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domingo, 15 de dezembro de 2024

Os europeus: O século XIX e o surgimento de uma cultura cosmopolita


         O inglês Orlando Figes (1959) é historiador e professor de História da Universidade de Londres. É dele a obra (título) aqui resenhada. A capa de seu livro dá o tom de seu conteúdo. Nela há um trem em uma estação ferroviária. A obra trata da transformação da economia, da cultura, enfim, da sociedade, ocasionada pela revolução dos transportes sobre trilhos. A Europa diminuiu de tamanho, tudo ficou mais próximo e conectado. Se o leitor não fugiu às aulas de geografia, sabe que estamos falando da globalização, que não é algo recente, pois começou nas grandes navegações (Séc. XV), porém, o surgimento da sociedade cosmopolita, inicia-se na Europa, no século XIX, com o advento dos trens.

            O século XIX foi um período de grandes inovações, o trem, à época, foi talvez, a mais importante, pois possibilitou a ampliação dos mercados de literatura, de artes gráficas, da música, da informação, do conhecimento e, também do turismo. É nessa época que surgem agências de turismo e grupos de viajantes. Esse também foi o momento em que artistas passaram a se deslocar mais facilmente para outras cidades e países, promovendo seus shows e exposições. Livros foram então  lançados, publicados e lidos  em diferentes países ao mesmo tempo (piratas ou não). E por isso, iniciou-se a discussão sobre copyright, que deram origem às leis atuais sobre o tema.

            Engana-se o leitor, caso pense que o livro é uma obra tecnicista, embora, em alguns momentos pormenorize alguns aspectos óbvios. O livro traz também aspectos íntimos de importantes personalidades históricas da literatura e da música clássica. Aborda a convivência nem sempre fácil entre personagens de valores aquilatados por sua cultura e fama, sua genialidade e gênios nem sempre fáceis de conviver.

            O trem é a personagem principal da obra, mas, as personagens que fazem a amarração dos fatos históricos são o casal francês formado pelo escritor, tradutor, historiador e crítico de arte Louis Viardot (1800-1883) e sua esposa, a cantora soprano Pauline Viardot (1821-1910) e, o romancista, poeta, tradutor, escritor de contos e novelas, dramaturgo e divulgador da literatura russa na Europa Ocidental, Ivan Turguêniev (1818-1883). Orlando Figes discorre sobre o surgimento da sociedade cosmopolita europeia por meio dos trilhos cuja estação de partida e de chegada é sempre o lar (onde for) do  "trio ou triângulo" (Casal Viardot e Turguêniev). Paro aqui, pois já estou dando pistas demais e, fofocas, mesmo que literárias, não fazem parte do escopo dessa coluna.

Sugestão de boa leitura:

Título: Os europeus: O século XIX e o surgimento de uma cultura cosmopolita.

Autor: Orlando Figes.

Editora: Record, 2022, 644 p.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Caetés

 

  


        A obra Caetés de Graciliano Ramos foi publicada originalmente em 1933. Trata-se de seu primeiro livro. Na trama narrada pela personagem principal João Valério (um guarda-livros da empresa Irmãos Teixeira de propriedade de Adrião e Vitorino Teixeira) lamenta-se nada ter herdado do passado glorioso de sua família. Não herdara propriedades, dinheiro, nem posição social de destaque. João Valério, deseja se afirmar na sociedade, ser reconhecido, galgar posições na hierarquia social de Palmeira dos Índios (Alagoas). Considera que sua juventude e intelectualidade são trunfos para tal.

            O guarda-livros, sabe ser muito bom em seu ofício, carismático, passa a frequentar a casa dos patrões, especialmente a de Adrião Teixeira (casado com Luísa). João Valério participa de jantares e jogos de cartas, mas o reconhecimento que busca está muito além do que lhe prestam seus patrões, que tem nele, um amigo. Além da escrituração dos negócios da empresa, João Valério escreve um romance histórico sobre os índios Caetés, os quais ficaram conhecidos além mar, por terem devorado o Bispo Sardinha. Com tal livro, pretende alcançar reconhecimento e projeção social, pois muito lhe entristece seu papel subalterno na sociedade.

            João Valério se apaixona por Luísa, que com ele, gosta de entabular conversas sobre literatura. João Valério, num arroubo de paixão e de atrevimento, dá um beijo em Luísa. À reação de Luísa, percebe que teve uma atitude tresloucada, se afasta da casa de Adrião e, passados alguns dias, ante ao questionamento deste, sobre o motivo pelo qual não tem comparecido em sua casa, entende que Luísa nada contou sobre o ocorrido.

            O guarda-livros retorna ao convívio dos Teixeiras, e inicia um romance com Luísa. Adrião nada percebe, mas há pessoas da sociedade para as quais nenhuma discrição é suficiente. Sociedade esta, cujas principais personalidades são descritas por João Valério no convívio que com elas tem ao longo do livro. No entanto, uma carta denúncia chega ao marido traído e, este interroga João Valério que nega tal romance. Adrião acredita no guarda livros apesar dos murmúrios que circulam na cidade. Passados algum tempo, Adrião adoece gravemente e, após alguns dias morre. Luísa é agora uma viúva, a sociedade acredita que agora eles podem e até mesmo devem se casar como forma de apagar a nódoa de seu passado comum. Mas, será esse o desejo de Luísa? E o solteiro João Valério,  marcado pelos dissabores vividos, ainda deseja o enlace?

Sugestão de boa leitura:

Título: Caetés.

Autor: Graciliano Ramos.

Editora: Record, 2019, 336 p.

 

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Apontamentos sobre a privatização da educação chilena - parte 6

 

      Polanco disse que os estudantes eram organizados e faziam enfrentamentos e ocupações de escolas que duravam meses e que no Chile, o Sindicato Nacional dos Professores era puxado pelos estudantes, pois, os professores apesar dos seus baixos salários, receavam entrar em greves e serem demitidos. Os contratos de trabalho dos professores eram muito diferentes entre si, dependia da escola que o professor era contratado. Algumas ofertavam contratos temporários, em que os professores não recebiam as férias/recesso (dois meses) e, havia professores que economizavam durante o ano para passar o período em que não receberiam salários ou, realizavam "bicos" para se manter.

            Agustín relatou que sua mãe era professora, mas tinha contrato permanente, ou seja, recebia doze salários anuais. Em geral, o salário do professor chileno é baixo para o custo de vida do país que é mais elevado do que o brasileiro. Polanco disse se espantar com a falta de participação e luta dos estudantes e professores nesta proposta de privatização das escolas públicas paranaenses. Esclarecimentos lhes foram dados quanto a isso.

            Encerro a temática, lhes contando que ouvi de algumas pessoas que: "os professores não querem a privatização das escolas públicas, por que não querem virar CLT!". Ocorre que a maior parcela dos professores do Paraná já possuem contratos precarizados (PSS), que são regidos pela CLT. Isso, apesar da legislação determinar que os funcionários públicos devam ser preferencialmente estatutários. Ao ouvir a fala das referidas pessoas lembrei-me de uma frase de Simón Bolívar (1783-1830), quando disse: "Um povo ignorante é o instrumento cego de sua própria destruição".

            A privatização da escola pública é o início do desmonte do Estado de Bem-Estar Social proposto pela Constituição Federal de 1988.  Quando você precisar dele e ele, não mais existir, você entenderá. Quando tiver que pagar parte ou a integralidade das mensalidades, mesmo em escolas e universidades públicas. Quando tiver que vender casa, carro ou realizar uma ação entre amigos para que você ou alguém de sua estima possa ser operado. Agustín relata que faziam bingos para arrecadar dinheiro para tratamento médico de pessoas do convívio. No Chile, ninguém espera nada do governo, por que ele nada tem a oferecer, pois é Estado Mínimo. Estado esse que é o sonho dos neoliberais.

sábado, 30 de novembro de 2024

Apontamentos sobre a privatização da educação chilena - parte 5

 

               Agustín relata que, inicialmente as empresas que comandavam escolas no Chile, não tinham fins lucrativos, somente nos anos 1990, houve a liberação governamental para que tivessem lucros na atividade educacional. Diferentemente, o governo Ratinho Júnior em seu projeto de privatização das escolas públicas já contempla a atribuição de polpudos lucros para as empresas, enchendo os bolsos da iniciativa privada e, dessa forma retirando recursos que poderiam ser utilizados para a melhoria de todas as escolas públicas.

            O fim dos anos 1980 e anos seguintes, acenavam grandes transformações na geopolítica mundial. A queda do Muro de Berlim (1989), a reunificação das Alemanhas (1990), a crise derradeira da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas que levou ao seu desmantelamento em 1991, a transição para o capitalismo por parte das economias socialistas do leste europeu. No Chile, a parcela da população que sonhava com o fim do neoliberalismo, teve que se contentar com o fim da ditadura Pinochet (1973-1990). Embora isso não fosse pouco!

            O fim da ditadura Pinochet, não significou a libertação do povo oprimido sob o jugo do neoliberalismo. A elite econômica e a classe política dominante trabalharam exaustivamente na construção de "leis de amarração" que permitiam a democratização do país, porém sempre com a prevalência dos interesses do capital privado. Há entre os políticos brasileiros, uma frase muito utilizada, cuja origem é de Giuseppe Tomasi di Lampeduza (1896-1957), "Às vezes, é necessário mudar tudo, para que tudo fique como está". As elites chilenas entregaram as luvas, mas, preservaram os anéis e também os dedos intactos.

            O neoliberalismo chileno, aquele imenso mar em que se encontravam os capitalistas e os trabalhadores, os primeiros navegando em seus iates e, os trabalhadores à nado, com o tempo, começou a apresentar ondas cada vez mais desafiadoras. As águas não eram mais pacíficas, nunca foram. A promessa da terra à vista, não mais iludia. As crises econômicas afetavam a classe trabalhadora, em especial, a educação, e deram luz à inúmeras manifestações e greves.

quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Apontamentos sobre a privatização da educação chilena - parte 4

 

        Agustín relatou que no início do processo de privatização da educação chilena, as escolas eram integralmente subvencionadas pelo Estado e, somente mais tarde, passaram a exigir também pagamentos de mensalidades por parte dos pais. Aqui cabe uma observação sobre o caso paranaense, a bancada de deputados estaduais da base de sustentação do governo Ratinho Júnior, rejeitou a emenda aditiva do deputado estadual Arilson Chiorato ao Projeto de Lei 345/2024 cuja intencionalidade era impedir a cobrança de mensalidades ou de qualquer contrapartida financeira dos pais/responsáveis em toda a rede pública estadual de educação do Paraná (por que será?).

            Polanco disse ainda, que desde os anos 1990, não foram mais criadas universidades públicas no Chile, mas centenas de universidades particulares (grande parte de qualidade duvidosa) foram criadas e, que mesmo as universidades públicas passaram a cobrar mensalidades dos universitários. As mensalidades variavam muito, havendo inclusive universidades públicas que cobravam mensalidades mais caras que as particulares. Os jovens filhos da classe trabalhadora e, que desejavam a formação no ensino superior, cujas famílias não dispunham de recursos, recorriam ao financiamento estudantil junto aos bancos, porém, a realidade salarial no mercado de trabalho após a conclusão do ensino superior, não lhes permitia sobreviver e pagar a dívida junto aos bancos. Optaram por sobreviver.

            Como sabemos a privatização é apenas dos lucros, os prejuízos são, via de regra, socializados. O Estado foi chamado a pagar as dívidas dos estudantes inadimplentes. Dessa forma, o Estado se tornou credor dos jovens para que a iniciativa privada (os bancos) não tivessem prejuízos (é para isso que serve o Estado num modelo neoliberal, ou seja, atender as necessidades do capital, não as necessidades da sociedade).

            Agustín relata que, no afã de obter mais estudantes (e dinheiro), as escolas colocavam outdoors em sua parte frontal, com o seu ranking (resultado) no sistema de avaliação nacional de educação. O sistema, tal como no Brasil, tinha foco na língua materna (no Chile, o espanhol) e em matemática. Bons estudantes eram atraídos para as melhores escolas, outros eram convidados a mudar de escola por seus baixos desempenhos/índices de frequência.

            Os pais, tal como no Brasil, se deixavam levar por esse processo de ranqueamento, que nada mais é que o treinamento repetitivo e exaustivo para que os estudantes (melhor treinados) tenham melhor resultado nas provas externas. Os pais ignoram ou esquecem, que o sistema de avaliação nacional/estadual, não é capaz de aferir verdadeiramente a qualidade na educação, pois não é configurado de forma a medir especificidades subjetivas de uma formação humana omnilateral, ou seja, plena para a vida em sociedade. Repetimos, uma escola/educação de qualidade não é uma posição no ranking (afinal, qualidade para quê? Para quem?). O estudante, por sua vez, não é um número. É um ser humano em formação, não mera peça de engrenagem do sistema produtivo.

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Apontamentos sobre a privatização da educação chilena - parte 3

 

            O Estado Totalitário, ou seja, o regime ditatorial, sempre tem na inteligência seu principal adversário, afinal é fácil enganar as pessoas alienadas e/ou omissas, mas, não aquelas dotadas de inteligência e criticidade. Dessa forma, toda ditadura derrama o sangue entre os intelectuais insubmissos. Não foi diferente no Chile do ditador Augusto Pinochet. Agustín afirma que cento e setenta e três professores encontram-se entre os desaparecidos políticos, sem contar as milhares de mortes reconhecidas/elucidadas dentre aqueles que ousaram empunhar a bandeira da democracia.

            Agustín disse que, ao longo do regime, houve uma doutrinação em massa da sociedade chilena que, aliada às reformas neoliberais, resultaram na mudança de sua própria cultura. O consumismo, os shopping center's inaugurados às dezenas, o dinheiro, enfim, fizeram a cabeça do chileno. Houveram reformas visando a descentralização da política nacional, os municípios adquiriram maior protagonismo, porém, os recursos não eram distribuídos de forma equânime. A reforma havia municipalizado a administração da gestão dos recursos para a educação, porém, assim como haviam municípios mais ricos e outros pobres, também os investimentos nas escolas eram maiores ou menores conforme o município. No Chile, 85% das escolas são privatizadas e apenas 15% são públicas. Segundo Agustín, há escolas particulares melhores que as públicas, como também escolas particulares de pior qualidade que as públicas.

            Os municípios repassavam mais recursos para as escolas públicas ou privadas (subvencionadas) que obtinham maiores índices de frequência dos estudantes, bem como melhores resultados nas avaliações oficiais. As escolas do centro e bairros nobres, onde estudavam os jovens oriundos da classe média e alta, obtinham os melhores resultados e consequentemente mais recursos/investimentos. As escolas de bairros (periferia), onde estudavam os jovens oriundos da classe baixa e média-baixa, com piores índices de frequência e de resultados, recebiam menos recursos/investimentos. O governo neoliberal chileno teoricamente entendia, tal como se a escola fosse uma empresa, e que as leis de mercado se aplicassem ao fazer pedagógico, que as escolas submetidas à concorrência, superariam suas precárias condições e se alçariam à patamares equivalentes aos das melhores escolas públicas ou privadas.

            Não foi o que ocorreu, pois a política neoliberal chilena, na prática, acabou introduzindo, a dualidade da oferta educacional, qual seja, uma escola de boa qualidade para a classe média e alta no centro e bairros nobres e, uma escola precarizada para os jovens dos bairros periféricos, estes oriundos da classe baixa, ou seja, os filhos dos trabalhadores.

sábado, 23 de novembro de 2024

Apontamentos sobre a privatização da educação chilena - parte 2

 

               Chicago Boys é como são chamados os economistas chilenos que implementaram o programa neoliberal de governo do ditador General Augusto Pinochet (1915-2006). No Brasil, são chamados dessa forma, os economistas formados na Escola de Chicago (Universidade de Chicago) que, por muito tempo tiveram a orientação do ideólogo neoliberal Milton Friedmann (1912-2006), dos quais Paulo Guedes, Ministro da Economia (2019-2023) durante o Governo Bolsonaro é um exemplo.    

            O neoliberalismo é a doutrina que fundamenta o capitalismo atual, prega a não intervenção do Estado na economia, ou seja, postula que o Estado atrapalha o livre funcionamento da economia quando, por exemplo, estabelece o valor do salário mínimo, que deveria ser fruto da livre negociação entre patrão e empregado, assim, o trabalhador seria "livre" para não aceitar o baixo salário oferecido pelo empresário e, este poderia contratar outro que aceitasse, principalmente em momentos de grande oferta de mão de obra (trabalhadores desempregados). Qual seria o lado mais forte nessa negociação? O neoliberalismo, também prega que o Estado não deve possuir empresas ou ofertar serviços como Educação e Saúde, pois são consideradas atividades econômicas e devem estar a cargo unicamente da classe empresarial.

            O capitalismo avançou no mundo todo e, para obter mais lucros, precisa desbravar novos campos, avançar sobre os setores e países, onde isso não foi possível anteriormente, seja porque havia do outro lado do muro, o socialismo, e não era possível esmagar a classe trabalhadora para extrair-lhe a máxima mais-valia sob o risco do anseio revolucionário pela libertação (via socialismo), por isso, em muitos países de economia de mercado, se implantou Estados de Bem-Estar Social (Europa Ocidental, Canadá, etc.) que visou prover a educação pública (da creche à Universidade) e Saúde Pública (SUS no Brasil) para que a classe trabalhadora não ansiasse por algo diferente. No Brasil, o anseio pela melhoria da qualidade de vida veio com a Constituição Federal de 1988, que estabeleceu a educação e a saúde como direitos básicos do cidadão, algo que o neoliberalismo quer alterar, pois entende que são serviços que devem ser remunerados e estarem a cargo das empresas. A educação é a bola da vez, a próxima será a saúde. 

            Lima Barreto (1881-1922) acertadamente afirmou: "O Brasil não tem povo, tem público, pois povo luta por seus direitos, público apenas assiste da plateia". Nesse momento em que o Paraná acena com a privatização das escolas públicas, nada melhor define a sociedade paranaense e sua apatia, pois não entendem o que está acontecendo e não interessam-se em saber. Prato feito para os lesa-pátrias agirem ao seu bel-prazer no dizer de Bertolt Brecht (1898-1956).