Concluí a leitura da obra
“Necropolítica, biopoder, soberania, Estado de exceção, política da morte” do
filósofo, teórico político, historiador, intelectual e professor universitário
camaronês Joseph-Achille Mbembe. Achille Mbembe como é conhecido cunhou a
expressão necropolítica embora a estratégia de escolher entre a vida e a morte
de seus cidadãos não seja algo novo nas práticas dos Estados nacionais. A obra visa
colocar a relação entre o poder e a morte como resultado de uma política deliberada
no centro do debate. Nela o autor afirma que “a expressão máxima da soberania
reside, em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e
quem deve morrer. Por isso, matar ou deixar viver constituem os limites da
soberania, seus atributos fundamentais. Ser soberano é exercer controle sobre a
mortalidade e definir a vida como a implantação e manifestação de poder”. Há,
portanto, uma grande relação entre governos totalitários e a utilização da
morte como objeto de gestão.
O
autor afirma que a colonização constitui um exemplo indiscutível dessa política
de morte, pois, os países colonizadores consideravam que em seus territórios
nacionais o ato de matar deveria obedecer a certas regras civilizadas, mas, que
estas não deveriam ser seguidas nos territórios colonizados tidos como
selvagens, como também eram considerados os povos ali existentes. Então se
praticou a desumanização dos povos nativos que viviam como mortos-vivos a
espera da morte por exaustão ou por execução. O Rei Leopoldo II da Bélgica,
venerado naquele país como um semideus, patrocinou um holocausto no Congo Belga
que em muito supera o massacre promovido contra o povo judeu. No entanto, como os
africanos parecem ser menos importantes nunca teve a mesma divulgação. Da mesma
forma, os africanos que para o Brasil vieram de forma forçada tinham sua
humanidade retirada e suas existências eram reduzidas a mera e melancólica sobrevivência.
Os senhores de escravos tinham o poder de decidir sobre a vida e morte destes
que sequer eram considerados humanos.
No caso do holocausto judeu, tal povo foi escolhido pelos
nazistas comandados por Hitler como o inimigo interno a ser combatido e
eliminado. Os judeus viviam com o constante medo de serem mortos. É importante
lembrar que a eliminação física de judeus, ciganos, negros, comunistas,
socialistas, sindicalistas, homossexuais e deficientes físicos não se realizou a
margem da lei, mas, em estrita consonância com ela. Assim, os funcionários
públicos que trabalhavam para tornar operante a política nazista de extermínio
de indesejáveis, se consideravam bons funcionários públicos e cidadãos que
visavam o bem da sociedade. O apelo à necessidade de combater o inimigo interno
que se constitui na política de higienização, ou seja, de eliminar os indivíduos
indesejáveis, seja por sua etnia, condição socioeconômica ou posições
ideológicas tem seus apoiadores em parcelas de qualquer sociedade. Nos Estados
Unidos da América, por meio do Exército nacional se praticou o genocídio dos
povos indígenas, não fizeram de outra forma as potências européias na
colonização do continente americano. Não faz diferente o Brasil, quando por
omissão permite a eliminação de lideranças indígenas e cria legislações com o
fim de explorar economicamente suas terras, afirmando serem os povos nativos
subumanos.
O
Brasil é um país cuja maioria da população é negra. Negros constituem a maioria
dos pobres cujos antepassados jamais foram indenizados pela escravidão, e que
desta herdaram apenas a miséria. Nas favelas, os afro-descendentes são a
maioria, e sobre o favelado há o estereótipo da marginalidade que lhes foi
imposto pela sociedade, pelos noticiários e novelas de TV. Não importa que a
maioria seja cumpridora das leis e que labute incansavelmente em busca da mera
sobrevivência, a sociedade, o poder constituído iguala todos com a minoria que
infringe as leis. Também por isso, tantos inocentes morrem, por ter a cor
“errada” ou, por estar no lugar "errado". Também o autor afirma que embora o
Estado faça uso da necropolítica como no caso da ocupação dos territórios
palestinos por Israel, humilhando-os, cerceando sua circulação em seu próprio
território, limitando suas existências ao mero sobreviver, prendendo e matando
pessoas em arrepio aos Direitos Humanos e aos princípios do Direito internacional,
o Estado perdeu o controle sobre o biopoder, pois, o tráfico de drogas e as
milícias fazem o controle disciplinar e territorial de áreas onde o Estado não
chega e, se espalha como que por metástase conquistando novas áreas e aplicando
a política da morte antes invocada como privilégio do Estado.
O regime de Apartheid que vigorou na República da África
do Sul é citado pelo autor como um dos inúmeros exemplos de necropolítica
aplicada por um Estado nacional cuja reação internacional foi conivente, pois,
por muito tempo se fez débil, resistir à política da morte implica denunciá-la,
o silêncio coopera com a sua continuidade, pois, a necropolítica também pode
ocorrer de outra forma, por exemplo, com a redução dos investimentos em
educação, saúde e em programas de assistência social e de infraestrutura como o
saneamento básico, criando a “cidade do colonizado”, um local de toda a pobreza
com a fome do pão, da dignidade humana, enfim, da fome da esperança de dias
melhores criando a sensação melancólica da impotência. Enfim, a necropolítica é
a estratégia do Estado ou do poder paralelo (tráfico e milícias) de decidir
sobre quem pode viver e quem deve morrer, no caso do Estado, a política de
morte pode ser pela ação direta ou indireta, matando ou deixando morrer!
Sugestão de boa leitura:
Título:
Necropolítica: biopoder, soberania, Estado de exceção, política da morte.
Autor:
Achille Mbembe.
Editora:
N-1 Edições, 2018, 71 p.
Preço:
R$ 79,00 - R$ 139,00
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