Vivemos
num mundo confuso e confusamente percebido. De um lado, é abusivamente
mencionado o progresso das ciências e das técnicas. De outro lado, há a
referência obrigatória à aceleração contemporânea e todas as vertigens que
cria, a começar pela própria velocidade. Todos esses são dados de um mundo
físico fabricado pelo homem, cuja utilização, aliás, permite que o mundo se
torne esse mundo confuso e confusamente percebido. Quando tudo permite imaginar
que se tornou possível a criação de um mundo real, o que é imposto aos
espíritos é um mundo de fabulações, que se aproveita do alargamento de todos os
contextos para consagrar um discurso único. Se desejarmos escapar à crença de que esse
mundo é verdadeiro, devemos considerar a existência de pelo menos três mundos
num só: o mundo tal como nos fazem vê-lo; o mundo tal como ele é; e o mundo
como ele pode ser.
Visto
como fábula, este mundo globalizado erige como verdade certo número de
fantasias, cuja repetição acaba por se tornar uma base aparentemente sólida de
sua interpretação. Fala-se, por exemplo, em aldeia global para fazer crer que a
difusão instantânea de notícias realmente informa as pessoas. Fala-se com
insistência na morte do Estado, mas o que estamos vendo é seu fortalecimento
para atender aos reclamos da finança e de outros grandes interesses
internacionais. Esses exemplos, recolhidos numa lista interminável, permitem
indagar-se, no lugar do fim da ideologia proclamado pelos que sustentam a
bondade dos presentes processos de globalização, não estaríamos, de fato,
diante da presença de uma ideologização maciça.
Para a
maior parte da humanidade a globalização está se impondo como uma fábrica de
perversidades. A pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de
vida. Novas enfermidades como a SIDA se instalam e velhas doenças fazem seu
retorno triunfal. A educação de qualidade é cada vez mais inacessível. A
perversidade sistêmica tem relação com a adesão desenfreada aos comportamentos
competitivos que atualmente caracterizam as ações hegemônicas. Todas essas
mazelas são direta ou indiretamente imputáveis ao presente processo de
globalização.
Todavia,
podemos pensar na construção de outro mundo, mediante uma globalização mais
humana. As bases materiais do período
atual (a unicidade da técnica, a convergência dos momentos e o conhecimento do
planeta), que o grande capital se apóia para construir a globalização perversa,
poderão servir a outros objetivos, se forem postas ao serviço de outros
fundamentos sociais e políticos. Parece que as condições históricas
do fim do século XX apontavam para esta última possibilidade. Tais novas
condições tanto se dão no plano empírico quanto no plano teórico.
No plano
empírico há indícios da emergência de uma nova história. O primeiro é a enorme
mistura de povos, raças, culturas, gostos, em todos os continentes. A isso se
acrescente, graças aos progressos da informação, a “mistura” de filosofias, em
detrimento do racionalismo europeu. A produção de uma população aglomerada em
áreas cada vez menores permite ainda maior dinamismo àquela mistura entre
pessoas e filosofias. No plano teórico, há a possibilidade de produção de um
novo discurso. Esse novo discurso ganha relevância pelo fato de que, pela
primeira vez na história do homem, se pode constatar a existência de uma
universalidade, que deixa de ser apenas uma elaboração abstrata na mente dos
filósofos para resultar da experiência ordinária de cada homem. De tal modo, a
explicação do acontecer pode ser feita a partir de categorias de uma história
concreta. É isso, também, que permite conhecer as possibilidades existentes e
escrever uma nova história.
Fonte: Disponível em: http://resumodaobra.com/milton-santos-por-uma-outra-globalizacao-do-pensamento-unico-a-consciencia-universal-introducao-geral/?fb_comment_id=1482850381772338_1809602882430418
– acesso em 20 de dezembro de 2019.
Esta é uma obra imprescindível para
entender os grandes dilemas da humanidade. Li, trabalho com ela em classe e
recomendo a todas as pessoas!
Sugestão
de boa leitura:
Título da obra: Por uma outra globalização: do
pensamento único à consciência universal.
Autor:
Milton Santos.
Editora/ano: Record, 2010.
Preço:
R$
41,20
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