Recordo-me da minha
juventude, quando, professor de geografia em uma escola privada confessional,
acreditava, com a fé dos sonhadores, que minha missão era aguçar a
sensibilidade dos educandos perante as injustiças do mundo. Queria formar
cidadãos que não se acostumassem com a chocante cena de pessoas revirando lixo
em busca de comida, um retrato triste da realidade que jamais deveria ser
tratado como "normal". Desejava que meus alunos não virassem o rosto
diante da miséria, pois entendia que a "invisibilidade" a perpetua.
Naquela época, encontrei na videoteca da escola o filme
"Irmão Sol, Irmã Lua" de Franco Zeffirelli. Assistir àquela obra foi
uma experiência que me comoveu profundamente, embora diante da turma tentasse
manter a postura de um revolucionário impassível. Ao exibir o filme, meu
objetivo era estimular a crítica ao consumismo e ao culto da aparência em
contraposição à essência, pilares do sistema capitalista que nos cerca.
Décadas se passaram. Aquele jovem professor chegou à
meia-idade sem ter mudado o mundo, mas, felizmente, sem nunca ter abandonado o
ideal. Aprendi que nossa função, como parte de uma classe trabalhadora
intelectualizada, é ser como a água: paciente e persistente, desgastando
lentamente a rocha dura do capitalismo para, um dia, sedimentar as bases de um
mundo novo.
E então, em 2013, veio a notícia: "Habemos
Papa". Um colega me contou que o Cardeal Jorge Mario Bergoglio (1936-2025)
escolhera o nome Francisco, em alusão a São Francisco de Assis. Comentei, na
época, que ele era muito auto-confiante, pois ao utilizar tal nome, colocava
sobre os ombros uma tarefa hercúlea. E Francisco não fracassou. Seu papado,
ainda que dentro dos limites de uma instituição milenar, foi um farol de
esperança.
Tal como seu inspirador, ele ousou confrontar os
"adoradores do bezerro de ouro", falando-lhes verdades inconvenientes
e defendendo com paixão os direitos universais à terra, ao teto e ao trabalho.
Chamaram-no de "comunista", termo costumeiramente utilizado contra quem
luta por justiça social. Francisco não se abateu. Seguiu sorridente, afirmando
que lutar por um mundo justo é verdadeiramente viver o Evangelho.
Seu pontificado, foi breve, porém inspirador. E no fim,
seu último gesto foi a confirmação final de sua jornada: pediu para ser
sepultado não no Vaticano, mas na Basílica de Santa Maria Maggiore, e que
calçassem em seus pés os sapatos velhos que usou para peregrinar pelo mundo. Um
símbolo poderoso de que a mente professa a partir do chão que os pés pisam.

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