A crença ou não em um ser superior (Deus) não define o
caráter de uma pessoa, assim como cultivar a espiritualidade, ter uma religião
não faz da pessoa um ser alienado. Digo, porque tenho amigos ateus que se
sentem ofendidos com o discurso discriminatório e pejorativo de muitos crentes
aos não crentes. Da mesma forma, já me senti depreciado, quando em diálogos,
meus interlocutores, afirmando que por eu ser uma pessoa "culta" estavam
surpresos quando lhes disse gostar de cultivar minha espiritualidade e de que
seguia uma religião. Novamente, o maniqueísmo, afinal, pensam, se você é "culto",
não pode crer em tradições alienantes. Quando a alienação está em não saber lidar
racionalmente com os elementos culturais produzidos pela sociedade. Enfim, o maniqueísmo
é típico de tempos autoritários. E tempos autoritários são uma constante na
história da humanidade.
O escritor japonês Shusaku Endo (1923-1996), passou
várias vezes por situações de discriminação ao longo de sua vida. Após o final
da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) resolveu estudar no Ocidente. Asiático,
sofreu com a xenofobia na França e, em seu país natal, o Japão, também sentiu a
discriminação por ser cristão, uma minoria que mal chega a 2% da população. A
obra Silêncio, publicada originalmente em 1966, é seu maior sucesso. Trata-se
de um romance histórico, ou seja, apesar de basear-se em fatos reais possui
elementos de ficção. Na obra, Endo discorre sobre a implantação do Cristianismo
em solo japonês por missionários jesuítas que, inicialmente (Séc. XVI) foram
bem recebidos e fizeram alianças com a elite local. O Japão era ainda feudal e
desejava fazer comércio com as potências (Portugal, Espanha, Holanda e
Inglaterra), por isso tolerava a religião estrangeira que ali se implantava.
Com o passar do tempo, os samurais que comandavam o país, começaram a ver na
religião cristã, um elemento perigoso para a manutenção da ordem vigente na
sociedade. Era a época do Xogunato Tokugawa (1603-1868), uma ditadura militar
feudal.
Os samurais começaram a expulsar os padres e a oferecer
recompensas por denúncias que levassem à captura de cristãos. Perseguidos, os
cristãos japoneses passaram então a praticar a religião de forma oculta, tal
como o faziam os primeiros cristãos nas catacumbas. Houve padres que se
recusaram a deixar os cristãos japoneses sós e foram presos, torturados e
mortos. Também o foram vários seguidores da religião cristã. A obra relata a
viagem dos padres Sebastião Rodrigues e Francisco Garpe que foram ao Japão em
busca do Padre Cristóvão Ferreira, o qual fora professor espiritual de ambos,
pois, corria a notícia que havia apostatado, ou seja, renegado a fé e que vivia
tal qual um japonês naquele país. Trata-se de uma obra que discute a fé sem ser
doutrinária e mostra um período histórico do Japão sem ser acadêmica,
proporcionando maior prazer ao ler.
P.S. A obra foi adaptada de
forma bastante fiel para o cinema pelo diretor Martin Scorsese com o mesmo
título.
Sugestão de boa leitura:
Título: Silêncio.
Autor: Shusaku Endo.
Editora: TusQuets, 2016, 270 p.
Preço: R$ 25,10
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