Já faz algum tempo que o fato de nunca ter lido um livro
de Chico Buarque é para mim motivo de constrangimento. Não que eu imagine ser
sua literatura tão popular quanto sua música, e esteja em situação desfavorável
ante a maioria das pessoas, mesmo aquelas que são fãs de suas canções. Em fins
de 2019, ao saber que Chico Buarque foi escolhido dentre outros escritores para
receber o Prêmio Camões (em abril de 2020) como reconhecimento por sua
contribuição para o enriquecimento literário e cultural da língua portuguesa, imediatamente
pensei: preciso sair dessa ignorância acerca de sua obra literária. Em meio a uma
viagem, entrei em uma livraria procurando a obra “Budapeste” para minha
primeira leitura, porém, o que encontrei foi seu último lançamento. Assim, foi
por seu mais novo livro que tive meu primeiro contato com a literatura deste
desconhecido para mim, o escritor Chico Buarque.
A obra é escrita como um diário e começa em novembro de
2018 e termina em setembro de 2019, porém, não é linear. Em várias
oportunidades, o narrador retrocede no tempo para explicar a causa de fatos
vividos no presente. Trata-se da história de um autor decadente (Manuel Duarte)
que sofre com a falta de criatividade, e, por isso, não publica nada há tempos.
Duarte teve uma série de relações afetivas que não deram certo e é um pai pouco
presente na vida do filho adolescente. A crise criativa trouxe a crise
financeira, a mudança de residências de alto padrão para endereços menos
sofisticados e a dificuldade em pagar os aluguéis (sempre atrasados). A saída é
pedir adiantamento dos royalties de obra ainda não entregue ao seu editor.
Manuel Duarte tem como principal obra o best-seller “O Eunuco do Paço Real” e,
é lembrando o passado de sucesso que solicita o auxilio financeiro. No meio
literário circulam comentários de que a sua separação de Carolina Augusta é a
causa da crise criativa, não apenas por questões sentimentais, mas, por que
esta o auxiliaria reescrevendo trechos de suas obras, tornando os textos mais
inteligíveis e elegantes.
Na obra há referências aos castratis, sendo um maestro e
um pastor responsáveis pela castração de alguns meninos prodígios (antes da
puberdade) com o objetivo de conservar suas belas vozes. As famílias destes
meninos pobres não se revoltaram com a violência praticada por estes, tendo em
vista que o sucesso dos meninos lhes possibilitou ascensão social. O maestro e
o pastor, por tal ato, não se vêem como criminosos, mas, como amantes da arte.
A trama apresenta ao leitor o Rio de Janeiro e suas contradições sociais como
um microcosmo do Brasil. E neste sentido, como não poderia ser diferente (haja
vista a obra musical de Chico) também faz a denúncia do descaso das autoridades
públicas com as questões sociais. Sei que não é possível julgar a obra literária
de Chico Buarque apenas pela leitura de um de seus livros, mas, digo que me
animei bastante em ler outros.
Sugestão de boa leitura:
Título:
Essa gente.
Autor: Chico
Buarque.
Editora:
Companhia das Letras, 2019, 193 p.
Preço: R$
26,20.
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