Em 1957, ao visitar a casa do professor de matemática Maurice Audin, que era seu amigo e membro da resistência ao colonialismo, Alleg caiu na armadilha preparada pela 10ª divisão militar de pára-quedistas franceses que atuavam em solo argelino. Preso, sem que uma acusação formal tivesse sido declarada contra ele e, sem ter sido apresentado e ouvido por um juiz de instrução foi severamente torturado. É importante lembrar que, passada a Segunda Guerra Mundial e, com a revelação pelo Exército Vermelho da então União Soviética do horror dos campos de concentração nazistas que faziam parte da indústria de extermínio da Alemanha e que vitimou milhões de judeus, ciganos, sindicalistas, socialistas, comunistas, negros, deficientes físicos e homossexuais, a humanidade (após a criação da ONU) imaginava que atos de barbárie como estes seriam algo relegado aos livros de história, mas, a realidade demonstra que as expectativas foram frustradas, pois, revelações posteriores surgiram, dentre outras, as referentes ao período stalinista da URSS (1941-1953), a ditadura militar brasileira (1964-1985), aos campos de concentração sérvios na Guerra da Bósnia (1992-1995), e mais recentemente, acerca das prisões de Abu-Grhaib (Iraque) e em Guantánamo (Cuba) ambas comandadas pelos EUA. Impossível não se lembrar do livro “Eichmann em Jerusalém”, onde o oficial nazista levado a julgamento em Israel declarava que apenas estava cumprindo ordens e se eximia de qualquer culpa ou ressentimento por seus atos, ao que a intelectual Hannah Arendt cunhou a expressão “a banalidade do mal”. Na obra, Alleg relata ter sido elogiado por seus torturadores “por ser durão” e resistir a todas as técnicas e não revelar seus companheiros da resistência nem mesmo sob o efeito de pentotal, uma droga aplicada na veia e conhecida como “soro da verdade”. Infelizmente, ainda há quem defenda tais práticas horrendas, bárbaras e incivilizadas, dentre estas pessoas há até chefes de Estado. Alleg afirma ainda ser motivo de forte angústia e humilhação ouvir os gritos de homens e mulheres torturados e, que os muçulmanos presos ao verem-no sendo carregado após as sessões de tortura (solidariamente) diziam: “coragem irmão”.
O livro é um relato minucioso das torturas que sofreu, e foi publicado originalmente em 1957, quando seu autor foi transferido para outra prisão, pois, os militares se conscientizaram que ele “não tinha apreço a vida” e nada revelaria. Neste momento, por meio de seu advogado, enviou secretamente seus relatos que foram publicados como livro. A obra foi proibida na França, mas, o estrago estava feito, a opinião pública informada pela imprensa passou a exigir sua libertação, o que não ocorreu, porém, Alleg conseguiu fugir da prisão e se exilou na então Tchecoslováquia. Anos mais tarde, uma lei de anistia foi sancionada na França e lá ele estabeleceu residência. O professor Audin foi morto pelos militares, recentemente o presidente Macron da França, pediu desculpas oficiais à sua viúva. Henri Alleg afirmou que publicou o livro para que a sociedade tomasse conhecimento e repudiasse tal prática bárbara, incivilizada e desumana. Alleg (morreu aos 91 anos) não viu seus torturadores serem punidos, pois, morreram antes dele, graduados e com honras militares, mas, fez sua denúncia correr o mundo, inclusive na França. A leitura do livro não é aconselhada para pessoas sensíveis, mas, necessária para refletir sobre a humanidade, nem sempre humana!
Sugestão de boa leitura:
Título: A tortura.
Autor: Henri Alleg.
Editora: Todavia, 2020, 80 p.
Preço: R$31,91.
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