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sábado, 25 de maio de 2024

Eu fui a espiã que amou o comandante

Mata Hari (Margaretha Gertruida Zelle) foi uma dançarina exótica dos Países Baixos que teve vários amantes, a maioria militares e políticos. Foi levada a julgamento na França acusada de espionagem como agente dupla em favor da França e da Alemanha. Condenada, foi executada por fuzilamento em 15 de Outubro de 1917. Dentre as várias lendas que se criaram sobre ela, conta-se que os executores tiveram que ser vendados para não sucumbir ao seu charme e também que ela teria jogado um beijo para os executores e se despido sendo fuzilada totalmente nua.

            Os historiadores nunca conseguiram esclarecer se ela foi realmente uma espiã, talvez tenha sido uma mulher atraente que usou do sexo para obter favores junto aos homens mais poderosos de seu tempo e assim unicamente sobreviver. Sua história virou tema de livros e filmes. Ilona Marita Lorenz ficou conhecida como a Mata Hari do Caribe, ou se preferir de Fidel Castro. Filha de mãe estadunidense e pai alemão. Morava em Bremen na Alemanha, o pai comandante de navios raramente permanecia muito tempo com a família. A mãe Alice atuou como espiã a serviço dos Estados Unidos. Ilona tinha esse nome em homenagem à irmã gêmea que morreu em virtude de ataque de um cão policial à sua mãe, o que forçou o parto prematuro.

             Durante a Segunda Guerra Mundial sua mãe foi obrigada a entregar seu irmão mais velho para ser treinado como combatente nas tropas nazistas para poder continuar recebendo o auxílio-alimentação que permitia à família sobreviver. Nessa época, Alice teve que apagar o incêndio resultante de bombardeio aliado que ameaçava consumir sua casa. Também, ajudou militares aliados, escondendo-os ou fornecendo aquilo que precisavam, acabou presa, e, juntamente com Marita foi parar no campo de concentração de Bergen-Belsen conhecendo os horrores característicos daquele ambiente. Ilona dormia abraçada a outras crianças (algumas vezes estas morriam durante a noite) no alojamento destinado às crianças.

            Ao terminar a guerra foram libertadas, porém, Marita aos sete anos de idade, ao visitar uma amiga sua na vizinhança, foi estuprada pelo pai desta (um sargento dos Estados Unidos da América) que acabou preso por esse e outros fatos semelhantes, inclusive com sua própria filha de quatro anos de idade. Ilona não era estudante dedicada e abandonou os estudos. Passou a viajar de navio com seu pai, não raras vezes, o fez de forma clandestina em que se apresentava ao pai em alto mar, pois, sabia que este não teria como retornar para deixá-la em terra.

            No início de 1959, logo após o triunfo da Revolução Cubana, a bordo do navio de passageiros “Berlim” comandado por seu pai em passagem por Cuba recebeu a visita de Fidel Castro e alguns revolucionários. E ali mesmo no navio, Fidel Castro começou a flertar com ela, e mais tarde, mandou um avião buscá-la nos Estados Unidos para morar com ele na ilha. Engravidou de Fidel e num episódio obscuro seu filho teria sido retirado num parto induzido (Fidel lhe falava sempre que filhos de pais cubanos “são filhos de Cuba”). Somente conheceu o filho quando este contava vinte anos de idade.

            Nos EUA foi treinada para matar Fidel Castro com cápsulas envenenadas que deveria colocar em sua bebida ou alimento, fracassou, pois, ainda o amava. Vivendo nos Estados Unidos fez vários trabalhos de espionagem para a CIA e para o FBI. Tal como Mata Hari, atraente, adorava seduzir os homens, afirmava que apenas os usava para obter prazer e caía fora. Teve inúmeros amantes (militares, políticos, espiões e chefões da máfia), sabia que estes apenas a usavam e isso não a incomodava. Como amante, teve uma filha com o ditador venezuelano Marcos Pérez Jimenez.

            Trabalhou com pessoas que se tornaram personagens centrais da história e que se envolveram em casos como Watergate que ocasionou a queda de Richard Nixon e Lee Harvey Oswald a quem chamavam de “Ozzie” suspeito de ser o assassino de John Fitzgerald Kennedy em Dallas (1963). Ganhou algum dinheiro, porém, nunca soube administrá-lo, e enquanto seus colegas que sobreviveram à “queima de arquivos” por saber demais (ela própria foi alvo de alguns atentados), se aposentaram com alguma segurança, Marita chegou à velhice com dificuldades financeiras para conseguir a mera sobrevivência. Em um aposento minúsculo, sozinha, passa os dias assistindo TV. Sua história virou tema de livros e filmes. 

Sugestão de boa leitura: 

Título: Eu fui a espiã que amou o comandante.

Autor: Marita Lorenz.

Editora: Planeta. 2015, 269 p.

 

terça-feira, 21 de maio de 2024

Dostoievski: vida e obra

 

Imagine, caro leitor, em uma livraria, pousar seus olhos numa estante de livros e encontrar uma obra de um de seus autores prediletos e, ao pegá-lo na mão, constatar que o livro trata da vida e obra de outro de seus escritores preferidos. É essa a sensação que tive ao deparar com o livro "Dostoievski: vida e obra" de Stefan Zweig. Quem acompanha essa coluna, sabe que considero um remédio para a alma a leitura das obras do escritor, romancista, poeta, dramaturgo, jornalista e biógrafo austríaco de origem judaica Stefan Zweig (1881-1942), sendo assim, sua apresentação é meramente uma questão de praxe. Agora, quando a elegância da escrita de Zweig está inserida em um ensaio que mescla aspectos biográficos do escritor, filósofo e jornalista russo Fiódor Mikhailovitch Dostoievski (1821-1881) e teoria literária, porém, sem ser academicista, é a receita para o deleite de um leitor aficcionado por ambos.

            Dostoievski, já apresentado em outras oportunidades neste espaço, por meio de resenhas, aqui publicadas, é o autor russo predileto dos brasileiros, pelo menos, é o que demonstram os números quanto a vendagem de sua obra. Os russos não o consideram o maior de seus grandes escritores,  afinal, a concorrência é fortíssima, com nomes como Tolstoi e Turguêniev, apenas para citar alguns dos grandes escritores daquele país.

            No ensaio, objeto dessa resenha, fica evidente a grande admiração de Zweig pela obra e personagem que Dostoievski representou em seu tempo de vida no então Império Russo. Também não me atrevo a dizer que ele é maior que os autores citados, mas, digo que Dostoievski parece transcrever para as tramas das diferentes personagens de seus livros, toda a tragédia pessoal que marcou a sua vida. Ele escreve sobre as mazelas humanas, aquelas sentidas por quem frequenta o andar de baixo da sociedade, então é como se ao ler suas obras, conversássemos também sobre nossos problemas de gente do povo, muitas vezes ignorados devido à nossa pobreza e insignificância.

            O autor russo, inversamente a Tolstoi e Turguêniev, viveu sempre com dificuldades financeiras, reclamava de ter que escrever a "toque de caixa" para receber o vil metal que lhe possibilitava sustentar a sua família e os parentes que dele dependiam para sobreviver. Sonhava não se preocupar com a sobrevivência como os expoentes autores russos citados e, assim, poder lapidar sua obra com o intuito de fazê-la grandiosa.

             Militante, foi preso, na verdade, era figura pequena dentre os opositores ao regime do czar. Julgado, foi condenado à morte por fuzilamento, recebendo o perdão (comutação) da pena, quando já se encontrava posicionado para ser executado. Foi então enviado à Sibéria para trabalhos forçados. Grande observador e analista da mente humana, registra mentalmente os perfis psicológicos de seus companheiros de cativeiro. Estes, mais tarde, com outros nomes, serão personagens de muitas de suas obras. Dostoievski escreveu "Memória da casa dos mortos" sobre o tempo em que esteve preso na Sibéria, sobre este livro, conta-se que o próprio Czar chorou ao lê-lo.

            A vida de Dostoievski é cheia de altos e baixos, também as tramas de seus livros e, suas personagens que, quando prosperam, comemoram vitórias, em seguida vem o tombo, a mostrar o seu verdadeiro lugar. Dostoievski, que escrevia livros freneticamente para poder sobreviver, não raras vezes, mudou sua residência para fugir dos cobradores. Em sua vida e em sua obra, a humildade foi sempre esculpida em sua alma e em suas personagens pelo cinzel da humilhação.

            Sabemos que todas as pessoas que passam/passaram por grandes sofrimentos na vida, se fazem/fizeram mais fortes, afinal, a vida não dá outra opção, senão fortalecer-se. Stefan Zweig, vê em Dostoievski, um gênio. O escritor austríaco não faz juízo qualitativo entre os autores russos, mas, afirma preferir os derrotados aos vitoriosos, é neste sentido que diz preferir Dostoievski, que cheio de falhas de personalidade, mantém-se em silêncio como quem espera a tormenta passar e, não a nobres como Tolstoi, que se atormentou refletindo se vivia da forma correta como cabe a sua persona pública. Fica a dica! Desta vez, dois grandes autores, em um só livro!

Sugestão de boa leitura:

Título: Dostoievski: vida e obra.

Autor: Stefan Zweig.

Editora: Nova Fronteira, 2021, 152 p.

 

 


sábado, 11 de maio de 2024

A grande degeneração

 

Niall Ferguson é um renomado historiador inglês. É dele o livro “a grande degeneração”, obra na qual discorre sobre a decadência do mundo ocidental. É importante que eu diga que não concordo plenamente com o autor que em sua análise do papel do Estado utiliza uma concepção neoliberal. Mas, a obra nem por isso deve ser desconsiderada, tendo em vista que Ferguson traz importantes questionamentos e apontamentos acerca da degenerescência atual da civilização ocidental.

            O historiador inglês sustenta sua tese ao abordar aquilo que chamou de “as quatro caixas pretas” da civilização ocidental: a democracia, o capitalismo, o Estado de direito e a sociedade civil. Na obra, Ferguson discorre acerca do estado estacionário em que se encontram as economias ocidentais, cujo PIB imóvel assiste o galope da China, um país do Oriente. O autor lembra que Adam Smith fez uma análise no século XVIII sobre o estado estacionário chinês comparando sua falta de crescimento com o ocidente que navegava com vento em popa.

            O autor afirma que se Adam Smith hoje vivesse, veria que os ventos da história passaram a soprar em outra direção. Cita a desalavancagem, ou seja, a iniciativa de redução das dívidas públicas que tende a ser um fator inibidor do crescimento econômico, pois, os Estados buscam acumular superávits primários e reduzem seus investimentos na infraestrutura e também nas áreas sociais. A geração atual paga pelos arroubos da geração passada e a geração futura fica com as duplicatas a serem pagas pelos desvarios de nossos governantes atuais.

            Nos estados estacionários, os assalariados são chamados a pagar a conta dos excessos da jogatina do mercado financeiro por meio da redução do poder aquisitivo de seus salários com o objetivo de preservar os lucros do patronato e manter a competitividade das empresas. Niall reclama da rigidez dos organismos reguladores cujos processos retardam a colocação no mercado de novos produtos e inovações, mas, concorda que certo grau de regulação é necessário para que tragédias não sejam efetivadas como a colocação no mercado de produtos maléficos à saúde humana.

            Na obra também discorre sobre o envelhecimento da população ocidental com a baixa taxa de fertilidade resultante da opção de muitos casais por não terem filhos ou ter apenas um. A não renovação da população traz o problema da falta de mão-de-obra para o mercado de trabalho e uma difícil equação para a Previdência Social em que um número decrescente de trabalhadores contribui para o financiamento de um número crescente de aposentados. O autor também relata o comportamento anti-social da sociedade ocidental, que, em seu ver está cada vez mais doente e imbecilizada com a perda dos valores culturais e religiosos. 

            O autor tem posicionamento contrário ao Estado de bem-estar social e afirma que a sociedade espera que o Estado resolva tudo quando deveria ela agir, seja, ajudando na preservação do meio ambiente, na limpeza pública ou na assistência às pessoas pobres da sociedade. Relata ainda que o desconhecimento ou ignorância acerca da essência das questões fundamentais de nosso tempo leva muitas pessoas imbuídas da ilusão do conhecimento trocar insultos e pensar que com isso estão realizando um debate.

            O historiador inglês reconhece que o liberalismo econômico é atualmente uma marca denegrida e que Francis Fukuyama errou quando escreveu a obra “O fim da história” em que apontava a vitória definitiva do capitalismo sobre o socialismo. Ferguson reconhece também que o capitalismo neoliberal implantado no mundo a partir de Washington (Ronald Reagan) e Londres (Margareth Thatcher) aprofundou o fosso das desigualdades sociais ao concentrar excessivamente a renda nas mãos dos 10% mais ricos da sociedade pauperizando ainda mais os miseráveis.

            Afirma que a discussão sobre as causas desse fenômeno costumam apontar: a globalização econômica, as mudanças tecnológicas, a falta de investimentos em uma educação pública de qualidade e a política fiscal. Ferguson afirma que o Estado de direito está sendo substituído por um Estado de juristas cuja relativização da interpretação das leis por magistrados (que agem com seletividade) causa grande insegurança jurídica, pois, estes deveriam unicamente aplicar o direito. Relata que parte significativa dos membros dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário dos estados ocidentais está imiscuída no que há de mais podre na sociedade. 

Sugestão de boa leitura: 

Título:  A grande degeneração.

Autor:  Niall Ferguson.

Editora: Planeta, 2012, 128 p.

 


segunda-feira, 6 de maio de 2024

O nobre deputado

 

O Juiz de Direito Márlon Reis publicou um livro indispensável para todos aqueles que de fato, se indignam com a corrupção existente em nosso país e não fazem desta, mera retórica. Digo isso porque vejo pessoas que denunciam os fatos envolvendo políticos da esquerda, mas, se calam perante a corrupção de importantes figuras da direita. De forma surreal, existem críticos da corrupção política que praticam pequenas corrupções cotidianas, furando filas, subornando policiais ou agentes públicos, sonegando impostos, colando na prova, plagiando artigos científicos ou trabalhos escolares, vendendo o voto em troca de benefícios particulares, ou, fazendo “gato” para ter acesso gratuito à TV por assinatura.

            Alguns poderão dizer que isso é nada se comparado ao que fazem os políticos, porém, a natureza é a mesma, pois, corrupto é todo aquele que se desvia da ética, não importa, se com pouco, ou com muito. Guimarães Rosa genialmente afirmou: “Eu quase nada sei, mas desconfio de muita coisa” e foi com este pensamento que iniciei a leitura do pequeno livro e ao ler coisas que, a bem da verdade, não constituem novidades, senti profunda decepção ao confirmar minhas suspeitas.

            Márlon Reis entrevistou deputados federais e estaduais de diversas unidades federativas aos quais se comprometeu mantê-los em anonimato. Os deputados depoentes esclareceram o modus operandi da corrupção inclusive afirmando que “a pessoa que entra na política precisa entrar no sistema ou dele será cuspido fora”. Há relatos de que as eleições são decididas pelo montante de dinheiro empregado e que é o voto comprado e não o voto idealista que decide quem será eleito.

            Os deputados são caracterizados como vaidosos e que gostam de afirmar serem trabalhadores a serviço do povo, mas, na realidade não é assim que vêem de fato a situação. O autor afirma também que há deputados que lutam ferozmente por emendas para obras públicas para os seus redutos eleitorais, pois, além de fortalecerem-se perante o eleitorado para a próxima campanha levam uma porcentagem em torno de 20% referente ao butim de praxe.

            Relatou que muitas vezes, as obras são feitas com materiais de pior qualidade visando economizar para que seja possível fazer os repasses da comissão do deputado que conseguiu a verba, e, um maior lucro para o empresário “parceiro” sem esquecer-se dos fiscais cujo parecer favorável é necessário para a entrega da obra.

            As campanhas são realizadas com o reforço do Caixa 2, que é constituído por dinheiro público (via corrupção) ou de doações ilegais de empresários que “financiam não somente o potencial vencedor como o possível perdedor, pois, o perdedor de hoje é o vencedor de amanhã”. E, além disso, no caso de uma traição do vencedor, o perdedor ficará na oposição e poderá vir a ser muito útil. Após as eleições, o empresário doador de campanha cobra a fatura e esta é paga na forma de licitações viciadas com participantes e orçamentos combinados cujo vencedor está predeterminado. O preço é superfaturado, e, quando o valor alcançado não é considerado suficiente a solução é a economia de materiais (baixa qualidade) para propiciar o pagamento das comissões.

            Apesar da frustração de ver confirmadas no pequeno livro tudo aquilo que o leitor abomina, a obra é imprescindível para entender melhor os meandros da política por cujos labirintos o dinheiro público se esvai na forma de corrupção. Também é importante afirmar que não podemos desistir, desinteressarmo-nos pela política, pensando que nesta seara tudo é joio, pois, há também o trigo, portanto, importa retirar o joio, que não é pouco, mas, do esforço de todos virá o pão que sacia a fome de desenvolvimento da população.

Sugestão de boa leitura:

Título: O Nobre Deputado – Relato chocante (e verdadeiro) de como nasce, cresce e se perpetua um corrupto na política brasileira.

Autor: Márlon Reis.

Editora: LeYa, 2014, 120 p.