Inicio este artigo lembrando o genial escritor, jornalista e ensaísta político inglês George Orwell (1903-1950) quando disse "Quem controla o passado, controla o futuro". Na obra 1984, que inspirou o Big Brother, numa sociedade totalitária do futuro, o "Grande Irmão" vigia a tudo e a todos e mesmo nas residências há câmeras e microfones espiões. Ninguém está seguro para falar, planejar e realizar atos contestatórios ao governo do "Grande Irmão". A história é a todo momento reescrita por funcionários públicos contratados para tal fim. Eles recebem ordens "vindas de cima" e procedem as alterações de todos os registros sobre fatos e personagens dando a eles a interpretação desejada pelo establishment e, para tal, jornais são reescritos, de forma que ao ler microfilmes de jornais, as notícias estão diferentes do que as pessoas haviam visto, lido ou assistido pela teletela (espécie de TV bidirecional). As pessoas eram induzidas a pensar que tinham uma falsa memória (um engano) e dessa forma, a história era recontada e personagens desapareciam da história e da sociedade. Com o passar do tempo e, com a morte das pessoas (que vivenciaram os fatos) as dúvidas desapareciam e a história "oficializada" era a única existente. Parece algo exclusivo de obras literárias como a de Orwell ou de Blake Crouch, mas, é fato comum em países que tiveram ou têm regimes autoritários.
O Brasil não fez as pazes com o seu passado. É por isso
que muito dele permanece na atualidade. O país nunca puniu aqueles que romperam
a hierarquia, violentaram a Constituição Federal e tomaram de assalto o poder,
cancelando a democracia e suspendendo os direitos individuais. Contra tal
estado de coisas, estudantes, jornalistas, professores, operários, camponeses, políticos
e militares idealistas que ousaram defender a democracia e o respeito à ordem
legal estabelecida pela Constituição Federal tombaram vítimas da ditadura
(1964-1985) sendo arbitrariamente presos, torturados e mortos. Nos países
vizinhos, nos quais houve ditaduras sanguinárias como a vivida em nosso país,
as autoridades criminosas foram levadas a julgamento, aqui não. Nossas
instituições e nossa democracia nunca chegaram a tal nível de amadurecimento. Sob
a alegação da anistia geral e irrestrita, todos os crimes e criminosos foram
perdoados. A suposta generosidade dos generais para com os rebeldes subversivos,
tidos como "terroristas" e que lutavam contra a ditadura militar, era
na verdade, um salvo-conduto para que militares criminosos pudessem colocar o
pijama em suas casas e, não em celas. A criação da Lei da Anistia se impunha
pela necessidade que despontava no horizonte. Os militares precisavam abandonar
a condução do país, dado o caos econômico e social que produziram
(hiperinflação, endividamento externo e aprofundamento da desigualdade social).
Segundo o filósofo, escritor e músico brasileiro Vladimir
Safatle, em sua obra (Do uso da violência contra o Estado ilegal), "a
violência praticada pelo Estado ilegal (ditadura militar) contra o povo organizado
e, a deste em seus esforços de resistência não pode ser comparada equivalente.
Resistir, inclusive se utilizando da violência é algo garantido pelo Direito
Internacional e reconhecido pela ONU como direito dos povos na resistência à
ilegalidade do Estado. Não há que comparar, portanto, dada a desproporção, dada
a motivação, que, no caso da ditadura era oprimir para manter a situação de
ilegalidade". As forças armadas brasileiras historicamente se arvoram
representantes do quarto poder, o Poder Moderador, algo que não está previsto em
nossa Constituição, menos ainda de sua incumbência ou de sua capacidade para
tal. Se prestam a ser ferramentas da direita conservadora (e fascista) que, ao
fracassar nas urnas, sempre clama pelo seu retorno ao poder. Várias vezes se
prestaram a esse vergonhoso papel, rasgando a Constituição Federal,
desobedecendo a hierarquia e prestando desserviços à nação. Algumas autoridades
resolveram comemorar o dia 31 de Março às claras (veladamente sempre fizeram
isso) tentando normalizar e reescrever a história nacional. Comemorar o 31 de
Março é pisar nas poças de sangue das vítimas. É torturar as mentes dos
familiares que perderam seus entes queridos. É violentar novamente quem sofreu
a violência do Estado ilegal. É depreciar a democracia, a dignidade humana e renunciar
a qualquer espírito cristão. Enfim, 31
de Março não se comemora, se repudia!
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