudo, para que tudo fique como está". As elites chilenas entregaram as luvas, mas, preservaram os anéis e também os dedos intactos.

            O neoliberalismo chileno, aquele imenso mar em que se encontravam os capitalistas e os trabalhadores, os primeiros navegando em seus iates e, os trabalhadores à nado, com o tempo, começou a apresentar ondas cada vez mais desafiadoras. As águas não eram mais pacíficas, nunca foram. A promessa da terra à vista, não mais iludia. As crises econômicas afetavam a classe trabalhadora, em especial, a educação, e deram luz à inúmeras manifestações e greves.

quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Apontamentos sobre a privatização da educação chilena - parte 4

 

        Agustín relatou que no início do processo de privatização da educação chilena, as escolas eram integralmente subvencionadas pelo Estado e, somente mais tarde, passaram a exigir também pagamentos de mensalidades por parte dos pais. Aqui cabe uma observação sobre o caso paranaense, a bancada de deputados estaduais da base de sustentação do governo Ratinho Júnior, rejeitou a emenda aditiva do deputado estadual Arilson Chiorato ao Projeto de Lei 345/2024 cuja intencionalidade era impedir a cobrança de mensalidades ou de qualquer contrapartida financeira dos pais/responsáveis em toda a rede pública estadual de educação do Paraná (por que será?).

            Polanco disse ainda, que desde os anos 1990, não foram mais criadas universidades públicas no Chile, mas centenas de universidades particulares (grande parte de qualidade duvidosa) foram criadas e, que mesmo as universidades públicas passaram a cobrar mensalidades dos universitários. As mensalidades variavam muito, havendo inclusive universidades públicas que cobravam mensalidades mais caras que as particulares. Os jovens filhos da classe trabalhadora e, que desejavam a formação no ensino superior, cujas famílias não dispunham de recursos, recorriam ao financiamento estudantil junto aos bancos, porém, a realidade salarial no mercado de trabalho após a conclusão do ensino superior, não lhes permitia sobreviver e pagar a dívida junto aos bancos. Optaram por sobreviver.

            Como sabemos a privatização é apenas dos lucros, os prejuízos são, via de regra, socializados. O Estado foi chamado a pagar as dívidas dos estudantes inadimplentes. Dessa forma, o Estado se tornou credor dos jovens para que a iniciativa privada (os bancos) não tivessem prejuízos (é para isso que serve o Estado num modelo neoliberal, ou seja, atender as necessidades do capital, não as necessidades da sociedade).

            Agustín relata que, no afã de obter mais estudantes (e dinheiro), as escolas colocavam outdoors em sua parte frontal, com o seu ranking (resultado) no sistema de avaliação nacional de educação. O sistema, tal como no Brasil, tinha foco na língua materna (no Chile, o espanhol) e em matemática. Bons estudantes eram atraídos para as melhores escolas, outros eram convidados a mudar de escola por seus baixos desempenhos/índices de frequência.

            Os pais, tal como no Brasil, se deixavam levar por esse processo de ranqueamento, que nada mais é que o treinamento repetitivo e exaustivo para que os estudantes (melhor treinados) tenham melhor resultado nas provas externas. Os pais ignoram ou esquecem, que o sistema de avaliação nacional/estadual, não é capaz de aferir verdadeiramente a qualidade na educação, pois não é configurado de forma a medir especificidades subjetivas de uma formação humana omnilateral, ou seja, plena para a vida em sociedade. Repetimos, uma escola/educação de qualidade não é uma posição no ranking (afinal, qualidade para quê? Para quem?). O estudante, por sua vez, não é um número. É um ser humano em formação, não mera peça de engrenagem do sistema produtivo.

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Apontamentos sobre a privatização da educação chilena - parte 3

 

            O Estado Totalitário, ou seja, o regime ditatorial, sempre tem na inteligência seu principal adversário, afinal é fácil enganar as pessoas alienadas e/ou omissas, mas, não aquelas dotadas de inteligência e criticidade. Dessa forma, toda ditadura derrama o sangue entre os intelectuais insubmissos. Não foi diferente no Chile do ditador Augusto Pinochet. Agustín afirma que cento e setenta e três professores encontram-se entre os desaparecidos políticos, sem contar as milhares de mortes reconhecidas/elucidadas dentre aqueles que ousaram empunhar a bandeira da democracia.

            Agustín disse que, ao longo do regime, houve uma doutrinação em massa da sociedade chilena que, aliada às reformas neoliberais, resultaram na mudança de sua própria cultura. O consumismo, os shopping center's inaugurados às dezenas, o dinheiro, enfim, fizeram a cabeça do chileno. Houveram reformas visando a descentralização da política nacional, os municípios adquiriram maior protagonismo, porém, os recursos não eram distribuídos de forma equânime. A reforma havia municipalizado a administração da gestão dos recursos para a educação, porém, assim como haviam municípios mais ricos e outros pobres, também os investimentos nas escolas eram maiores ou menores conforme o município. No Chile, 85% das escolas são privatizadas e apenas 15% são públicas. Segundo Agustín, há escolas particulares melhores que as públicas, como também escolas particulares de pior qualidade que as públicas.

            Os municípios repassavam mais recursos para as escolas públicas ou privadas (subvencionadas) que obtinham maiores índices de frequência dos estudantes, bem como melhores resultados nas avaliações oficiais. As escolas do centro e bairros nobres, onde estudavam os jovens oriundos da classe média e alta, obtinham os melhores resultados e consequentemente mais recursos/investimentos. As escolas de bairros (periferia), onde estudavam os jovens oriundos da classe baixa e média-baixa, com piores índices de frequência e de resultados, recebiam menos recursos/investimentos. O governo neoliberal chileno teoricamente entendia, tal como se a escola fosse uma empresa, e que as leis de mercado se aplicassem ao fazer pedagógico, que as escolas submetidas à concorrência, superariam suas precárias condições e se alçariam à patamares equivalentes aos das melhores escolas públicas ou privadas.

            Não foi o que ocorreu, pois a política neoliberal chilena, na prática, acabou introduzindo, a dualidade da oferta educacional, qual seja, uma escola de boa qualidade para a classe média e alta no centro e bairros nobres e, uma escola precarizada para os jovens dos bairros periféricos, estes oriundos da classe baixa, ou seja, os filhos dos trabalhadores.

sábado, 23 de novembro de 2024

Apontamentos sobre a privatização da educação chilena - parte 2

 

               Chicago Boys é como são chamados os economistas chilenos que implementaram o programa neoliberal de governo do ditador General Augusto Pinochet (1915-2006). No Brasil, são chamados dessa forma, os economistas formados na Escola de Chicago (Universidade de Chicago) que, por muito tempo tiveram a orientação do ideólogo neoliberal Milton Friedmann (1912-2006), dos quais Paulo Guedes, Ministro da Economia (2019-2023) durante o Governo Bolsonaro é um exemplo.    

            O neoliberalismo é a doutrina que fundamenta o capitalismo atual, prega a não intervenção do Estado na economia, ou seja, postula que o Estado atrapalha o livre funcionamento da economia quando, por exemplo, estabelece o valor do salário mínimo, que deveria ser fruto da livre negociação entre patrão e empregado, assim, o trabalhador seria "livre" para não aceitar o baixo salário oferecido pelo empresário e, este poderia contratar outro que aceitasse, principalmente em momentos de grande oferta de mão de obra (trabalhadores desempregados). Qual seria o lado mais forte nessa negociação? O neoliberalismo, também prega que o Estado não deve possuir empresas ou ofertar serviços como Educação e Saúde, pois são consideradas atividades econômicas e devem estar a cargo unicamente da classe empresarial.

            O capitalismo avançou no mundo todo e, para obter mais lucros, precisa desbravar novos campos, avançar sobre os setores e países, onde isso não foi possível anteriormente, seja porque havia do outro lado do muro, o socialismo, e não era possível esmagar a classe trabalhadora para extrair-lhe a máxima mais-valia sob o risco do anseio revolucionário pela libertação (via socialismo), por isso, em muitos países de economia de mercado, se implantou Estados de Bem-Estar Social (Europa Ocidental, Canadá, etc.) que visou prover a educação pública (da creche à Universidade) e Saúde Pública (SUS no Brasil) para que a classe trabalhadora não ansiasse por algo diferente. No Brasil, o anseio pela melhoria da qualidade de vida veio com a Constituição Federal de 1988, que estabeleceu a educação e a saúde como direitos básicos do cidadão, algo que o neoliberalismo quer alterar, pois entende que são serviços que devem ser remunerados e estarem a cargo das empresas. A educação é a bola da vez, a próxima será a saúde. 

            Lima Barreto (1881-1922) acertadamente afirmou: "O Brasil não tem povo, tem público, pois povo luta por seus direitos, público apenas assiste da plateia". Nesse momento em que o Paraná acena com a privatização das escolas públicas, nada melhor define a sociedade paranaense e sua apatia, pois não entendem o que está acontecendo e não interessam-se em saber. Prato feito para os lesa-pátrias agirem ao seu bel-prazer no dizer de Bertolt Brecht (1898-1956).

terça-feira, 12 de novembro de 2024

Apontamentos sobre a privatização da educação chilena - parte 1

 

        Há alguns dias, assisti uma palestra sobre a privatização da educação no Chile, cuja iniciativa foi do Núcleo Sindical da APP-Sindicato de Laranjeiras do Sul. Eu, de minha parte, resolvi não perder a oportunidade de ouvir alguém que viveu "in loco" aquilo que tomei conhecimento apenas por livros e artigos. A fala foi realizada pelo jovem acadêmico Agustín Ignácio Galaz Polanco da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). O acadêmico em questão, de nacionalidade chilena, teve sua formação básica naquele país que ficou conhecido como o Laboratório Chileno do Neoliberalismo. Esta é, portanto, uma escrita embasada na fala em questão, não sendo porém uma transcrição "ipsis literis". 

            Na introdução de sua fala, Agustín rememorou aspectos históricos anteriores ao golpe de 1973 que remontam à ascensão de Salvador Allende (1908-1973) à presidência no Chile. O socialista Allende, eleito em 1970, tornou-se uma dor de cabeça para os Estados Unidos da América que encontrava-se envolvido na efervescente disputa pela hegemonia mundial (Guerra Fria) com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. A costumeira neurose estadunidense, turbinada durante a Guerra Fria, agravou-se ainda mais com a Revolução Cubana de 1959. Os Estados Unidos passaram então a estimular e financiar golpes de Estado e apoiar ditaduras sanguinárias na América Latina, das quais, Chile, Brasil, Argentina, Uruguai, etc. não passaram incólumes, visando manter sob rédea curta as lideranças e os destinos da região que, desde 1823, o presidente estadunidense James Monroe (1758-1831), definiu como seu quintal.

            Salvador Allende, era de espírito constitucionalista, portanto legalista e, sua fidelidade aos preceitos mais caros em que acreditava, levou-o a uma inação que possibilitou o golpe. Agustín afirma que todos lembram das imagens de aviões da Força Aérea Chilena atacando o Palácio de La Moneda, sede do Poder Executivo Chileno, no entanto, o golpe teria verdadeiramente ocorrido nos bairros, nas periferias de Santiago e de outras cidades chilenas. Nas incursões nos bairros, as forças militares selecionavam  pessoas que deveriam ser presas, torturadas e/ou mortas. As forças Armadas têm uma relação imbricada com o Estado, sendo o Estado considerado pelos teóricos marxistas um aparato do Capital, dessa forma, portanto, com raras exceções, os militares costumam se posicionar como guardiães a serviço do Capital, da direita. O Chile não foi exceção à regra.

            Um grupo de vinte e cinco economistas formados na Pontifícia Universidad Católica de Chile estabeleceram vínculos de estudos (pós-graduação) e cooperação com o Departamento de Economia da Universidade de Chicago, conhecido como "Escola de Chicago", tais contatos eram anteriores ao Golpe de Estado de 1973. O Chile já havia sido escolhido para ser cobaia dos experimentos neoliberais dos economistas da The University of Chicago, os Chicago Boys.

 

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Vamos pensar um pouco?

 

A obra "Vamos pensar um pouco?" é destinada ao público pré-adolescente, conta com  ilustrações da Turma da Mônica, fruto de uma parceria entre o famoso professor e palestrista Mario Sergio Cortella e o desenhista Mauricio de Sousa. As lições são curtas, uma página e acompanhadas de ilustrações pertinentes. Grandes pensadores são citados nas lições destinadas às crianças e não se trata de textos maçantes, mas, alguns aforismos discutidos e direcionados a estimular o ato da reflexão entre os/as pensadores (as) mirins. Logo de início o autor mostra que a palavra “um” faz toda diferença entre pensar pouco e pensar um pouco. E que é sinal de grande sabedoria buscar o conhecimento mesmo sabendo que jamais se saberá tudo. Afirma também que mudar de opinião é algo razoável e não denota com isso submissividade.

            Cortella diz: “há quatro espécies de pessoas: as que sabem que sabem, são sábias e podes consultá-las; as que sabem e não sabem que sabem, faze as se lembrarem e ajuda-as a não esquecerem; as que não sabem que não sabem, ensina-as; e as que não sabem e proclamam que sabem, evita-as”! Mario Sergio ensina que as pessoas não devem ter medo de livro grande, pois, desde que não tratemos como tarefa, muitas páginas podem significar mais tempo de prazer na leitura. Numa das lições o autor cita um professor de filosofia numa escola dos Estados Unidos que solicitou aos educandos que fizessem uma redação de forma a retratar verdadeiramente a coragem. Uma menina, um minuto depois de começada a avaliação entregou-a ao professor e nela estava escrito somente: “coragem é isto”! O professor foi obrigado a reconhecer que ela havia retratado muito bem a coragem, ao correr tão grande risco e deu-lhe a nota máxima!

            Cortella também evidencia a sabedoria estradeira quando cita uma frase de pára-choque de caminhão: “na subida “cê” aperta, na descida “nóis” acerta” e discorre sobre a humildade na fase de status elevado da pessoa, pois, a vida tem altos e baixos. Explica também que a origem do termo “puxa-saco” deve-se ao marinheiro encarregado de carregar o saco de roupas do comandante do navio e que o termo bajular vem de “bajulus” que era o carregador de objetos e de pessoas na época do imperador romano Otávio Augusto”. Enfim, é impossível escrever neste limitado espaço, a variedade e a profundidade das lições retratadas de forma leve na obra. Fica a dica!

Sugestão de boa leitura:

Título: Vamos pensar um pouco?

Autor: Mauricio de Sousa & Mario Sergio Cortella.

Editora: Cortez, 2017, 166 p.

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Você também trabalha ou só dá aulas? Série Vale a Pena Ler de Novo!

 

                O título acima causa a revolta dos educadores, pois, se trata de uma situação bem comum pela qual passam em diálogos com pessoas não atuantes na área da educação, e que surpreendentemente assim agem sem qualquer maldade. Isto se explica pelo fato de que somos um país cuja população em seu inconsciente coletivo considera trabalho como sendo apenas o braçal. Este escriba na qualidade de professor certa vez ouviu de um educando: “professor nem trabalha, fica só falando, queria ver por no cabo de uma enxada”. Penso que este educando, por sua pouca idade, repetiu falas que ouviu em sua casa ou meio social. E esse é um pensamento mais comum do que se imagina, tendo em vista que para parte da sociedade parece muito fácil ser professor, afinal como me disse um empresário: “é só ficar jogando conversa fora com os estudantes sem ter grandes preocupações como vender o suficiente para pagar os empregados e os impostos”.

            Se o magistério é uma profissão tão fácil, por que tantas matérias jornalísticas e artigos científicos estão sendo produzidos alertando sobre o risco de um apagão educacional por falta de professores? Se a educação é o paraíso das profissões por que os jovens da classe alta e média não a escolhem como seu futuro profissional? Se professor ganha tão bem como alguns dizem por que os jovens bem nascidos não são incentivados por seus pais a seguir em tão promissora carreira? Se o trabalho de professor é tão suave por que tantas pesquisas científicas mostram grandes índices de adoecimento entre seus profissionais? Se o magistério é uma atividade laboral tão tranquila, por que os educandos que dividem a rotina diária com seus mestres, nas diversas classes, em sua quase totalidade, não a desejam para si? Se o professor é o profissional responsável por formar os trabalhadores das mais diversas áreas, do operário ao empresário; do médico ao cientista; do advogado ao Juiz de Direito por que ele é tão pouco valorizado socialmente?

            Segundo recente pesquisa metade dos professores não recomenda a profissão para um jovem. E se engana quem pensa que os problemas na educação se referem unicamente à questão salarial em que dentre as profissões que exigem igual formação, o magistério continua a ser a menos remunerada, não somente no Brasil, mas, na América Latina. As pesquisas mostram que além dos baixos salários, a falta de autonomia, a sobrecarga de trabalho, a pressão vinda de cima para baixo na busca de resultados, salas superlotadas, indisciplina e desinteresse de estudantes que não raras vezes acabam em violência verbal e física levam ao adoecimento dos profissionais da educação cujas enfermidades mais constatadas são: problemas gastrointestinais, enxaquecas, dores de cabeça persistentes, falta de sono, esgotamento físico e psicológico, varizes, bursites, doenças osteomusculares, perda parcial da audição e da voz, estresse, depressão e a síndrome de Bournout.

  *Originalmente publicado em: 

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

          

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

O fim do homem soviético

 

            


A história costuma ser contada a partir da versão dos vencedores. Por isso, muita informação se produz de forma incompleta ou manipulada. E isso não é algo à toa, pois, há uma clara intencionalidade, a conquista da hegemonia do discurso. A história oficial (com claro viés ocidental) registra que o dia da virada dos rumos da Segunda Guerra Mundial foi 06 de Junho de 1944 (o dia “D”) quando ocorreu a invasão da Normandia por tropas aliadas que cruzaram o Canal da Mancha e adentraram em território francês ocupado pelas tropas nazistas. A história oficial concede aos Estados Unidos da América o papel principal na derrocada do regime nazista, mas, a história está sendo revisada, e sabe-se que o início do fim do regime nazista, foi a derrota alemã para tropas soviéticas na batalha de Stalingrado.

            A União Soviética teve a maior perda de vidas humanas de toda a Segunda Guerra Mundial, estima-se que para cada soldado alemão morto em combate morreram dois soldados soviéticos. A União Soviética após ter parte de seu território ocupado por tropas alemãs que chegaram às cercanias de Moscou retomou o fôlego e expulsou as tropas nazistas de seu território e de todo o leste europeu, libertando inclusive os prisioneiros dos famigerados campos de concentração até a conquista do bunker nazista em Berlim. Antes disso, Stalin implorava para que os Estados Unidos abrisse outro front contra a Alemanha, pois, esta concentrava a maior parte de seu arsenal contra a URSS e caso fosse atacada em dois flancos, teria que dividir suas forças, mas, os EUA hesitavam (o que irritava Stalin). Mais tarde, quando viram que havia a possibilidade de a URSS sozinha dar conta da Alemanha apressaram-se em desembarcar na Normandia com o receio de que o destino da Europa ficasse sob a influência soviética.

            A escritora e jornalista bielorrussa Svetlana Aleksiévitch se insere nesse grupo de pesquisadores que tem revisitado a história na busca de relatos que fogem ao habitual. Ao invés de buscar as fontes oficiais de informação e os personagens de alta graduação, ela vai ao encontro do andar de baixo para buscar no meio do povo a história não contada da superpotência soviética. Svetlana ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 2015 e entre suas principais obras estão “Vozes de Chernobyl”, “A guerra não tem rosto de mulher” e “O fim do homem soviético”. Este escriba, após a indicação de uma amiga virtual, tratou de comprar e ler a obra “O fim do homem soviético”. Nesta obra Svetlana, com seu gravador e bloco de anotações visita as cozinhas de várias residências, pois, é nestas segundo o antigo costume soviético que se recebia as pessoas e onde ocorriam as acaloradas discussões acerca da vida naqueles tempos.

            Svetlana buscou memórias de pessoas da sociedade sobre como elas viram a história passar diante delas. Aleksiévitch priorizou as pessoas que viveram os tempos de Stalin, Krushev, Brejnev, Gorbatchev e Ieltsin. Procurou deixar as pessoas à vontade, pois, queria apenas as impressões das pessoas sobre os tempos passados e atuais. O livro é excelente e nele há todo tipo de relato, desde mulheres lindas que se casam com homens machistas, beberrões e violentos aos fatos envolvendo o período de grandes transformações da superpotência soviética e seus personagens principais. Há relatos de dificuldades na sobrevivência diária, a falta de produtos, bem como, declarações acerca da camaradagem entre as pessoas que na visão delas com o advento do capitalismo se extinguiu. Há depoimentos de pessoas desiludidas com o capitalismo, pois, tinham uma esperança acerca dele que não se concretizou e que afirmaram que os proprietários de grandes fortunas são criminosos que se apossaram das riquezas nacionais. Há também depoimentos de pessoas que se sentiram traídas, pois, apoiaram Gorbatchev e Ieltsin pensando que o socialismo seria reformado e não extinto. Ler a obra de Svetlana é mergulhar na história não contada ou que não se quer contar!

Sugestão de boa leitura:

Título: O fim do homem soviético 

Autor: Svetlana Aleksiévitch.

Editora: Companhia das Letras, 2016, 600 p.

 

terça-feira, 22 de outubro de 2024

Política é a arte do ilusionismo - Série Vale a Pena Ler de Novo!

 

        Espetáculos de ilusionismo consagram artistas talentosos em distrair o público. Estes são especialistas em fazer as pessoas prestarem atenção a algo enquanto operacionalizam a “magia” fora do campo visual destas. O estadunidense David Copperfield ficou internacionalmente famoso por seu talento nesta arte de ludibriar o público. Em seus espetáculos, o público paga para ser enganado e fica feliz em sê-lo. O espanto se segue aos questionamentos de como o artista realizou a proeza sem ter sua estratégia desmascarada. O artista não conta seus segredos. O único a fazê-lo, conhecido como “Mister M” ganhou a antipatia de colegas de profissão, pois a atividade é o ganha-pão de inúmeros artistas.

            Iludir o povo também é uma atividade vantajosa para os políticos vigaristas que assim agem com promessas e discursos que fogem à realidade de suas ações políticas. A política é a arte do ilusionismo. Ao se fazer a análise dos discursos em época de campanha, é fácil observar que independentemente da ideologia do partido ao qual pertence o candidato, as promessas são de mais investimentos públicos em educação, saúde, ciência, segurança e infra-estrutura. No momento da campanha, os candidatos costumam falar das mazelas que afligem a sociedade e da necessidade de construir um país com oportunidades para todos e com menos injustiça social.

             A direita costuma praticar esse ilusionismo. Faz campanha com propostas à esquerda. Fala em aumento de investimentos públicos em educação, saúde, ciência e infra-estrutura e isso é algo que contraria a doutrina do Estado Mínimo, a pedra basilar do neoliberalismo que defendem de forma fundamentalista. Os eleitores da direita (exceto os que formam a elite nacional do dinheiro, o 1% mais rico) são os espectadores que pagam para serem ludibriados. Querem que o Estado seja o indutor do desenvolvimento sócio-econômico e, portanto, que invista em educação, saúde, ciência e infra-estrutura. Surrealmente, colocam no poder quem entende que tais atividades devem ser exercidas pela iniciativa privada, e, dessa forma, no poder, tudo fazem para sabotar a educação, a saúde, a ciência, as empresas estatais como a Petrobras, etc. Estes buscam convencer o público (quando não dele pouco caso fazem, ao não prestar contas de suas ações) de que o Estado é ineficiente, e que o maior benefício para a sociedade é privatizar tudo, pois, somente a iniciativa privada é capaz de administrar de forma competente e sem corrupção, embora a realidade desminta isso.

            A política é a arte do ilusionismo. Os políticos contam com a ajuda da Grande Mídia em seus “abracadabras” no poder. Durante décadas observei ações deletérias ao interesse público serem omitidas, ou receberem pouca atenção pelas grandes redes de TV enquanto estas davam destaque a jogos de futebol, ao carnaval, etc. visando distrair o público daquilo que causaria sua revolta. A “mágica” da política se faz nos bastidores, longe do olhar e da atenção do povo. Para que a “mágica” se realize, é necessário distrair o olhar do povo.

            A Alemanha nazista fez isso ao ensinar o ódio aos judeus que foram culpabilizados pelos problemas alemães. Os fascistas que deram o golpe de 2016 no Brasil, também assim agiram ao ensinar o ódio ao PT, Lula e Dilma culpabilizando-os pelos problemas nacionais. Na Alemanha, se utilizava rádios e jornais para a doutrinação nazista da população. No Brasil, se utiliza principalmente a TV, embora jornais e rádios também sejam importantes na alienação e desinformação da população. Midiota é o termo utilizado para designar a pessoa alienada e doutrinada pela Grande Mídia que não apenas representa os interesses do grande capital nacional e estrangeiro como dele é parte integrante. Dessa forma vemos no Brasil, pessoas defendendo políticos, partidos e ações políticas contrárias aos seus próprios interesses. São os analfabetos políticos no dizer de Brecht.

            Para distrair o olhar do público, a Grande Mídia atraiu a atenção deste para a “condenação” certa de Lula (mesmo sem a existência de nenhuma prova concreta), pois, surpresa seria se assim não ocorresse, afinal, a operação Lava-Jato foi do exterior encomendada e projetada para tal fim. Pouco destaque foi dado à aprovação da reforma trabalhista que desfigura a CLT e decreta severa fragilização e empobrecimento da classe trabalhadora. Li as alterações na lei e digo sem medo de errar: não há nada ali que realmente beneficie a classe trabalhadora, somente aos empresários. Até porque para ampliar direitos trabalhistas não havia necessidade da reforma, a lei já permitia isso, apenas estabelecia que o disposto na CLT fosse a base.

            Grande parte da classe trabalhadora fustigada permanece com o olhar desviado da área em que a ação ocorre... É preciso educar o olhar e direcioná-lo para onde a elite do dinheiro que patrocina este triste e lamentável espetáculo não deseja!

Série Vale a Pena Ler de Novo! Artigo originalmente publicado em 20 de Julho de 2017.

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

O mundo pós-americano

 


O cientista político Fareed Zakaria nasceu em 1964 na Índia, estudou em Yale e doutorou-se em Ciência Política em Harvard. Na orelha de sua obra “O mundo pós-americano” consta que é editor da Newsweek International e que nesta revista mantém uma coluna semanal sobre assuntos internacionais, além de ter um programa da Rede CNN de Televisão. Zakaria seguiu os passos de vários de seus conterrâneos, pois, na Índia como em vários países do mundo subdesenvolvido, a “fuga de cérebros”, ou seja, a ida de jovens promissores dos países pobres para estudar em importantes instituições do mundo desenvolvido, especialmente nos Estados Unidos, e dentre estes, os mais talentosos acabam recrutados a permanecer e desta forma contribuir para o engrandecimento daquela nação que chama a atenção mundial, por vezes, pelo que há de mais odioso e repugnante, noutras, pelo brilhantismo inovador.

             Zakaria nasceu no país, cuja população à exceção da estadunidense é que mais admira o país iankee. Em nenhum outro país os ideais estadunidenses impostos pelo Big Brother Sam foram tão bem recebidos e assimilados. O sonho de grande parte dos jovens indianos é conseguir uma bolsa de estudos numa grande e famosa instituição estadunidense de Ensino Superior para fazer a graduação ou a pós-graduação. A maior parcela destes jovens retorna à Índia e aplica os conhecimentos adquiridos em benefício do país que juntamente com o Brasil, a Rússia, a China e a África do Sul formam o grupo de países emergentes conhecidos como BRICS. Apesar do título “O mundo pós-americano”, Zakaria, logo na primeira linha à página 11, esclarece: “este livro não é sobre o declínio dos Estados Unidos da América, mas, sobre a ascensão de todos os outros países”.

            E em toda a obra o autor, apesar de indiano de nascimento demonstra grande assimilação da cultura e modo de pensar estadunidense e, por vezes, tem-se a impressão de que pensa e escreve como um indiano, noutras, como um estadunidense de nascimento. Como exemplo, e fortemente discordando de sua opinião, Fareed menospreza o poder bélico da China, talvez, pela dupla influência cultural indo-estadunidense ao afirmar que a China não teria poder suficiente para bombardear com artefatos nucleares mais do que a costa estadunidense e que o país asiático teria apenas cerca de 50 mísseis nucleares, esquecendo-se que a China já colocou um astronauta no espaço e que possui submarinos nucleares nas proximidades daquela potência que dispensam os mísseis de longo alcance, porém, mesmo estes, são estimados pelos especialistas em geopolítica em um número entre mil e dois mil mísseis armados com ogivas nucleares de alto poder, quantidade suficiente para riscar a vida humana do planeta.

            Zakaria também possui uma interpretação nitidamente estadunidense dos fatos acerca da Venezuela e do Irã e coloca ambos os países no status de pária, no entanto, quem conhece a história e a estudou com distanciamento científico entende a razão destas nações nos seus posicionamentos e concorda com a maioria das opções por elas adotadas, mas, isso é algo que não está acessível na Grande Mídia, que nada mais é do que um forte instrumento a serviço do Imperialismo. Fareed evidencia o grande crescimento econômico de várias nações do planeta nas duas últimas décadas e dá especial atenção aos países emergentes que constituem o grupo de países subdesenvolvidos cujo resgate do anonimato e ascensão ao protagonismo no palco dos debates da governança global se deu pela crescente importância econômica e política, pois, já não é mais possível gerir o planeta sem consultá-los.

             O autor em sua obra relata feitos grandiosos de tais países na área da educação, da inclusão social, do avanço tecnológico e na construção de uma infraestrutura interna mais elaborada e funcional. Afirma que a história humana é marcada por três mudanças: A ocidentalização do mundo; a ascensão dos Estados Unidos; e, a ascensão do resto. O livro discorre sobre o que esperar deste mundo em gestação e o que esperar dos Estados Unidos e ao se referir à história, aponta que os Estados Unidos podem agir como a Inglaterra que tentou minar o desenvolvimento de novas potências na Europa e reinar absoluta, iniciativa em que fracassou, ou agir como o chanceler alemão Bismarck e fazer alianças e estreitar laços de cooperação. O autor aponta caminhos para a governança estadunidense nesse novo tempo. Penso que somente o tempo dirá, mas, a impressão até aqui é que os governantes daquele país têm bastante sangue inglês nas veias.

Sugestão de boa leitura:

Título: O mundo pós-americano.

Autor: Fareed Zakaria.

Editora: Companhia das Letras, 2008, 312 p.


 

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Dicunt me divitem esse, pauperem autem

 

            Há muito tenho observado a estupefação dos estudantes quando afirmo ser pobre, eles discordam, afinal em sua limitada visão da estratificação de classes e da distribuição da renda no Brasil, consideram que a pessoa que tem uma casa e um carro, mesmo que financiados em longas prestações, é rica. Explico-lhes que sou pobre, pois não sou possuidor dos meios de produção (terras, indústria, comércio, etc.), e nem tenho aplicações financeiras que me permitam viver de renda. Digo-lhes que desde a juventude e por todos os dias, até que alcance a hoje longínqua aposentadoria, terei que obrigatoriamente vender minha mão de obra para conseguir ganhar a sobrevivência, pois todo ser humano, assim que chega ao mundo, os boletos a pagar lhe acompanham, inicialmente são pagos por seus pais, porém um dia, todos têm que tomar a direção de suas vidas.

            Lembro que em uma escola particular na qual trabalhei, algumas alunas de famílias abastadas não gostavam quando questionado sobre minha condição socioeconômica respondia ser pobre. Na época tive a percepção que desagradava-lhes a ideia de seu professor ser pobre, pois os colegas bolsistas (pobres) eram por elas discriminados. Elas me corrigiam e afirmavam que eu era da classe média. Nunca gostei de ser chamado de integrante da classe média. Assino embaixo a afirmação da filósofa Marilena Chauí (1941) quando disse: "A classe média é uma abominação política porque é fascista; é uma abominação ética porque é violenta; e é uma abominação cognitiva porque é ignorante". Karl Marx (1818-1883) afirmou que o capitalismo possui apenas duas classes, a classe burguesa (detentora dos meios de produção) e a classe proletária (que vende sua mão de obra), qualquer outra classificação é mera cortina de fumaça.

            Tenho uma camiseta que adoro usar e cuja frase é "Era tão pobre, mas tão pobre, que só tinha dinheiro". Quando vou à escola com ela, muitos são os estudantes que não entendem seu significado. Tenho que lhes explicar que há várias formas de ser pobre. A pessoa pode ser pobre de conhecimento científico, de cultura, de educação, de solidariedade, de respeito, de generosidade, de espiritualidade, etc.

            Tergiversações à parte, fiquei curioso em saber qual renda uma pessoa deve ter para ser considerada rica. Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV) a renda mensal deve ser de R$ 27 mil. A pesquisa constatou que apenas 1% da população alcança tal renda. Ainda de acordo com a pesquisa, os super ricos possuem renda mensal de R$ 95 mil. Dois milhões de brasileiros são ricos e 203 mil são super ricos.

P.S. Se você ficou curioso quanto ao título deste artigo, trata-se de uma afirmação em latim sobre este escriba cuja tradução é "dizem que sou rico, porém sou pobre".

domingo, 18 de agosto de 2024

"Self made man"

 

            A expressão “self made man” é tipicamente estadunidense e designa o homem que se fez por si próprio, ou seja, que por seus próprios méritos se elevou. Escrever sobre este tema é como pisar em terreno pantanoso, cada passo deve ser meticulosamente pensado antes de executado, embora nem isso evite que a dúvida ou a lama tomem conta do ser que caminha no pântano destas linhas. Meu público leitor é formado por duas pessoas, uma à esquerda e outra à direita do espectro ideológico, portanto preciso ser muito coerente em minhas reflexões para não apanhar de uma, ou das duas.

            Inicialmente preciso afirmar que essa expressão é carregada da ideologia capitalista e, toda ideologia inclusive aquela que prega a (impossível) ausência de ideologia deve ser objeto de reflexão à luz do conhecimento científico, que como sabemos, é também carregado de ideologia. Sei que é possível, um homem (peço desculpas às colegas feministas, mas, a expressão original é mesmo machista e não posso dar-lhe tonalidades que não possui) sair do estágio mais baixo da sociedade e chegar aos estratos intermediários (a classe média) ou ainda à pequena burguesia. Mas, o “self made man” padrão não é formado por indivíduos medianos, mas, de indivíduos que se agigantaram perante milhões ou bilhões de outros.

            Geralmente os estadunidenses afirmam ser “self made man” o indivíduo que amealhou grande fortuna. Fica o questionamento: Como é possível falar de um homem que se fez sozinho sem colaboradores (no jargão capitalista) ou no jargão marxista, de proletários cuja mais-valia lhes foi extraída? Ele realmente saiu dos estratos mais baixos da sociedade? Ou nasceu em berço privilegiado se comparado à maioria que forma a base da pirâmide social de seu país? Lembro de uma frase proferida por Honoré de Balzac que dita: “Por trás de toda grande fortuna há um crime”.

            Deve ser considerado “Self made man” quem utilizou de todos os artifícios para burlar o sistema e assim alcançar o ponto mais alto da pirâmide social e financeira? E quem pode dizer que é pelo patrimônio adquirido que se reconhece um “self made man”? E os critérios éticos e morais não contam? Afinal como se mede um “self made man”? Pelo patrimônio ou pelo caráter? Donald Trump ou Nelson Mandela? Carlos Slim ou Mohandas Karanchand Gandhi?

            No mundo de pessoas reais, neste do sopé da montanha societária, existem pessoas (da classe trabalhadora e da pequena burguesia) que batem no peito e afirmam que aquilo que possuem foi adquirido com o fruto do seu esforço e nada devem a ninguém! Não mesmo? Seus pais não fizeram esforços para que você estudasse (mesmo em escola pública) e não trabalhasse em sua adolescência? Você não precisou contar com uma política de pretenso Estado de Bem-Estar Social que em um país capitalista ainda assim lhe concedeu a oportunidade de ter acesso a Saúde e a Educação Pública (gratuita) das séries iniciais do Ensino Fundamental ao Ensino Superior, e até mesmo cursos de especialização, mestrado e doutorado bancados por meio da arrecadação de impostos junto à sociedade? Neste instante, lembro de outra frase, esta do genial Isaac Newton, a qual afirma: “gigantes são os mestres nos ombros dos quais me elevei”. Em sua vida, os mestres não foram fundamentais para as suas conquistas? Você não precisou de colaboradores/proletários?

            A expressão “self made man”, tal como a ideologia capitalista, se embasa na meritocracia. No entanto, sabemos que a classe trabalhadora (e não a classe patronal) é a verdadeira produtora de riquezas e que a classe média (desprovida do capital financeiro) é grande defensora da meritocracia porque deseja conservar os privilégios (que se baseiam no capital cultural) em relação ao andar de baixo da sociedade e que lhe confere a possibilidade de conseguir profissões bem remuneradas tais como a magistratura (via concurso público), ou ainda na medicina.

             Soa estranho que tal classe defenda tanto a meritocracia quando deseja conservar privilégios que impedem a ascensão de pessoas do andar de baixo e, portanto a igualdade tão necessária para a disputa meritocrática. Enfim, a expressão “self made man” tal como geralmente é apresentada, possui as nuances do individualismo, do personalismo e da idolatria ao materialismo, e como tudo em que se baseia a cultura do consumismo, apresenta o brilho da pirita (parece ouro, mas, não é)!


*Da série Vale a Pena Ler de Novo! - Publicado originalmente em 24 de agosto de 2017.

 

domingo, 11 de agosto de 2024

Neocolonialismo à espreita: mudanças estruturais na sociedade brasileira

 

Marcio Pochmann (1962) é um economista, pesquisador, professor e político brasileiro. É o atual presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pochmann escreveu mais de cinquenta livros, tendo sido agraciado três vezes com o Prêmio Jabuti.

            Pochmann faz uma análise do presente e para tal, rememora marcos históricos importantes do desenvolvimento nacional, tais momentos são tratados por ele como passagens de época. O autor cita como primeira transição de época, a Abolição da Escravatura em 1888, quando a sociedade brasileira fez a passagem para o trabalho assalariado, nem mesmo a forte presença da Aristocracia Rural no Congresso Nacional do Império, nem mesmo seu poder econômico conseguiu manter a escravidão. A emancipação das pessoas escravizadas não significou sua redenção social e econômica. O país permaneceu extremamente desigual, preconceituoso e perverso.

            A segunda passagem de época foi 1930, quando o governo nacional desenvolvimentista de Getúlio Vargas se instala no poder e, implementa uma política de substituição de importações, concedendo vantagens para que o capital nacional e estrangeiro manufature em solo pátrio, grande parte da pauta de importações brasileiras. É importante lembrar que a conjuntura favorecia, o período entre guerras e a Segunda Guerra Mundial, a atenção dos Estados Unidos voltada para o Velho Mundo, a saturação do mercado interno nas potências industriais (Estados Unidos e Europa).

            A terceira ruptura de época é a década de 1980, ainda sob a ditadura militar, a economia industrial passa a perder fôlego. O neoliberalismo sob a liderança de Reagan (EUA) e Thatcher (UK) avança celeremente e impulsiona a globalização e a consequente descentralização industrial. O Brasil,  sem ter consolidada a sua base industrial, passa a ser uma economia de serviços. A reforma trabalhista e a flexibilização da CLT, a uberização do mercado de trabalho, o crescimento do trabalho informal e a redução dos postos de trabalho na indústria (melhor remunerados) comprimem o mercado consumidor interno. De potência industrial emergente, o país tal como na época colonial volta a ser exportador de produtos primários (agropecuária e extrativismo) de baixo valor agregado, que enriquece poucos e incapaz de promover avanços  socioeconômicos para o conjunto da sociedade. Pochmann chama a sociedade e suas lideranças à reflexão para os desafios que a necessária correção de rumos exige para que o futuro do país não seja desperdiçado.

 

Sugestão de boa leitura:

Título: Neocolonialismo à espreita: mudanças estruturais na sociedade brasileira

Autor: Marcio Pochmann.

Editora: SESC,  2022, 338 p.

terça-feira, 6 de agosto de 2024

Tijolaços

 

Em 15 de Novembro de 1989, o país comemorava o centenário da Proclamação da República, embora isto significasse muito pouco para um povo acostumado a não participar dos momentos decisivos da história nacional, geralmente tramados e executados pela elite. Acertadamente Lima Barreto afirmou: “o Brasil não tem um povo, mas um público. Povo luta por seus direitos e público apenas assiste de camarote”.

            Por ocasião da Proclamação da República tivemos algo que é rotineiro no Brasil: um golpe de Estado que visava atender os interesses da elite, e como é costume, o povo brasileiro se mostrou indiferente. Somos um país de tradição autocrática, os golpes de Estado se sucedem periodicamente após breves hiatos democráticos. Talvez por isso, que mesmo entre os trabalhadores é comum observar pessoas que pedem a volta de regimes ditatoriais. Em nosso país, a cultura democrática não está amadurecida. De um lado temos uma elite parasita que desde os primórdios da história da pátria suga os recursos públicos para fazer a manutenção dos injustos privilégios que desfruta à custa de milhões que não têm o mínimo para viver com dignidade. De outro, temos um povo com baixa instrução e reduzidíssima consciência política e de classe que contribui para a sustentação da parcela que os explora.

             Quando a Itália concluiu seu processo de unificação, o político Massimo D’Azeglio disse: “fizemos a Itália, precisamos agora fazer os italianos”. Massimo sabia que não se faz um país apenas com o território. É necessário um povo com sentimento de pertença ao território e ao sonho conjunto de nele construir uma grande nação. A Itália unificou seu território e foi bem sucedida na criação do povo italiano. Talvez devêssemos entrar em contato com historiadores e cientistas políticos italianos solicitando ajuda sobre como criar no Brasil, o povo brasileiro. Um povo com sentimento de pertença a este chão, e que seja comprometido em fazer deste rico território, aquilo que por natureza lhe está inevitavelmente reservado, ser uma grande nação, não apenas em tamanho de território. Afinal, ser uma potência é a vocação natural do Brasil. Se ainda não é, isto se deve às sabotagens de uma elite mesquinha, egocêntrica, cruel e com mente colonizada que prefere fazer o papel de feitor de escravos de seu povo em troca de benefícios espúrios a serviço dos senhores de escravos do grande capital nacional e estrangeiro.

            Neste momento obscuro pelo qual passa o país do “futuro”, que teima em nunca chegar e diante da crise moral em que se encontra, a falta de um grande líder político é muito sentida por todos aqueles que ainda têm em seus espíritos uma chama de patriotismo acesa. E esse líder é o saudoso Leonel de Moura Brizola (1922-2004). Brizola dedicou sua vida às grandes causas nacionais. Era acima de tudo um patriota. Orador eloquente, sua fala não passava despercebida, emocionava as pessoas que compartilhavam de seus ideais e irritava profundamente seus adversários. Escrevia tão bem quanto falava. A grande mídia lhe recusava espaço para divulgar seus pronunciamentos sempre de forte conteúdo, por isso, com recursos próprios e de seus companheiros comprava espaços na mídia para publicar seus artigos conhecidos como “tijolaços”.

            O grupo Globo lhe fazia oposição e buscava a todo custo prejudicar a sua imagem e campanhas políticas. Brizola, porém, nunca se curvou. Afirmava que não era caro o preço a se pagar para manter a dignidade e o caráter intactos. Vários de seus artigos foram direcionados em tom de resposta ao grupo Globo, e outros em forma de denúncias acerca de favorecimentos concedidos por governos e empresas estatais às empresas do referido grupo. Considerava o império midiático de Roberto Marinho (1904-2003) uma ameaça à população brasileira e à democracia nacional. Em certa oportunidade entrou para a história do jornalismo nacional ao ganhar na justiça um direito de resposta em horário nobre, mais especificamente durante o Jornal Nacional. O direito de resposta em questão foi lido pelo próprio apresentador âncora do JN Cid Moreira. Uma dura resposta à Globo e a Roberto Marinho, o que causou o êxtase da parcela mais esclarecida da sociedade.

            No dia 15 de Novembro de 1989, este escriba, então um jovem, depositava seu primeiro voto numa urna, e este foi em Leonel Brizola. Políticos como Brizola fazem muita falta neste momento sombrio pelo qual passa o país em que valores como o patriotismo e a decência na ocupação de cargo eletivo viraram tema de ficção, pois, a julgar por suas atitudes, grande parcela dos representantes eleitos zombam da sociedade. É importante que se diga que Brizola não se acomodaria ante o estado de coisas ocorridas após junho de 2013, quando milhões de manifestantes que se diziam insatisfeitos com a corrupção foram transformados em massa de manobra (devido o seu elevado grau de analfabetismo político), desestabilizando um governo democraticamente eleito e oportunizando a condução (via golpe) ao Poder de um grupo político que representa o suprassumo da corrupção nacional e que está destruindo qualquer possibilidade de desenvolvimento soberano do Brasil.

             O “público” brasileiro segue assistindo a destruição do país, a entrega de seus ricos recursos naturais ao capital estrangeiro e o desmonte da tímida tentativa de criação de um Estado de Bem-Estar Social. Rosa Luxemburgo disse: “Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem”. Apáticos como são, os brasileiros sentem-se confortáveis presos aos grilhões da TV Globo, e não enxergam em suas miseráveis existências, a senzala da vida real!

Sugestão de boa leitura:

Título: Tijolaços.

Autor: Leonel Brizola.

Editora: Ed. Galpão de ideias, 2017, 141 p. 


Vale a Pena Ler de Novo! - publicado originalmente: 

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

domingo, 28 de julho de 2024

SPQR: uma história da Roma Antiga

 

Mary Beard (Dame Winifred Mary Beard - 1955) é uma estudiosa da Roma Antiga. Ela é professora de estudos clássicos na Universidade de Cambridge e de literatura antiga da Academia Real Inglesa. Beard é editora sobre os estudos clássicos do The Times Literary Suplement onde também escreve o blog "A Don´s Life". Suas frequentes aparições na mídia e, às vezes, declarações públicas controversas levaram-na a ser descrita como "a antiquista mais conhecida da Grã-Bretanha". Mary Beard foi nomeada Oficial da Ordem do Império Britânico (OBE) nas homenagens de Ano Novo de 2013 e Dama Comandante da Ordem do Império Britânico (DBE) nas homenagens de aniversário de 2018 por serviços prestados ao estudo das civilizações clássicas. O The New Yorker a define como a erudita, mas acessível" (WIKIPEDIA).

            A sigla SQPR significa em latim "Senatus Populus Que Romanus", ou seja, Senado do Povo de Roma. A obra foi originalmente publicada em 2015 e a primeira edição brasileira aportou aqui em 2017. É uma obra acessível para leigos em história da Roma Antiga, porém, rica em conteúdo mesmo para o público leitor mais especializado. A autora parte do embate entre o Cônsul Cícero e o Senador Catilina. Cícero denunciou Catilina por sua pretenção em dar um golpe na República Romana. Cícero desbaratou o movimento golpista e levou Catilina e seus seguidores à pena de morte, porém, sem que tivessem sido ouvidos. No último dia de seu governo, Cícero tentou falar sobre as realizações de seu governo no Senado, porém foi impedido pelos senadores oposicionistas que afirmaram que quem não deixa acusados darem a sua versão dos fatos, não tem direito a ser ouvido naquela casa.

            Em seguida, a autora discorre sobre a fundação de Roma (possivelmente 21 de abril de 753 a.C.) e em uma ordem cronológica, narra na forma de  pequenas biografias de reis (período monárquico), cônsules (período republicano) e os principais fatos de seus governos. O Império Romano, sabemos das aulas de história, se estendeu por toda a costa mediterrânea (porções da Europa, Ásia e África) e que suas tropas militares eram muito cruéis, no entanto, a autora afirma que seus adversários também eram. A obra detalha aspectos pitorescos da vida romana como as pichações bem humoradas encontradas no banheiro de um bar sobre o que importantes filósofos gregos pensariam enquanto se "aliviavam".  Isso leva à constatação de que ou, o povo era instruído ou o bar era muito bem frequentado. Fica a sugestão!

 

Sugestão de boa leitura:

Título: SPQR: uma história da Roma Antiga..

Autor: Mary Beard.

Editora: Crítica,  2020, 576 p.