Quando adolescente li a obra
Feliz Ano Velho de Marcelo Rubens Paiva. O autor é filho do falecido deputado
Rubens Paiva, dado como desaparecido durante a ditadura e que somente a alguns
anos ex-militares envolvidos no caso confirmaram à Comissão Nacional da Verdade
ter sido assassinado pelo regime. A obra escrita por um jovem de vinte anos de
idade tem um marco representado pelo acidente que sofreu ao nadar em um rio de
águas rasas e com pedras no fundo de seu leito que dividiu sua vida em antes e
depois. O escritor deu um mergulho imitando o Tio Patinhas e tornou-se
paraplégico. No livro o autor conta a sua vida anterior ao acidente numa
linguagem atraente aos jovens carregada de palavrões e gírias. Fala de casos
pitorescos de suas paqueras, namoradas e a forma como via a vida. Tudo muda com
o acidente. Lembro-me que após ler a obra, eu que costumava ir a riachos e
fazer mergulhos, abandonei tal prática.
Naquela
época, o Brasil vivia os seus últimos anos da ditadura civil-militar
(1964-1985) que assaltou o Poder e jogou a democracia no calabouço. Veio as
Diretas Já, e, os militares mostraram que não estavam mortos e derrotaram a
emenda Dante de Oliveira que estabeleceria a eleição direta para presidente.
Derrotada a emenda, a eleição foi mesmo pelo Colégio Eleitoral. Paulo Salim
Maluf foi escolhido o candidato do PDS, novo nome da extinta Arena (Aliança
Renovadora Nacional) muito marcada por ser o partido da ditadura. A eleição é
ganha por Tancredo Neves (MDB) que tinha na chapa José Sarney (ex-Arena).
Tancredo tinha grande carisma junto ao povo, mas, surrealmente era homem de
confiança dos militares (que o preferiam a Maluf). Chegou a ser apoiado pelos
militares como primeiro-ministro na intentona golpista contra Jango quando da
renúncia de Janio Quadros em 1961. Presidente eleito pelo povo, só em 1989
(Collor), numa campanha suja que se pensava ter acontecido devido a nossa
democracia estar ainda engatinhando e que com o amadurecimento das instituições
e do povo isso jamais tornaria a ocorrer. FHC ganhou duas eleições ao se vender
como Pai do Plano Real. A verdadeira paternidade é do falecido Itamar Franco
(PMDB). Na reeleição FHC jogou sua biografia no lixo ao dar um golpe na
Constituição Federal e aprovar para si mesmo a reeleição com a compra de votos
de deputados ao valor de duzentos mil reais cada, fato comprovado pelo
ex-deputado Ronivon Santiago (PP/AC).
Depois
vieram os anos Lula, a pobreza diminuiu, o nível de empregos e de renda
aumentou e revistas conservadoras estampavam: “nunca fomos tão felizes”. O
Brasil deixava de ser figurante e passava ao corpo de atores principais do
palco geopolítico mundial. O Brasil ajudava os países irmãos mais fracos e
tinha coragem de dizer não aos Estados Unidos. Lula deixou a presidência com
aprovação recorde. Dilma se elegeu, se reelegeu. Fez um governo abaixo da
expectativa e foi derrubada por um processo de impeachment farsesco, pois,
jamais houve a comprovação de sua culpabilidade. Temer, o traidor, que em
surdina junto com seus asseclas havia elaborado o projeto “Ponte para o Futuro”,
deu um cavalo de pau no rumo do país e levou-o de volta para o passado. Os
dados sócio-econômicos do país despencaram como breves pesquisas nos principais
jornais do país demonstram. O ciclo de redução da desigualdade social foi
interrompido. Os ricos tornaram-se mais ricos e a miséria voltou com força. O
desemprego e a informalidade aumentaram. A desindustrialização do país se aprofundou.
O Brasil abandonou o protagonismo e voltou a ser figurante. O risco país
aumentou, mas isso não foi mais divulgado na mídia golpista, porém, o PIB de
1,0% de 2017 (que nos anos petistas era tratado como “pibinho”) foi motivo de
forte comemoração.
A história
nos traz vários exemplos de que nem sempre a mudança (em si tão desejada pela
sociedade) pode trazer dias melhores. Os nazistas quiseram mudanças e elevaram
Hitler ao Poder. Os brasileiros quiseram mudanças e elevaram Bolsonaro ao
Planalto. Na passagem de ano, mais especificamente no dia seguinte, quando Temer
passar a faixa presidencial para Bolsonaro, uma segunda porta (a primeira foi o
golpe de Estado de 2016) se fechará atrás de nós. Estaremos adentrando em
território de trevas (fascismo) dominado por almas que amam a escuridão e que
combatem a luz. E todos os seres de luz (conhecimento) têm a obrigação de iluminar
e resgatar pessoas da escuridão do fascismo. Feliz Ano Velho, pois, 1964 é logo
ali!