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sábado, 29 de maio de 2021

Carta aberta aos/às prefeitos(as)

 

            Vivemos um triste e obscuro tempo. A polarização que há muito tempo tomou conta de nosso país ideologizou até mesmo aquilo que não tem ideologia, o vírus da Covid 19 que ameaça a vida de todas as pessoas independentemente de sua ideologia ou classe social. Em todos os períodos em que a humanidade passou por epidemias/pandemias foram as autoridades da Ciência que a conduziram para o livramento do mal que a todos atingia, importa ouvi-las. Negar/subestimar a doença e a forma como ela se propaga, como se ela fosse apenas um pensamento ruim, é uma atitude irracional e irresponsável e, em todos os tempos conduziu ao desastre. O vírus é real e espreita o lar de todos. Importa agir com elevado humanitarismo, pois, cada vida importa e salvar vidas é a mais importante e nobre missão que o destino lhes confiou nesse triste momento histórico, que para sempre será lembrado, como o foram outros momentos de epidemias/pandemias pelas quais a humanidade passou. Os cientistas e historiadores, futuramente se debruçarão sobre os dados acerca da transmissibilidade do vírus, as ações tomadas e, as que deveriam e não foram tomadas por quem estava em condições de decidir, além, é claro,  da macabra contabilidade das mortes, das quais, muitas poderiam ser evitadas.

            Sou também Professor, mais, especificamente da área da Geografia. Na Geografia há um lema muito apreciado por seus profissionais e que diz: "Pense globalmente, aja localmente". Esse lema afirma que se todos pautarmos nossas ações para tornar melhor o local onde vivemos, o mundo como um todo será melhor. Essa é a missão que lhes cabe, nesse momento, de forma elevada a enésima potência. Novamente convido-os/as a se desarmar de suas ideologias partidárias e lhes digo, que também eu venho desarmado das minhas (embora não pertença aos quadros de nenhum partido político), pois, venho como cidadão e como educador e, que tal como qualquer outro, conhece a fundo a realidade das escolas e o comportamento dos estudantes (crianças e adolescentes). Vossas Senhorias sabem que os adultos não estão se comportando e tendo os cuidados necessários para evitar o contágio, como esperar isso de crianças e adolescentes? Afinal, eles não atingiram o grau de amadurecimento, de consciência sobre o risco que os cerca, além disso, são muito dispersivos, distraídos e sociáveis, carentes de contato humano, o que dificulta manterem o distanciamento. As salas de aulas são mal ventiladas e, a variante P1 de Manaus e a variante indiana B1 (que já chegou ao país) são extremamente contagiosas. As máscaras de tecido (mais utilizadas) oferecem apenas 70% de proteção e, em todos os locais onde as aulas presenciais voltaram, a taxa de transmissão e mortes aumentou (não sou eu quem diz isso, são os cientistas).

            Entendo que Vossas Senhorias estejam em "saias justas" que lhes são impostas pelo Governador do Estado e pelo Presidente da República. Entendo que ter boas relações com estas autoridades é importante para trazer recursos para vossos municípios. Entendo também que muitas pessoas da sociedade os/as criticarão por tomar medidas de segurança, mas, importa ouvir as vozes mais sensatas, as da Ciência. Mas, entendo também, que são vocês que serão responsabilizados(as) pelo aumento dos contágios que as autoridades da Ciência dizem que irão ocorrer com a retomada das aulas presenciais, pois, assim foi em Manaus e em vários locais do Brasil e do Mundo. Como educador, digo que deficiências na aprendizagem poderão ser recuperadas futuramente. Como pai, digo que prefiro encaminhar meus filhos à consultas psicológicas a arriscar suas vidas e as nossas mandando-os à escola para ter aula presencial, afinal, precisamos estar vivos para encaminhá-los na vida. O Governador do Estado não quer ficar mal com o Presidente da República e coloca nas suas mãos a decisão do retorno às aulas e, inclusive, indiretamente os/as pressiona, mas, a responsabilidade pelas mortes de estudantes, pais e demais familiares com quem os estudantes convivem serão "debitadas nas vossas contas" em termos judiciais e de consciência. O mesmo Governador (surrealmente) está tomando medidas restritivas no que lhe cabe responsabilidade (sobre a circulação de pessoas em órgãos do Governo), alguma dúvida sobre quem recairá a responsabilidade? Quanto ao Presidente está tendo suas ações/inações quanto à pandemia em curso sendo analisadas pela CPI, nesse momento, deixemo-lo de lado.

            Lembro que 1098 pessoas esperam por leitos de Covid no estado, 543 esperam leitos de UTI e que apenas 16,5% da população foi vacinada e acredita-se que a terceira onda será catastrófica. Não basta vacinar os educadores (cuja maioria ainda nem recebeu a primeira dose) que somente estarão plenamente imunizados daqui a 120 dias. A volta às aulas somente será relativamente segura com 70% da população vacinada. Nenhuma carência/transtorno psicológico é maior do que a falta de um ente querido (pais, avós, etc.) para a criança e/ou adolescente. A volta às aulas presenciais deve ocorrer quando houver segurança para todos(as). Vossas Senhorias, diferentemente do Presidente e do Governador, vêm de perto a tragédia ocorrendo e, muitas vezes, conhecem as pessoas que morrem e, cuja falta a comunidade se ressente. Reafirmo que salvar vidas é a mais nobre missão que o destino lhes confiou. Importa pecar pelo excesso, mas, nunca pela falta de esforços e por fazer ouvidos moucos à Ciência. Só a Ciência e os esforços coletivos de toda a sociedade apressarão o fim da pandemia. Cabe-lhes conduzir a comunidade nesse difícil trajeto de escuridão! Sejam luz!

sábado, 22 de maio de 2021

O bolsonarismo e o fim da era do politicamente correto

          No inicio de seu mandato, mais especificamente em seu discurso de posse, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que com sua posse, o povo brasileiro seria libertado do socialismo e do politicamente correto. Libertar o povo do socialismo é algo no mínimo cômico, afinal, quando foi, em que momento da história nacional, o Brasil foi socialista? O socialismo é um sistema socioeconômico que tem como principal característica a supressão da propriedade privada dos meios de produção (fazendas, bancos, indústrias, etc.). Isso nunca ocorreu no Brasil, portanto, jamais houve socialismo. Ao escrever estas linhas, me vejo obrigado a afirmar obviedades, mas, vivemos uma triste e obscura época em que afirmar o óbvio é uma necessidade premente. A chamada "constituição comunista", ou seja, a Constituição Federal (1988) apenas procurou garantir o atendimento a demandas estancadas da sociedade pela ditadura militar (1964-85).

            A "constituição cidadã" como chamada por Ulisses Guimarães (1916-92) procurava implantar no Brasil um Estado de Bem-Estar Social (social-democracia) oferecendo à população, em sua maioria pobre, a gratuidade do acesso à educação pública (das séries iniciais à Universidade), ao atendimento médico-hospitalar (SUS), à aposentadoria pública (garantida pelo Estado), quem já se informou sobre os problemas que o sistema privado chileno trouxe aos cidadãos daquele país sabe do que estou falando. O Brasil é talvez o único país do mundo onde o pobre que não pode pagar pelos serviços atualmente prestados pelo Estado (educação, saúde, previdência social, etc.) defende sua total privatização. Na Europa, a classe média se opõe à elite econômica (do patrimônio), pois sabe que esta ao fim e ao cabo defende ideais quanto ao papel do Estado que lhes são prejudiciais. No Brasil, há o pobre de direita, que apesar de fazer parte da classe trabalhadora e de não possuir fazendas, bancos, indústrias, etc. se une à elite patrimonial do país, porém, enquanto esta defende seus privilégios históricos, o pobre de direita (a classe média) conserva a sua pobreza.

            É com grande exasperação que assisto o Ministro da Economia Paulo Guedes reclamar do aumento da expectativa de vida da população brasileira, algo que seria comemorado por qualquer governo sensato e com senso humanitário. Guedes que já criticou o governo Lula (2003-2010) no qual, segundo ele, a empregada doméstica teria ido até para a Disneylândia, por conta do aumento do poder aquisitivo da classe trabalhadora no período, voltou à carga e criticou o fato de que o FIES financiou até a entrada do filho do porteiro na Universidade, evidenciando pensar que Universidade não é lugar de pobre. Guedes, como "Chicago boy" que é, parece não se conformar com a utilização de recursos públicos para a manutenção de Universidades públicas e para o ingresso de filhos de trabalhadores na formação superior, afinal, Universidade é local onde se formam pensadores e, gente que pensa (sobretudo das classes populares), incomoda os conservadores. Sobre a crise econômica agravada pela pandemia, Guedes disse que o Governo Federal devia ajudar as grandes empresas, pois, colocar recursos públicos nas empresas pequenininhas seria perder dinheiro. Ora, são estas as mais frágeis e as que mais oferecem empregos segundo o CAGED. Nessa fala Guedes demonstra que sua ação não é pautada em princípios de Estado e de administração racional, mas, de ideologia de classe, a classe dos super-ricos, do grande capital. Quanto aos funcionários públicos, disse serem parasitas, ou seja, sugam os recursos do Estado e nada oferecem em troca. Nesta fala, Guedes busca convencer a população de que serviços públicos não devem ser ofertados de forma pública e gratuita, dessa forma, prega o Estado Mínimo, mas, omite que o objetivo é colocar o Estado e seus recursos financeiros a serviço exclusivo dos super ricos, do rentismo (do qual ele faz parte).

            Bolsonaro, por meio de suas falas absurdas, joga cortinas de fumaça para desviar a atenção do povo, enquanto seu governo é extremamente eficiente em esquartejar o patrimônio nacional e o entregar na bandeja para o grande capital nacional e estrangeiro. Sua retórica carregada de preconceitos, ódio e pouca ou nenhuma racionalidade mantém fiel seu eleitorado formado por conservadores privilegiados, liberais fanáticos e trabalhadores analfabetos políticos. O bolsonarismo revelou ao mundo a face oculta do povo brasileiro que intelectuais ao criar o mito fundador nacional, tentaram esconder. O bolsonarismo é anterior a Bolsonaro.

sábado, 15 de maio de 2021

Os eleitores órfãos de FHC

                 Quando Fernando Henrique Cardoso foi escolhido para ser o candidato à sucessão de Itamar Franco (1930-2011) nas eleições de 1994, um parlamentar situacionista contestou um cacique político idealizador/apoiador da chapa FHC (PSDB)/Marco Maciel (PFL), afirmando: "Vocês estão loucos, o homem (FHC) é comunista"! O cacique político acostumado aos meandros do poder mesmo nos tempos da ditadura militar (1964-85) e, cuja influência política alcançava toda a aldeia tupiniquim (que conhecemos como Brasil), confidenciou ao seu interlocutor: "Às vezes, para que nada mude, é necessário mudar"! FHC tomou para si o título de "Pai do Plano Real", cuja verdadeira paternidade é de Itamar Franco que nunca perdoou a traição de FHC, que, sob seu apoio, foi lançado como candidato para um mandato tampão (a Constituição Federal não permitia reeleição), após o qual, Itamar desejava ser o candidato situacionista e retornar ao Planalto, porém, FHC em mais um casuísmo eleitoral (algo comum na história nacional), alterou a Constituição Federal, num "golpe branco" que contou inclusive com denúncia da compra de votos de parlamentares (caso Ronivon Santiago), possibilitando a sua reeleição em 1998. FHC afirmou que não sabia da compra de votos de parlamentares, porém, me pergunto: Como parlamentar constituinte e que contribuiu na elaboração da Carta Constitucional (1988) ele não sabia que mudar a Constituição Federal de forma a beneficiar aqueles que à época eram detentores de  cargos políticos do Poder Executivo (ele, inclusive) era algo ética e moralmente condenável? Permitir a reeleição (via emenda constitucional) para os próximos mandatários, não haveria o que falar (exceto a compra de votos). Essa se tornou uma das muitas manchas na biografia de FHC, pois, se não partiu dele a iniciativa para a alteração constitucional, contou com sua anuência, pois, não se colocou contrário.

            O "príncipe dos sociólogos" (como FHC é conhecido com certa galhofa), foi escolhido para ser Ministro da Fazenda durante o governo de Itamar Franco para fazer a condução política do Plano Real.  Itamar Franco desde sua posse, em sucessão a Fernando Collor de Melo (PRN) que teve o mandato abreviado por um impeachment, concentrou esforços na área econômica e, trouxe para o governo uma  equipe de economistas experientes, cujos conhecimentos vinham de planos econômicos anteriores que ajudaram a construir, pois, sabiam o que funcionou e onde fracassaram. FHC ocupava o cargo de Ministro das Relações Exteriores e, nesse período, a equipe econômica já trabalhava na montagem do Plano Real. Há entrevistas gravadas do político e economista de formação Ciro Gomes (PDT) em que ele conta toda essa história. FHC foi o lançador da nova moeda, o Real e, capitalizou para si o sucesso de todo o Plano Real, algo descabido. Como sabemos, uma mentira contada mil vezes se torna verdade, não faltam artigos jornalísticos escritos por jornalistas e políticos atribuindo a FHC, a paternidade do Plano Real, motivados pelo contexto de época. Era preciso capitalizar a campanha eleitoral de FHC e, funcionou, a eleição sob o mote "do Salvador da Pátria que nos livrou da hiperinflação", uma das muitas heranças malditas da ditadura militar, se deu com vitória no primeiro turno por meio da rotineira estratégia conservadora da "exploração do medo", pois, à Lula foi atribuído o grande risco da descontinuidade do Plano Real e, dessa forma, do fim da  estabilidade econômica.

            Enfim, concluo dizendo que o cacique político estava certo, no governo FHC (1995-2002) nada mudou, o ordenamento social vigente permaneceu. As iniciativas de cunho social foram tímidas demais. O governo do tucano ficou marcado pela implantação selvagem do fundamentalismo neoliberal no país e, pelo processo de privatização eivado de vícios que ficou conhecido como privataria (privatização+pirataria). O Estado de Bem-Estar Social previsto na Constituição Federal começou a ser desmontado e continua pelas mãos de Bolsonaro na perseguição do ideal de Estado Mínimo para o povo. O eleitor de FHC/Bolsonaro perseguiu com a eleição destes, a imutabilidade do ordenamento social e, nisso foi exitoso. No entanto, entre os eleitores arrependidos de Bolsonaro, há um certo saudosismo de FHC, e isso tem sua razão de ser, afinal, mesmo para quem votou em FHC, se ver na condição de eleitor de Bolsonaro e tudo o que ele representa, sob o ponto de vista ético e moral, é algo a se esconder da biografia pessoal, pois, é fator de constrangimento.

sábado, 8 de maio de 2021

O país da hipocrisia

 

               A pandemia de Covid 19 escancarou a desigualdade social existente em nosso país. A crise sanitária alargou e aprofundou o fosso que sempre separou os privilegiados e os excluídos. A penúria volta aos lares de  milhões de pessoas abandonadas pelo Estado Brasileiro que acena com um arremedo de auxílio emergencial. O Governo Federal empunha a bandeira do neoliberalismo com um fanatismo de corar de vergonha o presidente da nação símbolo do liberalismo mundial, os Estados Unidos, cujo presidente (Biden) acena com mais Estado. O Governo Bolsonaro demonstra ser incapaz de apresentar soluções para a crise sanitária, ambiental, econômica e política, pois, é a causa de muitos dos problemas que afligem a sociedade. O país virou motivo de pena, quando não de repulsa perante as nações civilizadas. Bolsonaro foi humilde quando disse que chegava ao poder para destruir tudo que o Partido dos Trabalhadores (PT) fez, pois, está ido além, há retrocessos em todas as áreas.  Segundo o IBGE, somos a décima segunda economia e o nono país mais desigual dentre as pouco mais de duzentas nações do planeta. Há pouco tempo, sob o governo progressista de Lula (2003-2010) o Brasil se viu alçado à sexta posição dentre as maiores economias mundiais e viu a desigualdade social ter uma tímida, mas, importante redução. E isso incomodou muito os setores conservadores da sociedade.

            Os conservadores são aquelas pessoas que adoram fazer caridade nas épocas festivas, tais como o Natal, mas que não medem esforços no resto do ano e, principalmente em épocas eleitorais para evitar que a justiça social se implante de fato. Há ainda aqueles que se dizem cristãos e contraditoriamente apóiam/patrocinam os promotores do atraso social. Lembro de Paulo Freire (1921-1997) quando disse: "Eu sou um intelectual que não tem medo de ser amoroso. Amo as gentes e amo o mundo. E é porque amo as pessoas e amo o mundo que eu brigo para que a justiça social se implante antes da caridade". Paulo Freire é o terceiro teórico mais citado no mundo e cujas contribuições para a educação são estudadas em inúmeras universidades, dentre estas a prestigiadíssima Harvard. A extrema direita odeia Paulo Freire e, ao fazer isso, mostra seu caráter reacionário, cruel, mesquinho e egoísta ao não aceitar a evolução da sociedade. Ao não concordar que a Educação seja um lugar onde as pessoas aprendam a pensar e se tornem aptas a contribuir na melhoria da sociedade, as elites brasileiras demonstram preferir que as escolas formem um "trabalhador do tipo bovino, com muita capacidade muscular para o trabalho e com pouco cérebro para refletir", tal como o engenheiro mecânico Frederick Taylor (1856-1915) considerava ser o trabalhador ideal.

            Vi uma fotografia de um muro pichado com a frase: "a miséria não acaba porque dá lucro". A frase, de uma realidade nua e crua (que demandaria um artigo apenas para sua reflexão) escancara o projeto pensado pelas elites para o nosso país. Afinal, nenhum país historicamente posicionado entre as maiores economias mundiais se tornaria tão desigual sem que isso fizesse parte de um projeto. O projeto de acumulação selvagem. A lei do mais forte. Mesmo o capitalismo, para funcionar de "forma azeitada" precisa de uma melhor distribuição de renda, embora por sua natureza, opere para a concentração em poucas mãos evidenciando, no mínimo, a necessidade da intervenção estatal nos moldes propostos pelo economista e capitalista John Maynard Keynes (1883-1946). Esse país tem suas raízes na escravidão, a escravidão legalmente não mais existe, mas, a mentalidade escravocrata nunca saiu da mente de nossas elites, quando eu digo elites, me refiro à elite econômica e a elite cultural. A elite econômica (do patrimônio) que, tal como o senhor de escravos e a elite cultural que lhe é subserviente (com origem na classe média) na qualidade de feitor de escravos, tudo fazem desde 1888, para que apesar das mudanças, nada mude de fato. Após a carreata dos patrões ocorrida em cerca de quinhentas cidades do Brasil em pleno 1º de maio, dia do trabalhador, uma dúvida me assalta a mente: Será que após a abolição da escravatura, os ex-senhores de escravos faziam carreatas com suas carruagens ou o que o valha na passagem da data de 13 de maio visando o bem do Brasil e dos seus líderes, enquanto estes trabalhavam para que os recém-libertos continuassem agrilhoados à senzala da pobreza e que jamais tivessem acesso à Casa Grande de uma vida com dignidade humana?

sábado, 1 de maio de 2021

A poesia que há no silêncio

 

      Em meu ofício de professor, certa vez, uma estudante, questionou-me sobre as características de uma menina bonita. Respondi-lhe que, para mim, uma menina bonita seria estudiosa, educada, simpática, esforçada, solidária e boa filha. Percebi sua cara de espanto e acrescentei que vivemos em uma sociedade que valoriza mais o "ter" e que dá pouco valor ao "ser" e, que isso está errado. Ela ouviu e assentiu e, continuei a aula, voltando ao tema específico desta. Penso que a estudante (em plena adolescência), estava refletindo sobre os ditos padrões de beleza impostos pela indústria da moda e, por meio da mídia, internalizados pela sociedade. Todos temos necessidade de aceitação e ela estava refletindo como se encaixava ante o que a sociedade espera dela. É angustiante para qualquer pessoa, perceber que foge aos padrões ditados pelos fundamentalistas de plantão. Isso é ainda mais grave quando se trata de crianças e adolescentes. Não por acaso, cada vez mais, jovens procuram os consultórios de psicólogos e psiquiatras e, isso é algo necessário. No entanto, muitas vidas já se perderam e se perdem, pela falta de empatia das pessoas para com as demais. Vidas que, por esse motivo, foram abreviadas pelos autores de suas próprias histórias e, em número imensamente maior, vidas que se perdem à margem invisibilizadas por não atenderem aos padrões de "normalidade" ditados pela sociedade.

            Vivemos em uma sociedade doente. Eu concordo com o compositor e cantor Caetano Veloso quando diz "de perto ninguém é normal" e acrescento que muita gente está doente e se trata por conta de gente que está doente e não busca tratamento. Digo isso, não como indireta a quem quer que seja, embora não falte quem tome para si (vestindo a carapuça) artigos que escrevo de forma generalista. Neste espaço, que prezo muito, não me escondo por trás das palavras para criticar a quem quer que seja. Falo de ideias, de atitudes (quando coletivas) e nunca de pessoas. Quando necessário falar de pessoas, somente faço, se forem públicas e suas atitudes (boas ou ruins) forem de interesse societário, aí as nomino. Penso que a discussão deve ficar sempre no campo das ideias e nunca avançar para o lado pessoal. Se o que escrevo incomoda, essa é a minha missão. Levar o leitor a refletir, a ser confrontado com uma visão diferente acerca dos fatos. Há que se ter maturidade para ler, refletir, concordar ou discordar, sem perder a empatia. Quando ando nas ruas, observo pessoas que torcem a cara quando me vêem, outras me cumprimentam efusivamente. Assim é a vida, o diferente assusta, pois, não se molda à caixa à qual a outra pessoa está confortavelmente instalada e, para outras pessoas, significamos o fato de saberem não estar sozinhas, pois, conosco se identificam.

            Recorrendo novamente à música, lembro de Raul Seixas (1945-89) quando entoava a música "maluco beleza"  afirmando que "as pessoas se esforçam em serem normais, fazendo tudo igual e, ele aprendendo a ser louco, maluco total, misturando a maluquez com a lucidez e, sabendo que o caminho escolhido é fácil seguir, por não ter onde ir". Ditar padrões de normalidade é um ato terrorista efetivado por pessoas e grupos que se recusam a pensar fora da confortável caixa em que se instalaram. O que é ser normal? Quem disse que a normalidade é saudável? Penso que o "normal" é um sujeito que, tal como todo o tecido social, está adoecido. Entendo que é mais fácil ir a favor da correnteza do que ir contra ela, no entanto, a maioria das pessoas sequer sabe que é levado pela correnteza e, pensa conduzir sua vida, quando pouco ou nenhum controle tem sobre ela. Às vezes precisamos nos distanciar do barulho do convívio social para nos encontrarmos conosco. Precisamos de momentos a sós. Neles podemos refletir, ler um bom livro, ouvir música, contemplar a natureza. Cada pessoa precisa ser a melhor amiga de si mesma e tudo deve fazer para proteger essa amizade. Esqueçam as negativas recebidas, talvez isso ocorra apenas porque você pensa "fora da caixa", o que assusta as pessoas ditas "normais". Viver em meio ao ruído das pessoas e da sociedade é inevitável, mas, sempre que possível, busque o silêncio. Nele a sabedoria e a poesia se revelam. Tenha sempre empatia, afinal, todas as pessoas estão doentes, embora muitas não saibam disso, pois, todas, sem exceção, estão vivendo momentos difíceis.