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quinta-feira, 30 de maio de 2019

Licença para morrer – parte 4 ou Vida de gado



            A última pesquisa CNI/Ibope mostrou que 59% dos entrevistados (foram dois mil) são favoráveis à reforma da Previdência e consideram a reforma tal como proposta pelo governo de Jair Bolsonaro como imprescindível para melhorar as condições do país. A minha dúvida é sobre o seu grau de esclarecimento no que concerne ao teor da reforma da previdência, a real necessidade desta, o mecanismo de seu funcionamento e as alternativas possíveis. E isso faz todo sentido num país em que as pessoas discutem sobre as manchetes de notícias (principalmente na Internet) sem se dar ao trabalho de ler seu conteúdo, ou, aceitam tacitamente as notícias de telejornais sem qualquer reflexão. O grau de alienação é facilmente constatado quando observamos que dentre os eleitores de Jair Bolsonaro grande percentual defende bandeiras progressistas como a educação e a saúde pública, algo que vai à contramão dos ideais deste e de seu partido, pois, a direita e mais especificamente a extrema-direita aqui e no mundo todo trabalha na construção do “Estado mínimo”, ou seja, um Estado mínimo para a sociedade e máximo para o grande capital. Não é à toa que Bolsonaro afirmou alguns meses atrás que trabalharia na destruição de tudo o que o PT fez. É correto afirmar que uma análise crítica deva ser feita sobre os governos petistas, porém, estes levaram a efeito grandes avanços na área social justamente a mais atacada pelo governo Bolsonaro.
            Uma tese de doutorado da pesquisadora Denise Gentil já havia demonstrado que a Previdência não é deficitária. Nesse mesmo sentido, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) investigou e também constatou que a Previdência não é deficitária, mas, que possui um rol muito grande de empresários que devem a esta, valores que chegam quase a meio trilhão de reais. Grande parte desses sonegadores apóia a reforma da Previdência (por que será?). Alguns até afirmam que com a reforma da Previdência poderão empregar mais. A mesma retórica da reforma trabalhista que tirou direitos do trabalhador, mas não diminuiu o desemprego que inclusive aumentou. Qualquer pessoa esclarecida sabe que o que gera emprego é a economia aquecida. E o que aquece a economia é o dinheiro na mão do povo, pois este o faz circular inversamente a elite do capital financeiro que se acostumou a colocar seu dinheiro para vadiar (juros) e não na geração de empregos por meio da produção. E o Governo Lula (2003-2010) é um exemplo de que é possível ter economia aquecida sem tirar direitos do povo.
            O mecanismo para financiamento da Previdência ocorre por meio do desconto mensal do trabalhador e da contrapartida patronal. Além disso, há impostos com destinação específica para esse fim (PIS, COFINS, CSLL, etc.). O governo apresenta apenas os dados referentes às contribuições de empregados e patrões e afirma haver déficit. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi criada a Lei de Responsabilidade Fiscal e naquela época soube que um de seus princípios é de que os governos ficam proibidos de fazer renúncia fiscal. Assim, importa cumpri-la, pois, uma das soluções é justamente cobrar esse passivo que os grandes empresários têm com a Previdência e seguir o exemplo dos países desenvolvidos quanto à sonegação, colocar os responsáveis na cadeia. Também de grande valia seria uma auditoria cidadã da dívida pública, pois se acredita que parte dela é formada por papeis podres. Outra ação valiosíssima seria aprovar o Imposto Sobre Grandes Fortunas que está engavetado no Congresso Nacional desde 1986. Uma anomalia do sistema tributário nacional (criada por FHC) é a não tributação de dividendos dos capitalistas, o que coloca o Brasil junto a Estônia como únicas nações a garantir por suas legislações tal privilégio despudorado. Uma reforma tributária progressiva em contraposição ao modelo atual (regressivo) também é necessária, dessa forma os mais ricos pagariam mais e os mais pobres seriam isentos. Esta reforma deveria basear-se principalmente na renda e reduzindo a patamares mínimos a tributação sobre o consumo.
            O leitor pode pensar que comecei falando da crise da Previdência e terminei falando da crise do Estado (Governo). A verdade é que na Previdência não há crise, pois, não há déficit. O déficit é do Estado que por meio das Desvinculações das Receitas da União (DRU) costuma se apossar de recursos de várias pastas com recursos constitucionalmente carimbados como a Educação, a Saúde, a Previdência, etc. para cobrir os rombos orçamentários. A reforma da Previdência tem como objetivo tapar o rombo orçamentário do governo e aumentar a margem para o endividamento do Estado, algo que muito interessa ao capital especulativo ou “vadio”, que nada produz, pois, vive de sugar as riquezas do Estado coletadas junto à classe trabalhadora, real mantenedora do Estado. A reforma da Previdência não aumentará empregos, mas, empobrecerá enormemente a população, ainda mais, quando sabemos que em muitas famílias os integrantes vivem do aposento dos pais e avós. Se informar satisfatoriamente sobre como a Previdência é mantida e gerida e conhecer os problemas do Estado brasileiro e as reais intenções do projeto governamental em curso faz toda a diferença entre ser cidadão e ser gado (que não sabe a força que tem) conduzido pacificamente para o abatedouro.

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