Antes
de ser escritor, Gabriel García Márquez (1927-2014) foi jornalista. E na
presente obra ele conta que em um dia qualquer do ano de 1949, sem ter uma
pauta especial lhe foi incumbida a tarefa de ir até o histórico prédio do Convento
de Santa Clara, o qual iria ser demolido para a construção de um hotel cinco
estrelas em atendimento à demanda do pujante turismo da colombiana e caribenha
cidade de Cartagena das Índias. Naquele momento estavam sendo abertas as criptas
onde estavam enterradas freiras da Congregação das Irmãs Clarissas e também
pessoas da nobreza colonial, período em que a cidade era a mais povoada do
Vice-Reinado de Nova Granada cujo território deu origem à Colômbia, Panamá,
Equador e Venezuela. Muitos cadáveres haviam sido ali depositados há mais de
duzentos anos e suas ossadas estavam sendo entregues às famílias sempre que estas
as reclamavam. Outras (não reclamadas) seriam transferidas para o cemitério.
Enquanto estava lá, chamou a atenção de Gabriel García Márquez quando da
abertura de uma cripta cuja placa registrava ser da Marquesa Sierva Maria de
Todos los Àngeles, na qual estava a ossada de uma criança com uma longa e vasta
cabeleira cor de cobre, a qual mediu vinte e dois metros e onze centímetros.
Ante seu espanto, o pedreiro disse ao jovem jornalista que isso era plenamente
normal pois, o cabelo continua crescendo após a morte. Márquez lembrou que sua
avó lhe contara sobre a lenda de uma marquesinha cujo cabelo se arrastava no
chão tal qual uma cauda de vestido de noiva a quem vários milagres foram
atribuídos. A longa cabeleira nunca cortada desde sua infância era parte de uma
promessa cujo término seria com seu casamento.
O jovem jornalista voltou ao jornal
e fez a matéria sobre a demolição do convento, porém, nunca esqueceu a história.
Em 1994, já consagrado com o Prêmio Nobel de Literatura de 1982, retornou ao
tema publicando a presente obra. Os pais de Sierva Maria de Todos los Ángeles
se casaram sem que entre eles houvesse amor, quando nasceu (século XVIII) foi
criada por uma escrava de nome Dominga del Adviento. O Marquês e sua esposa
foram totalmente negligentes com a criança que somente se sentia à vontade
quando estava em companhia das escravas. Com elas aprendeu a cultura e algumas
línguas africanas sobretudo a língua yorubá que falava fluentemente. A
Cartagena da Índias na qual viveu a pequena marquesa era também a mais rica cidade
do Vice-Reino de Nova Granada. Tinha um milionário comércio de escravos. Era de
seu porto que navios carregados de ouro e prata partiam para a Espanha e era
por ele que chegavam mercadorias e pessoas da metrópole. Em certa oportunidade,
a marquesinha com doze anos de idade foi ao porto junto com uma das escravas
para adquirir alimentos e acabou sendo mordida no tornozelo por um cão portador
de raiva.
Quando seu pai tomou conhecimento do
fato ocorrido, levou-a de volta para a Casa Grande, mas, ela não se habituou e
voltou a dormir com as escravas na senzala. O pai tentou se redimir de sua
negligência buscando a melhor medicina da época (a qual não era grande coisa),
afinal, a doença era à época incurável, A menina ante os maus tratos
(procedimentos médicos rudimentares da época) que recebia dos médicos começou a
reagir de forma hostil e, tendo em vista que a doença era incurável, o Marquês
foi procurado por religiosos que lhe orientaram a interná-la no Convento das
Freiras Clarissas para que ao menos sua alma fosse salva. O conhecimento acerca
da doença era quase nenhum e, os religiosos viam na loucura que se instalava nos
doentes, a possessão de demônios sobre seus corpos e que atormentavam suas
almas. A abadessa do Convento não gostou de receber a menina e a queria longe
dali no menor tempo possível, para tal, carregava de tinta as atas que fazia
sobre ela atribuindo-lhe a culpa por chuvas fortes, revoadas de pássaros,
eclipse e tremor de terra. Um jovem padre de nome Cayetano Delaura foi
designado para fazer seu exorcismo porém, sonhou com ela antes de a conhecer e
ao conhecê-la esta lhe contou o mesmo sonho. O jovem padre que sonhava ser
bibliotecário do Vaticano era muito culto, possuía e lia livros proibidos pela
Santa Inquisição. O padre teve pena da marquesinha e ao visitá-la
frequentemente, acabou por se apaixonar por ela. Tendo tomado conhecimento de
uma passagem secreta entre o hospital e o convento, começou a fazer visitas
noturnas à Sierva Maria que também por ele se apaixonou. Cayetano tenta mostrar
aos demais religiosos que não acredita que ela esteja possuída por demônios e
afirma: "Ás vezes atribuímos ao demônio coisas que não entendemos. Sem
cuidar que podem ser coisas que não entendemos de Deus". Os exorcismos
começaram por intermédio de outro sacerdote e a menina aterrorizada se tornou
ainda mais hostil reforçando a ideia de estar possuída por demônios. Sierva
Maria propõe ao padre Cayetano Delaura fugirem e este se recusa, pois quer
encontrar um meio legal para livrá-la desse sofrimento e conseguir dispensa de
seu ofício para com ela viver. Paro aqui para não dar spoiler! Fica a dica!
Sugestão de boa leitura:
Título: Do amor e outros
demônios.
Autor: Gabriel García
Márquez.
Editora: Record, 2020, 192 pág.
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