Powered By Blogger

domingo, 6 de setembro de 2020

Notícias de lugar nenhum

 


 

           

Nenhuma pessoa intelectualmente competente e honesta pode afirmar que a sociedade que construímos sob a égide do capitalismo é a mais próxima possível do ideal. Muito pelo contrário, o mundo em que vivemos se revela ante nossos olhos com a fome que assola quase um bilhão de pessoas (1 a cada 8). 1% da humanidade detém mais da metade da riqueza mundial e seis famílias brasileiras detém metade da riqueza nacional, pois, nosso país está na lista dos dez países de maior concentração da renda no mundo. Em pleno século da informação e da Terceira Revolução Técnico-Científica, quase um bilhão de pessoas ainda se encontram presas às algemas do analfabetismo. O capitalismo trouxe para a humanidade importantes avanços tecnológicos, porém, nem todos a ele têm acesso e muitas vezes esses avanços que deveriam servir para melhorar a vida das pessoas, jogaram importantes parcelas da população à miséria decorrente do desemprego. O avanço tecnológico tem se demonstrado, na maioria das vezes, a serviço do aumento da opulência de poucos. Neste novo mundo que aos poucos vem surgindo, a mão de obra barata e semi-escrava dos países subdesenvolvidos perde importância, pois, o robô consegue produzir a custo menor do que a mais barata mão de obra humana.

            Sempre que aqueles que se advogam defensores do capitalismo (surrealmente, muitos trabalhadores) fazem o enaltecimento das realizações e jogam na invisibilidade a fome, a concentração da renda, as várias formas de exclusão, a exploração brutal da mão de obra, a espoliação das riquezas naturais dos países subdesenvolvidos por grandes transnacionais estrangeiras amparadas no poderio bélico de grandes potências. A "mão invisível" do deus Mercado tal como preconizado pelos seguidores de Adam Smith é a mesma que opera os porta-aviões e os aviões stealth contra aqueles que se recusam a entregar seus recursos naturais a um preço que seja o mais próximo possível do custo, pois, o lucro precisa ficar no destino e não na origem. É necessário dizer que o mundo em que vivemos foi construído pelo capitalismo, é dele os ônus e os bônus (isso é fato) e, é uma atitude desonesta intelectualmente tergiversar quanto a necessidade desse debate. O ardoroso defensor do capitalismo se esconde atrás de falsos discursos meritocráticos que visam convencer a si próprio (para que sua consciência fique tranquila) da pseudo-justiça de um sistema extremamente cruel e ineficaz na construção de uma sociedade verdadeiramente humana.

            Vivemos num mundo capitalista, respiramos capitalismo e este sistema socioeconômico parece impregnado no DNA de muitas pessoas. O capitalismo é concreto e qualquer proposta diferente é abstração. É difícil pensar sobre o abstrato, pois exige muita leitura e esforço intelectual. O capitalismo não é o fim da história como arvorou Francis Fukuyama. História é movimento e, a linearidade não é sua característica. O designer têxtil, poeta, romancista William Morris (1834-1896) que tinha como características de sua personalidade o apreço pela estética e pela ética lançou-se ao ativismo político (socialismo libertário) na busca de uma sociedade que fosse bela e verdadeiramente humana, algo que não via na Inglaterra enquanto império capitalista, industrial e bélico do século XIX. Morris tem na obra "Notícias de Lugar nenhum" um belo exercício de abstração sobre como seria viver numa sociedade comunista (estágio posterior ao socialismo). No livro, o narrador acorda numa Inglaterra comunista e sem entender o que aconteceu começa a percorrer o país e conversar com as pessoas que lhe explicam o seu modo de vida e organização social. O narrador apresenta-se como estrangeiro para justificar o seu desconhecimento sobre a construção do comunismo naquele país. Os moradores das comunidades (inclusive interioranas) que visita lhe explicam que foi necessária uma revolução violenta para destituir as autoridades de suas barricadas estatais e conceder ao povo o poder sobre seu próprio destino. Há uma passagem em que o escritor usa certo sarcasmo, ao afirmar que o requintado edifício do Parlamento Inglês agora era utilizado como depósito para estocar adubo (estrume). O narrador percorre o país, recebe hospedagem nas casas de locais e conversa sobre as mudanças e questiona sobre o que aconteceu com coisas e fatos de "sua época". A sociedade que visita vive de forma simples, mas, é muito feliz e nada parece lhes faltar para ter uma vida digna. Enfim, não pretendo fazer aqui uma análise da sociedade descrita no romance, pois, resultaria num artigo gigantesco. Fica a dica!

Sugestão de boa leitura:

Título: Notícias de lugar nenhum: Ou uma época de tranquilidade.

Autor: William Morris.

Editora: Expressão Popular, 2019, 295 p.

Preço: R$35,00.

Nenhum comentário:

Postar um comentário