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quinta-feira, 27 de junho de 2019

Democracia em Vertigem



           
Há alguns dias a Netflix disponibilizou o documentário “Democracia em vertigem”¹ dirigido por Petra Costa. Tendo em conta a ampla repercussão acerca da obra, considerada por muitos como merecedora de uma futura indicação ao Oscar, não tardei em assisti-la. Fiquei tão perturbado pela obra audiovisual que hoje resolvi assisti-la novamente. Não há nada no documentário que eu não tenha lido em dezenas de livros e centenas de artigos. Mas, é chocante assistir as imagens e ouvir os áudios de fatos que tal como peças de um quebra-cabeça montam o mosaico do Brasil surreal que se delineou a partir de então e que mais se parece a obra de Franz Kafka tornada realidade. Não obstante assistir por duas vezes o documentário li artigos publicados em grandes jornais e revistas de circulação nacional para entender como estes o percebiam.  No documentário, Petra Costa situa o seu nascimento pouco anterior ao inicio do período democrático pós-ditadura militar (1964-1985). Também torna conhecida sua condição de observadora integrante da elite rica do país, neta de um dos sócio-fundadores (avô materno) da mega-construtora Andrade Gutierrez e filha de pais militantes de esquerda durante os anos de chumbo, os quais viveram na clandestinidade em Londrina e cujo paradeiro os pais ignoravam. Na Folha de São Paulo, Breno Altman afirma que “o documentário “Democracia em vertigem” não é para corações e mentes desavisados. Cada pedaço de narrativa é um golpe no estômago, flertando com a tessitura de uma tragédia shakespeariana”. Registra ainda que “‘Democracia em vertigem’ é um libelo contra o desmoronamento de um sonho de liberdade e justiça, mas nenhum dos personagens, incluindo as vítimas centrais desse terremoto político, foi poupado pela documentarista”. Eu seu artigo, Altman afirma que no documentário Lula e Dilma não são idealizados.²
            A obra mostra Luís Inácio Lula da Silva se lamentando por não ter feito a regulação econômica dos meios de comunicação no tempo em que estava à frente do Poder Executivo nacional. Sua inação neste quesito é alvo de muitas críticas dos setores progressistas da sociedade (inclusive do autor destas linhas e já publicadas neste espaço). É importante lembrar que regulação econômica da mídia nada tem a ver com censura, mas, em cumprir a Constituição Federal de 1988 que proíbe a propriedade cruzada dos meios de comunicação (Emissoras de TV’s, rádios, jornais e revistas). O documentário mostra Dilma lamentando o alto custo imposto ao Governo e ao PT com as alianças que se fizeram necessárias para obter a governabilidade e assessores lamentando que nos governos petistas não fora proposto a reforma política que impedisse o financiamento de campanhas pelas empresas, fonte maior da corrupção do sistema democrático, no qual o PT acabou por aderir por considerar normal, pois, todos assim faziam. Um momento interessante é quando um assessor do ex-presidente Lula afirma que um lema do PT era “um pé dentro e um pé fora”, ou seja, atuar dentro das instituições, mas, sem jamais perder o contato com as bases e segundo este assessor, o Partido dos Trabalhadores pensou que poderia governar por dentro mantendo relações cordiais com a elite financeira do país e acabou por perder a conexão com a sociedade.
            Fernando Carneiro em seu artigo “‘Democracia em vertigem’ é honesto, mas ignora questões essenciais” (publicado na revista Época do Grupo Globo) critica a ausência do registro da atuação dos militares como partícipes dos fatos que resultaram na atual realidade nacional com Jair Bolsonaro na presidência. Discorda que a elite “forçosamente” de direita tenha o papel a ela imposto como criadora de uma situação artificial para forçar a saída de Dilma. Coloca a culpa de sua deposição na má administração política e econômica (ignorando que impeachment somente pode ocorrer por crimes de responsabilidade e não por má administração) e afirma que a pressão das ruas veio de “uma ralé moralista que ascendeu graças ao PT. Os agora malditos pobres de direita”. Coloca ainda os representantes do petismo no poder no mesmo balaio, pois, segundo ele Bolsonaro e Maluf também votaram com o PT e que os dois declararam que já apoiaram Lula no passado e que “a cama foi feita e nela todos se deitaram” (ignorando que o sistema de presidencialismo de coalizão obriga todo governante que não possui maioria parlamentar a fazer alianças mesmo bizarras para obter a governabilidade). No artigo critica Bolsonaro pela ausência de consciência liberal e pelo excesso de corporativismo (a defesa do soldo e dos privilégios dos militares), afirma ainda que “o governo (Bolsonaro) está nos levando para uma recessão que não estava no radar”. Reitera que o impeachment de Dilma e a perseguição de Lula, com Moro e Dallagnol em seu encalço, mostrou a vitória incontestável, para o bem e para o mal, da supracitada ralé reacionária que subiu com os grandes avanços sociais do Brasil, promovidos pelo PT. Conclui dizendo que “o filme entristece muito as pessoas. Gera muita vergonha alheia”. “E que [...] o “campo democrático” voltará com força. [...] e que espera que a história não se repita nem como farsa, nem como tragicomédia – ficcional ou não”. ³
            De minha parte, considero que caso lesse uma obra de ficção retratando processos como o de impeachment sofrido por Dilma e aquele levado a efeito contra o ex-presidente Lula não teria dúvida alguma de se tratar de uma obra kafkiana ou nela inspirada. É famosa a frase “a vida imita a arte”, no caso brasileiro, superou-a!

Fontes:
1.    Democracia em vertigem (2019), duração: 2h01’ – Diretora: Petra Costa. Disponível na Netflix.


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