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sábado, 15 de março de 2025

Ladrões de cabrito

 

             


Eu gosto de alternar livros de ficção e de não ficção e, sendo um assinante do Clube do Livro da Editora Expressão Popular, que tem nessa premissa, a escolha das obras para a publicação com o seu selo, tenho sempre boas opções de leitura, pois a editora prima pela qualidade da formação militante. Eis que escolho um livro com o título  pouco chamativo de "ladrões de cabrito" e me deparo com uma obra de ficção, pelo autor cuidadosamente retratada como tal (na ficha catalográfica), porém, após a leitura, fica a pergunta: quanto disso é realmente ficção e quanto não é?

            A dúvida se torna ainda maior, quando sabemos que o escritor Thalles Gomes (Maceió - 1984) integrou a Brigada de Solidariedade Internacionalista da Via Campesina no Haiti em 2010. O autor esteve no Haiti durante parte do período de abrangência da Minustah (2004-2017), a missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) que tinha por objetivo estabilizar e manter a ordem no país, após o movimento insurgente que depôs o presidente Jean Bertrand Aristide. O comando da missão foi delegada pela ONU ao Brasil, que no afã de se fazer um candidato viável para um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU sempre se mostrou apto e disponível para tais empreitadas.

            Gomes, por meio da personagem Judeline, uma migrante haitiana, encontra uma conexão profunda entre Maceió (AL) e o seu país natal. No Brasil, Judeline se vê envolvida em situações análogas às de sua  triste vida no Haiti. Lembro da música "Haiti" (Caetano Veloso / Gilberto Gil) que, ao mesmo tempo que pede orações para o país caribenho, lembra que o Haiti também é aqui, dadas as injustiças sociais. O Haiti, sabemos, é o país que possui o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do continente americano, sendo um dos países mais pobres do mundo. Alagoas é o penúltimo estado brasileiro em IDH e, em especial, Maceió, sua capital, na qual a obra é ambientada, é o reflexo do Haiti.

            No Haiti, a população escravizada, fez uma revolução (1791-1804) e expulsou os colonizadores, concomitantemente em Alagoas, os senhores de escravos temiam um movimento semelhante, luta houve, sucesso não. Na obra, são relatadas feridas pela passagem do Exército Brasileiro no Haiti, violência excessiva, massacres, exploração sexual de jovens, drogas transportadas em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB). A facilidade com que as gangues haitianas tinham acesso a armas em um país em que não haviam indústrias bélicas. Da mesma forma, a personagem se depara com situações idênticas em Maceió. A xenofobia, o racismo, a exploração sexual de jovens, o trabalho semi-escravo em casas de famílias da alta sociedade. Até mesmo, o terremoto de 2010 no Haiti ocasionado pela movimentação de placas tectônicas encontra um paralelo na Maceió e seus frequentes tremores de terra, por acomodação do terreno, devido a exploração de sal-gema do subsolo pela gananciosa Braskem, em ambos casos, milhares de lares foram destruídos. Contra as forças da natureza, há que se conformar, quanto à ganância irresponsável, não. Fica a dica!

P.S. 1. As camadas da obra (entrelinhas) se revelam, conforme o grau de informação do leitor;

        2. Ladrões de cabrito é como os soldados da Minustah eram chamados pelos haitianos.

 

Sugestão de boa leitura:

Título: Ladrões de cabrito.

Autor: Thalles Gomes.

Editora: Expressão Popular, 2024, 152 p.

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