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domingo, 28 de abril de 2024

O buraco da agulha

 

Kenneth Martin Follett (1949) é um escritor britânico nascido no País de Gales, autor de thrillers e romances históricos. Ken Follett vendeu mais de 160 milhões de cópias de seus trabalhos (Wikipédia). O buraco da agulha, originalmente publicado em 1978, foi sua primeira obra. Trata-se de um thriller ambientado na ilha da Grã-Bretanha nos meses que antecederam o "dia D" (06 de junho de 1944) quando os aliados, vindos da Inglaterra desembarcaram na costa da Normandia (França). Essa data marca o início da liberação da França, então ocupada pela Alemanha nazista.

            Na trama, Hitler e os principais generais nazistas esperam uma grande ação por parte dos aliados, mas, não têm certeza  onde ela irá acontecer, nem de qual forma. A Alemanha colocou vários espiões na Inglaterra, porém, muitos deles, de forma amadora, se deixaram capturar ou foram mortos em ação. Hitler espera o contato do espião conhecido como "Agulha", tido por ele como sendo o melhor de todos e, no qual deposita toda a sua confiança. O apelido de agulha se deve ao fato que guarda um punhal na manga de seu paletó, com o qual mata todas as pessoas que o descobrem, principalmente aquelas que visualizam seu rosto. O punhal (muito fino) provoca hemorragia interna e pouco derramamento externo de sangue e, ele vê nisso uma vantagem para ocultar cenas de seus crimes.

            Os aliados (Estados Unidos da América, Inglaterra e tropas francesas na Inglaterra) passavam mensagens falsas  de rádio, sabendo que seriam ouvidas pelos alemães com a intenção de confundi-los, fazendo as lideranças alemãs pensarem que o ataque seria em Pas-de-Calais e não na Normandia. O espião Agulha, mudava frequentemente de nome, possuía vários passaportes falsos. Mas tratava-se de Henry Faber, o mais preparado, frio e inteligente espião nazista, tanto que Hitler, como disse aguardava seu relatório para decidir a estratégia alemã na contenção dos aliados.

            O espião se dirigiu a uma região no sudeste da Inglaterra, para confirmar in loco, a existência de uma enorme base aérea aliada que havia sido fotografada pelos aviões de reconhecimento da Alemanha. Descobre se tratar de maquetes de aviões e alojamentos falsos com alguma movimentação de soldados, com o intuito de confundir, pois a partir daquela base, a lógica levaria a crer que a invasão se daria em Pas-de-Calais, portanto, excluída essa possibilidade, o local somente poderia ser, onde de fato foi, na Normandia. Com sua máquina fotográfica ele registra a base fake, mas, é encontrado por policiais que estavam à sua captura, afinal, o espião  cometeu uma série de crimes, para evitar que sua identidade e função sejam descobertas. Ele mata os três policiais e segue em direção ao norte da Escócia, de onde fará contato com um submarino nazista encarregado de levá-lo para a Alemanha a fim de entregar suas informações pessoalmente, pois a Alemanha já sabia que seu sistema criptografado de comunicação já havia sido desvendado.

            Henry Faber percorre a ilha da Grã-Bretanha roubando carros e sendo perseguido pelo Serviço Secreto Inglês (MI5) tendo um investigador inglês (especialmente designado para descobrir seu paradeiro) em sua cola. Todas as autoridades policiais sabem de sua periculosidade, mas, sem muitas informações adicionais sobre sua identidade e função e, estão empenhadas em contribuir na caçada ao assassino em série. Faber pega carona e chega ao litoral norte da Escócia. Á noite, rouba um barco pesqueiro a motor e se lança ao mar, mesmo com os avisos de que a região seria castigada por uma forte tempestade. O barco não resiste e naufraga. Ele consegue nadar até a Ilha das Tormentas. É salvo por um jovem casal inglês (David e Lucy) que, com seu filho e o empregado Tom são os únicos habitantes  do local. David sonhava pilotar, mas, se acidentou ainda enquanto aprendia a voar e ficou paraplégico, o que fez dele uma pessoa muito amarga. Lucy é uma mulher linda, infeliz no casamento. Tom, o empregado é também operador do farol e da estação de rádio da ilha. Faber leva alguns dias para se recuperar e, então conversa com o casal com seu inglês perfeito, inclusive com sotaque londrino.

            À noite, David foi dormir mais cedo, o casal realmente não dá sinais de estar bem. Faber percebe que Lucy se sente atraída por ele, e como ele teve poucas oportunidades de estar com uma mulher, ficam juntos. No dia seguinte, o desconfiado David, descobre o filme revelado, cujas fotos haviam sido capturadas pelos agentes ingleses, mas, não o rolo de filme, que Faber carrega junto ao peito. Faber foi ajudar no resgate de uma ovelha, oportunidade em que conheceu o farol e a estação de rádio (de onde pretendia contatar o submarino) e sem perceber, deixou cair o filme, David vê seu conteúdo e no caminho de volta, o patriota e muito forte David, entra em uma luta braçal contra o espião nazista num jipe em movimento. Paro aqui. Fica a sugestão!

P.S. O livro, quarenta e seis anos depois ainda vende muito, sendo que foi adaptado para o cinema (1981). Lendo, em alguns momentos, surrealmente, me vi torcendo para um espião nazista! Pense! Sinal que a obra é muito bem escrita!

Sugestão de boa leitura:

Título: O buraco da agulha.

Autor: Ken Follett.

Editora: Arqueiro, 2018, 336 p.


domingo, 21 de abril de 2024

Casa velha

 

Este escriba é uma pessoa de grande presença nos espaços que frequenta. Na tentativa de atrair menos olhares, vem frequentando academia e fazendo exercícios diariamente. Confesso, exercitar-me não é a minha atividade predileta, porém, tal como enunciado há quase dois mil anos na célebre frase: "mens sana in corpore sano" do poeta romano Décimo Junio Juvenal, o intelecto não sobrevive sem a saúde do corpo e vice-versa.

            Além da musculação, tenho dedicado-me nos exercícios aeróbicos, e, exercitar-me na esteira (sem sair do lugar) é muito entediante, inicialmente ouvia músicas, até que tive a ideia de ouvir podcast. Encontrei um podcast da booktuber Isabella Lubrano no Spotify com o título "Casa velha", um romance perdido de Machado de Assis (1839-1908). Aqui não apresentarei Machado, pois isso seria algo desnecessário em se tratando do maior escritor brasileiro.

            A pesquisadora Lucia Miguel Pereira (1901-1959) foi uma biógrafa de Machado de Assis que, ao encontrar alguns exemplares de uma revista feminina que continha trechos de Casa velha, não mediu esforços e, obstinadamente reuniu todos os exemplares para ter acesso à novela completa e publicou-a na íntegra. Ninguém sabe dizer por que Machado não publicou a obra no formato de livro. Naquela época, era comum publicar na forma de folhetins, vários escritores faziam isso enquanto continuavam a escrever a trama, inclusive testando a popularidade e podendo mudar os rumos das personagens para capturar a atenção dos leitores. Talvez não tivesse gostado de sua produção ou, estaria guardando-a para publicar em outro momento, caso tivesse necessidade financeira. Como Machado, não está entre nós, nunca saberemos, podemos (como de praxe) apenas supor. Supor se Capitu traiu Bentinho ou não, etc.

            Voltando à esteira, digo, voltando a experiência do podcast para ouvir literatura, senti-me, tal como no início do século XX, não, não sou tão velho, falo das rádionovelas que tanto sucesso fizeram no passado, quando as donas de casa ouviam a novela por meio do rádio, enquanto realizavam as atividades domésticas, eu, por meu turno, concentrava-me em ouvir a narração e não pensar no sofrimento causado pela atividade aeróbica.

            O nome do narrador, não saberemos, nunca, Machado não disse na obra (bem machadiano), sabemos apenas que ele era um padre, não muito apegado aos afazeres religiosos, pois, sempre que possível deixava-os ao encargos de seus colegas sacerdotes. O padre, tinha uma quedinha por política, mas, jamais ingressou nessa seara. Tendo lido um livro de um escritor de nome Luiz Gonçalves Santos considerou-o ridículo e, que ele poderia escrever muito melhor. Decidiu que iria escrever um livro sobre a história do Primeiro Reinado do Brasil.

            O padre tomou conhecimento por meio do reverendo Mascarenhas, que na residência de D.Antônia, viúva de um ex-Ministro do Império, havia uma grande biblioteca que tinha muito material deixado pelo falecido que poderiam reportar a esse período da história nacional. O padre solicita que o reverendo Mascarenhas interceda junto à viúva em seu favor com vistas a fazer pesquisa na biblioteca do casarão conhecido popularmente como Casa Velha.

            Tendo sido aceita sua solicitação, o padre passa a frequentar assiduamente a biblioteca, conhece os familiares de D.Antonia, agregados e escravos. Com ouvidos atentos e mente afiada, passa a descobrir segredos de seus integrantes. Faz-se amigos de todos e de todos tem  a admiração, afinal, um homem de batina não precisa se esforçar muito para ser estimado.

            Conhece Félix, o filho de D. Antônia, que não sabe o que fazer da vida, ora pensa em ser deputado, ora pensa que é melhor se manter perto da mãe, a qual estima muito, para melhor cuidar dela. Há também Lalau (Cláudia), órfã de mãe e que foi criada por D. Antônia, recebendo uma educação acima do que sua classe social lhe reservaria.

            Não demorou para que o padre, que se encantou pela jovem Lalau, percebesse que também Félix era por ela apaixonado. Conversando com os jovens e observando-os, descobriu que Félix era correspondido. Como D. Antônia insistia que o padre viajasse com Félix para a Europa e, por lá ficasse algum tempo. Soube também que D. Antônia estava preocupada em arranjar um casamento para Lalau, propondo que fosse com um jovem livre, porém, pobre.

            O padre, encorajou-se e disse que a moça merecia alguém com maior refinamento, pois era muito educada e bela. Disse ainda que Félix e Lalau se amavam e que ela deveria considerar o casamento de ambos. D. Antônia não concordou, disse que teria constrangimento em anunciar o casamento de seu filho com alguém de uma classe social inferior, mesmo que Lalau fosse bela e muito educada. Casamento, disse ela, é a união de famílias e propriedades.

            O narrador não se deu por vencido e retornou à conversa em outras oportunidades. Dona Antônia, olhando para o retrato do falecido marido, disse que se o padre soubesse o que ela sabe, lhe daria razão e a apoiaria quanto à necessidade de afastar os jovens.

            O padre, então, chegou á conclusão que Lalau era fruto de uma relação extraconjugal do ex-Ministro. E disse o que D. Antônia apenas dera a entender. Isso inclusive explicava um bilhete suspeito que o padre havia encontrado no meio de um livro e não havia revelado a ninguém. Disse que tinham mesmo que afastá-los, não havia outra coisa a se fazer. D. Antônia pede que o Padre convença ambos da impossibilidade de se casarem. Félix aceita o afastamento, não havia outra forma. Passa até mesmo a gostar da ideia de ter uma irmã. Lalau resolve ir embora da casa velha e passa a morar na casa de uma tia pobre onde passa a ajudá-la a fazer trabalhos de costura em busca da sobrevivência. Lalau prefere ter uma vida condizente com a sua classe social.

            Enquanto, Lalau tem a possibilidade de se casar com Vitorino, D. Antônia acena com a possibilidade da união entre Félix e a bela Sinhazinha, filha do Coronel Raimundo e neta da baronesa. O padre vai ter com D. Mafalda, a tia de Lalau e ouve desta que Lalau era uma criança quando sua irmã conheceu o ex-Ministro, portanto, não era filha deste, sendo que a criança que era fruto do relacionamento extra-conjugal do casal havia morrido com poucos meses de vida. Ao contar o fato à D. Antônia, esta estupefata, olha para o retrato do marido e descobre que foi traída, afinal, a vida toda considerou ele um marido leal. Havia enganado o padre, para ter dele o apoio na separação dos jovens. Atirou no que viu, acertou no que não viu.

            Não sou Machado de Assis, mas não vou contar o resto da história, mas, deixo uma dica, Machado sempre desafiou as obviedades.Fica a sugestão de leitura.     

Sugestão de boa leitura:

Título: Casa Velha.

Autor: Machado de Assis.

Editora: Garnier, 1999, 183 p.    

 


domingo, 14 de abril de 2024

O avesso da pele

 

Jeferson Tenório (1977) é um escritor, professor e pesquisador brasileiro, radicado em Porto Alegre. Em 2021, recebeu o prêmio Jabuti referente à obra aqui resenhada e publicada no ano anterior. Trata-se da maior honraria a uma publicação literária nacional. O autor, então ganhou notoriedade e passou a ser chamado para entrevistas, no entanto, tornou-se alvo de haters, sendo inclusive ameaçado de morte. Em 2022 (último ano do governo Bolsonaro), seu livro passou pela seleção do PNLD - Programa Nacional do Livro Didático, escolhido que foi por uma equipe de analistas professores a serviço do Ministério da Educação e da Cultura (MEC), para fazer parte do acervo das bibliotecas de escolas públicas.

            Recentemente, algumas vozes (conservadoras) se levantaram e acusaram a obra de possuir vocabulário de baixo nível e de incitar à promiscuidade. Não demorou e os governos de Goiás, Mato Grosso do Sul e Paraná, de lideranças igualmente conservadoras, retiraram tal livro das bibliotecas. Este escriba, apenas sabia que o referido livro denunciava o racismo estrutural de nosso país, mas, diante da polêmica, resolveu adquiri-lo, para ler na íntegra e não ser mais um a julgar sem verdadeiramente conhecer a obra. Após a censura por parte do trio governamental, a venda do livro aumentou em 1400%. No entanto, esse incremento de vendas é algo que perturba o próprio autor que gostaria que o livro vendesse por si mesmo, não por reação a uma censura. Eu, por meu turno, penso que, após tantas noites escuras que o fascismo trouxe para a humanidade, reagir à censura de um livro, é combater com luz a escuridão daqueles que propagam o medo e o ódio.

            O livro de Jeferson Tenório faz a denúncia do racismo de nossa sociedade, que se faz presente nas piadas, nos comentários em tom jocoso sobre as pessoas negras, ou ainda, na desaprovação ou desconfiança contra estas, etc. Relata de forma ficcional, ou nem tão ficcional assim, pois é difícil saber na obra, o que é fruto da imaginação do autor, ou o que é dele experiência vivida, que as pessoas que não possuem a pele negra, não conseguem, por mais empatia que tenham, sentir a dor do racismo. O escritor insere no papel de narrador, Pedro, um rapaz negro, estudante de arquitetura, filho de Henrique, um professor de literatura de escola pública, também negro e de sua mãe, Martha, uma mulher negra.

            O narrador (Pedro) relata a relação familiar, de seus pais e dele com estes. Pedro revisita os traumas de seus pais, contando a forma como eles lidavam com o racismo numa Porto Alegre racista, algo, que é do conhecimento de todos. Pedro relata as constantes abordagens policiais e o tratamento diferenciado dado em desfavor das pessoas de pele negra. O livro denuncia também a violência policial que vitima principalmente os jovens negros. Na trama, seu pai Henrique, é morto numa abordagem policial. Lembro de ter assistido pela TV, uma abordagem policial ocorrida nessa cidade, mas, poderia ter ocorrido em qualquer lugar do Brasil, afinal o racismo não é exclusividade de Porto Alegre ou do Rio Grande do Sul, na qual, uma vítima negra é presa enquanto seu agressor branco escapa impune, apesar das pessoas que viram o fato, alertarem os policiais sobre o engano, isso foi há cerca de um mês.

            A  pergunta que não quer calar é, por que tal obra incomodou/incomoda tanto? Tendo lido a obra, discordo que seja, pela tal linguagem de baixo nível, pois, a obra é muito bem escrita, e prazerosa ao ler, embora pesada pelo tema retratado. Há algumas poucas falas, se referindo aos órgãos genitais masculino e feminino de forma vulgar, mas, sabemos que isso não é algo que faça corar nossos adolescentes e jovens, pois também as utilizam. Além disso, utilizar essas poucas linhas para caracterizar a obra como um todo, é algo próprio da indústria de fake news ou de desinformação tão cara a alguns grupos políticos de nosso país. É importante lembrar que, a pouco tempo, muitas falas de autoridades de nosso país, em reuniões de governo ou em entrevistas, se fizeram com linguagem até mais chula. Lembro ainda que alguns autores consagrados como Jorge Amado e Darcy Ribeiro também incluíram expressões vulgares em obras suas, nem por isso foram atacados. Seria um caso de "pau que bate em Chico não bate em Francisco"?

            A obra, em alguns momentos trata do tema da paixão e da sexualidade, de forma coloquial, afinal, não se trata de uma aula formal de biologia, mas, de literatura, sendo que ao literatos é concedida a liberdade para criar, portanto, literatura e literatos não cabem na caixinha padrão que os moralistas de plantão querem impor aos demais. O livro faz menção a forma erotizada como a branquitude vê os corpos negros e, isso está relatado até mesmo em música, lembro da marchinha de carnaval "Teu cabelo não nega" de Lamartine Babo. Reitero, no entanto que o tema do livro, não é o sexo, afinal ele faz parte do livro, como faz parte da vida, porém, de forma secundária. A promiscuidade está na mente alienada daqueles que, ou não leram a obra, ou foram incapazes de perceber que o tema central é o racismo estrutural e o trauma que ele causa na vida das pessoas negras.

            Penso que é uma hipocrisia esse ataque ao livro de Jeferson Tenório, afinal, ele não é destinado à crianças, e sim aos estudantes do Ensino Médio, os quais dispõem de celulares ligados à Internet, que lhes foram presenteados por seus próprios pais, e, sabemos, na Internet há de tudo, e nela o adolescente busca tudo aquilo que lhe desperta a curiosidade, e essa nem sempre é relacionada à aula que teve hoje na escola. O livro faz menção aos olhares de estranheza, perante intelectuais e empresários negros bem sucedidos afirmando serem comuns, mas, não deveriam. Sobre isso, o saudoso intelectual Milton Santos (1926 - 2001) assim se expressou "a chamada boa sociedade acredita que está permanentemente reservado um lugar predeterminado, lá em baixo, para os negros e assim tranquilamente se comporta". Milton Santos, afirmou ainda, que é muito difícil ser um intelectual negro no Brasil. O racismo não é algo exclusivo do Brasil e, na Europa, para citar um exemplo, torcedores nos estádios entoam impunemente cânticos e provocações racistas contra jogadores negros. A Europa dos finos europeus, não é tão evoluída socialmente, também não somos. Lá a mente colonial, racista e xenófoba, cá a mente escravocrata que pariu o preconceito, a ditadura e a censura para evitar que o menor arremedo de justiça social aconteça nestas paragens, afinal, para que nada mude, é necessário que se imponha o silêncio às vítimas.

P.S. Os governadores, sabemos, quiseram jogar para a torcida. Perderam feio!

Sugestão de boa leitura:

Título: O avesso da pele.

Autor: Jeferson Tenório.

Editora: Companhia das Letras, 2020, 192 p.

 

           

 

 

 


sexta-feira, 12 de abril de 2024

Cuidado com o senso comum!

 

            Sou admirador do filósofo Sócrates, o qual sabemos há dúvidas se de fato existiu ou se é uma criação do filósofo Platão, enfim, real ou ficção, Sócrates adorava conversar com as pessoas e dizia que aprendia muito com elas independentemente da condição social a que estas pertenciam, assim, penso que podemos aprender muito e também ensinar as pessoas com as quais convivemos.

            Há muitas qualidades a admirar em Sócrates, destaco entre elas a humildade no trato com as pessoas em que demonstrava não ter preconceito de classe e o seu compromisso inquebrantável com aquilo em que acreditava, uma vez que sua sentença foi a morte por envenenamento, pois ao dizer verdades incomodava o status quo estabelecido. No entanto, é impossível deixar de notar o “senso comum” que predomina nas conversas entre as pessoas ao tratar de temas que merecem estudo e reflexão aprofundada. Por senso comum, entenda-se a interpretação espontânea acerca de um fato e que nasce da experiência cotidiana das pessoas podendo esta forma de pensar e agir ser passada de geração em geração e tornar-se tradição. O senso comum carece de investigação e reflexão aprofundada e pode muitas vezes conduzir a interpretações equivocadas da realidade e isso é algo que pode trazer prejuízo para uns e benefícios para outros.

            Certa vez li que duvidar de tudo ou acreditar em tudo, são atitudes igualmente cômodas, pois, nos dispensam do ato de pensar, nada mais verdadeiro! Instituiu-se em nosso país a crença (senso comum) que todo político é desonesto e somente quer fazer o seu “pé de meia” à custa do erário público, verdade seja dita, que muitos de nossos representantes não contribuem para melhorar a imagem da classe política, no entanto, por trás dessa “verdade” aceita por boa parte da população se esconde o fato de que aos maus políticos interessa que a sociedade pense assim, pois esta não vai procurar separar o joio do trigo escolhendo entre os candidatos aqueles que são ficha-limpa e que têm de fato o interesse em fazer algo pelo bem da coletividade acima dos interesses individuais. Também é senso comum que se propaga aos quatro cantos desse país que pessoa de bem não pode ingressar na política, pois se não entrar no “esquema” não consegue vencer, isso também interessa aos maus políticos, pois assim, muitas pessoas bem intencionadas deixam de disputar cargos políticos favorecendo aos mau intencionados que nadam de braçadas na carreira.

            Também já ouvi críticas a respeito de algumas mulheres feministas pelo fato de as mesmas se produzirem com maquiagem e roupas provocantes. Há uma crença que pelo fato de a mulher ser feminista ela deva abolir o sutiã e de preferência queimá-lo, usar roupas de homem, não cuidar da aparência e principalmente, não gostar de homem. Nada mais absurdo, o movimento feminista tem como objetivo a igualdade entre homens e mulheres no que se refere aos salários, à dignidade, à valorização, às oportunidades (no trabalho e na política), e pelo fim do machismo que também é mais um comportamento arraigado na sociedade baseado no senso comum. O movimento feminista existe também para que a mulher não seja refém do seu próprio corpo e para que possa se vestir como se sentir melhor, com roupa de homem ou com roupas que evidenciem a beleza de seu corpo, com o rosto lavado ou maquiado, se deixarmos o senso comum prevalecer não será difícil algum “fundamentalista” religioso (e há vários) em nossa sociedade propor que as mulheres devam usar a burca em terras tupiniquins.

            Outra fala “senso comum” é a de que se o sujeito é defensor do socialismo, ele deve viver na miséria, não possuir bens e não consumir produtos de marca. Se possuir algum bem, ou utilizar algum produto fabricado por multinacional, está então em contradição. Ora, vivemos num mundo capitalista, o Brasil é um país capitalista, não existe uma redoma de vidro para proteger a pessoa do contato com o capitalismo, até afirmei certa vez a um sobrinho, a única solução é ir embora para Marte e este me avisou que é melhor pensar num plano “B”, pois a NASA a agência espacial do país mais capitalista do mundo (EUA) já tem planos para colonizar o planeta vermelho.

            Ocorre que muitas pessoas já chegaram à conclusão que não é possível resolver as contradições do capitalismo com mais capitalismo (neoliberalismo), pois o capitalismo é o veneno que intoxica a sociedade através da acumulação excessiva e da exclusão em massa, dessa forma, a economia capitalista tal como um organismo moribundo vive de crise em crise, sendo estas cada vez mais duradouras. O objetivo do socialismo não é distribuir a miséria e sim a riqueza, pois pretende o melhor dos mundos, um mundo sem miséria, sem fome, uma irmandade de homens. Utopia? Convencionou-se (senso comum) chamar de utópica qualquer pessoa que deseje um mundo melhor para todos e não apenas para a minoria da qual faz parte.

domingo, 7 de abril de 2024

A indefensável defesa da ditadura militar

 

          Qualquer pessoa que tenha um mínimo de estudo e espírito humanitário jamais defenderia uma ditadura que matou e torturou milhares de pessoas. A escravidão e a ditadura militar são as maiores manchas na história deste país. As realizações da ditadura foram importantes para o país, mas também seriam concretizadas por um governo civil.

            Ao contrário do que afirmam alguns, havia corrupção, obras superfaturadas e/ou desnecessárias, (a Transamazônica foi mal planejada e superfaturada, dinheiro desperdiçado, sendo que a maior parte desta estrada foi retomada pela floresta), a construção das usinas nucleares de Angra teve o preço quadruplicado em relação ao valor real e o equipamento comprado da Alemanha era obsoleto. Itaipu custou o dobro da previsão; a BR 277 foi duplicada de Foz a Paranaguá durante o Governo militar (pelo menos é o que dizem os documentos dos empréstimos feitos pelo governo militar lá nos EUA), é isto que você vê quando viaja pelo Paraná? 

            Corrupção havia e muita, mas se a imprensa ou qualquer pessoa denunciasse o risco de ser preso e  torturado era muito grande (leia "Brasil nunca mais!" de Dom Paulo Evaristo Arns), pois, os escândalos eram acobertados pela censura então vigente. Não há entre o povo rico e culto dos países desenvolvidos, o mesmo percentual de pessoas existentes no Brasil a defender uma ditadura sanguinária como a que aqui tivemos. Estes preferem que o dinheiro do governo federal sirva à manutenção dos privilégios de alguns e não para a retirada de pessoas abaixo da linha  da miséria. Caso não saibam não foi os governos civis pós abertura política que colocaram o Brasil entre as piores distribuições de renda do mundo, foi a ditadura que preconizava "é preciso fazer o bolo crescer para depois dividir", o bolo cresceu e a divisão nunca houve!

            As obras dos governos militares foram executadas por meio de empréstimos externos e foram eles que colocaram o Brasil de joelhos perante o FMI e os EUA. Durante o Governo militar a dívida externa cresceu quase 3500%. O salário mínimo perdeu valor, conhecemos a hiperinflação, artistas e intelectuais tiveram que fugir do país, greves eram reprimidas (tentativa de atentado a bomba no Rio-Centro, ou seja, terrorismo de Estado). Criou-se uma mentalidade que fazer protestos e lutar por melhores condições de trabalho é coisa de desordeiros. Temos até hoje um povo apático, não por sua natureza, mas pelo medo e o método educacional imposto pelo regime.

            Fico indignado quando ouço pessoas afirmarem serem terroristas àqueles que lutaram em meio a uma população apática e amedrontada para que você hoje, bem ou mal, pudesse escolher os governantes, escrever e dizer o que pensa. A verdade é que boa parte dos políticos tem projeto de poder e não projetos para o desenvolvimento do país, assim, resta um saudosismo de quando possuíam o total controle do povo brasileiro pelo uso da força e, saudade principalmente do jogo que nunca mudava (sempre estavam no poder).

            Quem defende a ditadura presta um desserviço à história, à nação e ao povo brasileiro, pois apesar de alguns acertos, o saldo daquele período é catastrófico. Além disso, tais pessoas desrespeitam as famílias das vítimas (políticos, jornalistas, professores, estudantes, etc.). Se hoje o Brasil é um país melhor e que está aprendendo a ser democrático, devemos isto a um pequeno, mas valoroso grupo de brasileiros que ousaram lutar pela Democracia, muitas vezes derramando o próprio sangue!