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sábado, 1 de novembro de 2025

Os sapatos de Francisco

 

        Recordo-me da minha juventude, quando, professor de geografia em uma escola privada confessional, acreditava, com a fé dos sonhadores, que minha missão era aguçar a sensibilidade dos educandos perante as injustiças do mundo. Queria formar cidadãos que não se acostumassem com a chocante cena de pessoas revirando lixo em busca de comida, um retrato triste da realidade que jamais deveria ser tratado como "normal". Desejava que meus alunos não virassem o rosto diante da miséria, pois entendia que a "invisibilidade" a perpetua.

            Naquela época, encontrei na videoteca da escola o filme "Irmão Sol, Irmã Lua" de Franco Zeffirelli. Assistir àquela obra foi uma experiência que me comoveu profundamente, embora diante da turma tentasse manter a postura de um revolucionário impassível. Ao exibir o filme, meu objetivo era estimular a crítica ao consumismo e ao culto da aparência em contraposição à essência, pilares do sistema capitalista que nos cerca.

            Décadas se passaram. Aquele jovem professor chegou à meia-idade sem ter mudado o mundo, mas, felizmente, sem nunca ter abandonado o ideal. Aprendi que nossa função, como parte de uma classe trabalhadora intelectualizada, é ser como a água: paciente e persistente, desgastando lentamente a rocha dura do capitalismo para, um dia, sedimentar as bases de um mundo novo.

            E então, em 2013, veio a notícia: "Habemos Papa". Um colega me contou que o Cardeal Jorge Mario Bergoglio (1936-2025) escolhera o nome Francisco, em alusão a São Francisco de Assis. Comentei, na época, que ele era muito auto-confiante, pois ao utilizar tal nome, colocava sobre os ombros uma tarefa hercúlea. E Francisco não fracassou. Seu papado, ainda que dentro dos limites de uma instituição milenar, foi um farol de esperança.

            Tal como seu inspirador, ele ousou confrontar os "adoradores do bezerro de ouro", falando-lhes verdades inconvenientes e defendendo com paixão os direitos universais à terra, ao teto e ao trabalho. Chamaram-no de "comunista", termo costumeiramente utilizado contra quem luta por justiça social. Francisco não se abateu. Seguiu sorridente, afirmando que lutar por um mundo justo é verdadeiramente viver o Evangelho.

         Seu pontificado, foi breve, porém inspirador. E no fim, seu último gesto foi a confirmação final de sua jornada: pediu para ser sepultado não no Vaticano, mas na Basílica de Santa Maria Maggiore, e que calçassem em seus pés os sapatos velhos que usou para peregrinar pelo mundo. Um símbolo poderoso de que a mente professa a partir do chão que os pés pisam.

 

 

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