A dúvida se torna ainda maior, quando sabemos que o
escritor Thalles Gomes (Maceió - 1984) integrou a Brigada de Solidariedade
Internacionalista da Via Campesina no Haiti em 2010. O autor esteve no Haiti
durante parte do período de abrangência da Minustah (2004-2017), a missão de
paz da Organização das Nações Unidas (ONU) que tinha por objetivo estabilizar e
manter a ordem no país, após o movimento insurgente que depôs o presidente Jean
Bertrand Aristide. O comando da missão foi delegada pela ONU ao Brasil, que no
afã de se fazer um candidato viável para um assento permanente no Conselho de
Segurança da ONU sempre se mostrou apto e disponível para tais empreitadas.
Gomes, por meio da personagem Judeline, uma migrante
haitiana, encontra uma conexão profunda entre Maceió (AL) e o seu país natal.
No Brasil, Judeline se vê envolvida em situações análogas às de sua triste vida no Haiti. Lembro da música
"Haiti" (Caetano Veloso / Gilberto Gil) que, ao mesmo tempo que pede
orações para o país caribenho, lembra que o Haiti também é aqui, dadas as
injustiças sociais. O Haiti, sabemos, é o país que possui o pior Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) do continente americano, sendo um dos países mais
pobres do mundo. Alagoas é o penúltimo estado brasileiro em IDH e, em especial,
Maceió, sua capital, na qual a obra é ambientada, é o reflexo do Haiti.
No Haiti, a população escravizada, fez uma revolução (1791-1804)
e expulsou os colonizadores, concomitantemente em Alagoas, os senhores de
escravos temiam um movimento semelhante, luta houve, sucesso não. Na obra, são
relatadas feridas pela passagem do Exército Brasileiro no Haiti, violência
excessiva, massacres, exploração sexual de jovens, drogas transportadas em
aviões da Força Aérea Brasileira (FAB). A facilidade com que as gangues
haitianas tinham acesso a armas em um país em que não haviam indústrias
bélicas. Da mesma forma, a personagem se depara com situações idênticas em Maceió.
A xenofobia, o racismo, a exploração sexual de jovens, o trabalho semi-escravo
em casas de famílias da alta sociedade. Até mesmo, o terremoto de 2010 no Haiti
ocasionado pela movimentação de placas tectônicas encontra um paralelo na
Maceió e seus frequentes tremores de terra, por acomodação do terreno, devido a
exploração de sal-gema do subsolo pela gananciosa Braskem, em ambos casos,
milhares de lares foram destruídos. Contra as forças da natureza, há que se
conformar, quanto à ganância irresponsável, não. Fica a dica!
P.S.
1. As camadas da obra (entrelinhas) se revelam, conforme o grau de informação
do leitor;
2. Ladrões de cabrito é como os
soldados da Minustah eram chamados pelos haitianos.
Sugestão
de boa leitura:
Título: Ladrões
de cabrito.
Autor: Thalles
Gomes.
Editora: Expressão
Popular, 2024, 152 p.
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