Meu primeiro contato com a obra de Chimamanda foi por
meio do livro "Sejamos todos feministas", ocasião em que coloquei seu
nome na minha lista de autores a seguir, tamanha a potência do seu discurso. Em
"Hibisco roxo" Adichie mostra as cicatrizes da colonização inglesa e
dos constantes golpes de estado na ainda curta história da Nigéria (o país tem
pouco mais de sessenta anos de independência). Um dos efeitos benéficos da leitura
dessa obra é a desconstrução do estereótipo de que não apenas a Nigéria, mas,
de que todo o continente africano é vítima, a de que é uma região onde somente
há pobreza. A autora mostra em seu livro uma Nigéria rica, porém, com grande
desigualdade social. A trama tem como personagens principais Kambili (uma
menina de 15 anos), seu irmão Jaja, os pais Eugene e Beatrice e a tia Ifeoma.
Eugene é um rico empresário, dono de um jornal que faz
oposição ao governo golpista e de várias indústrias no ramo de alimentos.
Eugene é chamado de "Papa" pelos integrantes da família e com sua
fortuna se dedica à filantropia, ajuda a comunidade local, inclusive faz significativas
doações em dinheiro para a Igreja. Eugene segue o cristianismo e critica
fortemente as tradições culturais e religiosas ancestrais (nativas). Trata-se
de um nigeriano que deseja viver como se europeu fosse. Eugene apesar de ser
considerado um santo homem pelas pessoas de sua comunidade é um pai e esposo
muito severo. Sua esposa Beatrice é submissa, ela se diz grata pela vida
confortável que seu marido lhe oferece, no entanto, é vítima de sua violência.
Ela também não consegue se opor ao marido e a forma áspera deste no trato com
os filhos. Eugene é um fundamentalista religioso, pensa ser o guardião a zelar
pelo bom caminho dos entes familiares. Ele pensa estar fazendo o que se espera
de um pai cristão exemplar e temente a Deus. Eugene exige que seus filhos tirem
notas máximas e sejam cada um o melhor estudante de sua turma. Em certa
ocasião, Kambili não consegue ser a primeira da turma e volta para casa com os
elogios de seus professores por ser uma excelente aluna (segunda colocada da
turma), mas recebe castigos físicos de seu pai por não ter alcançado a única
obrigação que tinha (ser a primeira colocada). Eugene somente deixa seus filhos
visitarem seu próprio pai e avô (Papa Nnukwo) duas vezes por ano (Natal e Ano
Novo) e durante quinze minutos. O motivo são as crenças deste na religião
tradicional tidas por Eugene como pagã.
No livro, Adichie apresenta a Nigéria por meio de descrições
do cotidiano das pessoas (ricas como a família de Kambili) cujos filhos vão à
escola particular num veículo Mercedes-Benz com motorista e das pessoas pobres
que Kambili vê perambulando pelas ruas ganhando a sua sobrevivência na
informalidade. Apesar de a Nigéria ser apresentada como um país rico (é uma
potência petrolífera) há a descrição do descaso das autoridades com a
infra-estrutura rodoviária e energética ofertada. Ifeoma, tia de Kambili é
professora universitária, tendo ficado viúva, se recusa a casar-se novamente, pois,
gosta de sua vida de viúva e considera que ruim é o patriarcado, o machismo
arraigado no homem nigeriano padrão. Ifeoma também foi educada em escola
cristã, mas, respeita as tradições ancestrais de seu pai (Papa Nnukwo) e de
parcela significativa da sociedade. Ifeoma cria seus três filhos de forma
respeitosa, libertária, ouve suas opiniões, exerce, portanto sua autoridade de
forma não autoritária. Eugene é convencido por sua irmã a deixar os filhos
passarem uma semana do período de férias na casa dela, onde Kambili e Jaja
tomam conhecimento de como é viver de forma humilde. Kambili dorme no quarto de
sua prima Amaka e fica constrangida em vê-la com a roupa de baixo, algo que
aprendeu (em família) ser imoral. O pai de Kambili tem chave reserva de seu quarto
para vigiar o comportamento da filha (em visitas surpresa). Kambili conhece um
jovem padre que visita a casa de sua tia e passa a sentir algo por ele com que
não sabe lidar direito, sendo ele um padre e ela uma pessoa com as emoções
sempre reprimidas.
Enfim, o leitor pôde constatar ao ler esta resenha que
trata-se de uma obra que mostra um país africano (a Nigéria) como ela é (livre
do estereótipo), as cicatrizes da colonização e a consequente aculturação da
sua população, da desigualdade social, do patriarcado/machismo e o
empoderamento de mulheres feministas ainda que incipiente. Quanto ao título e
demais desdobramentos da obra, deixo para que o leitor descubra lendo-a, pois a
recomendo fortemente!
Sugestão
de boa leitura:
Título: Hibisco roxo.
Autor: Chimamanda Ngozi
Adichie.
Editora: Companhia das Letras,
1ª ed., 2011, 328 pág.
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