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Alguns leitores privilegiados tiveram a oportunidade de
assistir a belíssima apresentação de balé da escola Ballerina de Laranjeiras do
Sul no ano de 2017 retratando o tema, porém, muitos lembrar-se-ão do filme ou
do desenho animado dos estúdios Disney. No desenho, o Sr. Scrooge é
representado pelo Tio Patinhas. A obra “Um conto de Natal” de Charles Dickens
publicado em 1843 retrata um empresário rico de nome Ebenezer Scrooge que
continuava trabalhando na mesma empresa cujo sócio Jacob Marley tinha falecido.
Tal como o sócio falecido, o Sr. Scrooge era insensível às questões sociais e
não se deixava influenciar pelo espírito do Natal. Tinha uma alma egoísta,
dura. Explorava seu empregado pagando-lhe salários miseráveis. Por sua forma de
ser e de agir era ferrenho defensor da ideologia da meritocracia e do
liberalismo econômico. Tudo começa a mudar quando em sonho lhe aparece o
espírito do seu falecido sócio que conta os castigos que recebeu e o adverte
para mudar sua forma de viver para não passar pelo mesmo e anuncia que os
fantasmas do Natal Passado, do Natal Presente e do Natal Futuro irão lhe
visitar. Os fantasmas aparecem, um de cada vez, na ordem cronológica, e
levam-no a refletir sobre sua vida e a forma como tratou e trata as pessoas. Ao
final, após rever vários momentos de sua vida, e principalmente ao ver a
situação difícil de sobrevivência de seu próprio empregado e do filho doente
deste, Scrooge modifica toda a sua vida.
Há
muitos Scrooges em nossa sociedade. Muitos deles adoram o Natal pelo potencial
de lucros que proporciona, mas, não fazem desse momento uma época de reflexão
sobre os erros e acertos da sua trajetória de vida. Muitos se dizem cristãos,
mas, defendem a tortura e as prisões ilegais bem como a morte, sendo que o
próprio Cristo foi arbitrariamente preso, torturado e morto. Cristo que nunca
discriminou ninguém e que defendeu a prostituta ante a hipocrisia dos
moralistas sem moral (os quais foram e continuam a ser muitos na sociedade),
prometeu o paraíso até mesmo ao criminoso, quando em nossa sociedade “cidadãos
de bem” defendem a pena de morte, quando muitos já pagam a pena de vida,
encarcerados pelo preconceito étnico, social, de gênero ou de opção sexual. Há
muitos Scrooges que dirigem igrejas e que dizem falar inspirados pelo Cristo,
mas, que fazem da religião um negócio lucrativo no qual enriquecem. Há os
Scrooges que doutrinam seus fiéis a neles votar para que no Poder trabalhem por
um país que se encontra diametralmente oposto ao que Cristo pregava, o Reino de
Deus que precisa acontecer aqui na Terra e não servir de alienação visando à
acomodação, a apatia na espera de uma recompensa post-mortem.
Os
Scrooges de nossa sociedade possuem um apetite voraz pelo vil metal, deixam de
viver para acumular, mas, esquecem que caixões não possuem gavetas, não dá para
levar o que acumulou. Também, são contra a justiça social, o que Cristo
entendia como o mundo feito por Deus para ser compartilhado por todos. Eles
entendem a justiça social como sendo comunismo. Os Scrooges são contra partidos
e programas de governo voltados para a superação da pobreza e da desigualdade
social. Os Scrooges não se contentam em ter sua própria fortuna, precisam
também, que ela seja reconhecida por todos como de seu legítimo merecimento. Mas,
por trás da fortuna dos Scrooges, há sempre um ou vários crimes cometidos. Há
Scrooges que apesar de votarem e até agirem contra políticos e partidos que
realmente trabalham para minorar as injustiças sociais, também combatem
políticas sociais com o pseudo discurso da meritocracia, pois, precisam da
pobreza, assim, podem fazer algumas ações de caridade e aparecer como bons
moços para a sociedade. Em muitos lares neste país, o Natal não será feliz como
na sua casa. Não haverá presentes e nem carne será servida na hora do almoço. Muitos
pais estão desempregados. A família voltou à extrema-pobreza. Perdeu o auxílio
bolsa-família em virtude da política neoliberal do ilegítimo governo Temer. Milton
Santos nos disse: “a fome é uma decisão política, se ela existe, é porque assim
decidimos que seja”. Afinal, sobram alimentos no mundo. Desculpe se lhe causei
certa amargura com esta reflexão. É que compartilho do pensamento de Milton
Santos quando diz: “o intelectual existe para criar o desconforto. E ele tem
que ser forte o bastante sozinho para continuar a exercer esse papel. Não há
nenhum país mais necessitado de verdadeiros intelectuais no sentido que dei a
esta palavra do que o Brasil” e concluo dizendo de forma consonante a Paulo Freire:
“sonho com o dia em que a justiça social venha antes da caridade”!
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