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domingo, 28 de março de 2021

O crepúsculo do Homo sapiens

 

          Vivemos uma obscura e triste época. As fake news proliferam e as pessoas já não acreditam nos fatos, pois têm a sua disposição interpretações "a la carte" em conformidade com aquilo que acreditam. Grassam o negacionismo, o terraplanismo, a reinterpretação da história sem embasamento científico para atender visões "míopes" de mundo. O liberalismo econômico atual ou neoliberalismo se publiciza democrático quando é na verdade o mais feroz dos fundamentalismos. O capital para se reproduzir, torna-se cada vez mais opressor e avança sobre os direitos trabalhistas e previdenciários. A palavra reforma que geralmente simboliza a modernização, a melhoria de algo, no caso da classe trabalhadora, se constitui no retrocesso, na retirada de direitos, na redução salarial, na implantação da terceirização, do trabalho intermitente, enfim, da ampliação do precariado. As reformas nunca têm fim, mas, inversamente à propaganda oficial, a economia não deslancha, a população empobrece, o mercado interno se contrai. O Ministro da Economia afirma que mais reformas são necessárias para que ela deslanche. Há quem acredite!

            A pandemia avança rapidamente, a vacinação não. "Não há mais grupo de risco e sim um país em risco", diz a genial postagem em uma rede social. O Governo Federal incompetente, mostra-se inoperante (talvez de forma calculada) dado o seu negacionismo e pouca preocupação humanitária. Pessoas são reduzidas a números (que são colocados em dúvida) desconsiderando que para suas famílias, cada vítima é a própria razão de ser e de viver delas, pois, são insubstituíveis. Nestes tempos obscuros, o Governo Federal reduz os recursos da saúde, cancela compra já acertada de kits de intubação e recusa ofertas antecipadas de lotes de vacinas. O Ministro da Economia defende que ajudas econômicas devam ser feitas às grandes empresas e não às pequenas e microempresas, mesmo sendo estas as que mais sofrem com a pandemia e, que em termos percentuais mais empregam. O Governo Federal sempre disposto a ajudar banqueiros e perdoar dívidas do agronegócio, apenas sob muita pressão, concede um diminuto auxílio emergencial temporário para as pessoas sem renda na pandemia.

            As Universidades,  desde o Golpe de Estado de 2016, tiveram seu custeio reduzido a cada ano. O Golpe não foi contra Dilma ou o PT. Foi contra o povo brasileiro. Como é próprio do caráter fascista de regimes e de políticos da extrema direita, o ataque à inteligência se faz contra cientistas e professores. O Brasil há muito é referência mundial na pesquisa e na publicação de artigos científicos na área de Ciências Humanas. O que faz o Governo Federal? Cancela recursos para bolsas de pós-graduação na área com a justificativa de que não há retorno financeiro para a sociedade. Há quem concorde (como se o retorno financeiro fosse a única razão de ser da busca do conhecimento) esquecendo/omitindo que a ditadura brasileira (1964-85) também suprimiu essa área. O Governo do Estado do Paraná vai na mesma direção, retira aulas de Filosofia, Sociologia e Artes e cria uma disciplina intitulada Educação Financeira no Ensino Médio. O Secretário de Educação parece pensar ter com isso inventado a roda. Trata-se de estudar à parte um conteúdo da Matemática, empobrecendo a criticidade da formação humana no Ensino Médio. A formação básica deve ser omnilateral, ou seja, integral. Formar o ser humano para uma vida plena em sociedade e, não apenas para o mercado. Também dá a impressão com tal medida, que, o Secretário de Educação pensa que só é pobre quem não sabe administrar bem seu dinheiro, mesmo que este seja incerto e, muitas vezes não vá além do salário mínimo. Um escárnio.

            As autoridades de fato comprometidas em salvar vidas, são instadas a tomar decisões difíceis arcando com o ônus político decorrente. Fazer cálculos sobre popularidade e chances de reeleição, para pautar decisões a serem tomadas frente a crise sanitária, desconsiderando ou minimizando as perdas humanas, se tornou "bolsonariano" demais. Nas ruas e no comércio, pessoas não utilizam máscaras e contribuem para o aumento do número de contaminados, apesar dos clamores das autoridades e em total desconsideração com o trabalho heróico dos profissionais de saúde. Falta empatia. Falta inteligência. Sobra egoísmo. Sobra estupidez. Resta pedir aos cientistas que mudem a classificação de nossa espécie. Homo sapiens (homem sábio) foi pretensão demais!

segunda-feira, 22 de março de 2021

A peste

 


A obra A peste de Albert Camus (1913-1960) bem como outras (de ficção ou não ficção) retratando epidemias e pandemias tiveram grande acréscimo de vendas. É interessante observar que Camus era amigo do filósofo existencialista Jean Paul Sartre (1905-1980) e também não encontrava significado na existência humana. O livro publicado em 1947, logo após a Segunda Guerra Mundial é uma alegoria ao nazismo. É importante ter isso em mente, pois, o leitor poderá terminar a leitura sem entender a real intenção do autor. A trama do livro se passa em Oran (Argélia), uma cidade pequena e pacata. Os cidadãos de Oran levam a vida numa rotina que torna um dia igual ao outro. A pequena cidade desprovida de árvores, não possui grandes atrativos, mas, ainda assim, seus habitantes se consideram felizes.Um estranho fenômeno começa a intrigar a população, ratos começam a aparecer mortos e, com o passar dos dias, em quantidades cada vez maiores.

             A população vê com estranheza o fato, mas, não se preocupa até que pessoas começam a adoecer de uma doença cujos sintomas são gânglios inchados e erupções cutâneas acompanhada de muita dor e morte repentina. O Dr. Rieux afirma que é preciso nomear a doença e enfrentá-la de frente, porém, muitas são as pessoas que negam a existência da doença e desobedecem/ignoram suas orientações agravando o quadro. O prefeito de Oran titubeia em tomar medidas rígidas e acaba prejudicando o controle rápido da situação. Os jornalistas, tal como parte da população, a princípio são céticos e, inclusive criticam as decisões tomadas como o lockdown e o uso de forças policiais para impedir o ingresso ou saída de pessoas da cidade para evitar que o contágio se propague para outras cidades. Também a imprensa (estimulada pelos capitalistas) critica o estrago que as medidas tomadas fazem sobre a economia. Um dos jornalistas (Tarroud) tem uma namorada em outra cidade e tenta escapar de Oran sem sucesso. Tarroud toma conhecimento que um capitalista estava enriquecendo trazendo produtos contrabandeados para a cidade e vendendo a preços estratosféricos. Tarroud oferece dinheiro para que o contrabandista que consegue furar o bloqueio (por meio de policiais corruptos) o coloque fora da cidade.

            Nesse ínterim, as mortes aumentam de tal forma que os  hospitais lotam e, estádios de futebol são utilizados como hospitais de campanha com a utilização de barracas para abrigar (e isolar) centenas de doentes. As equipes de saúde não dão conta de atender os doentes e, muitas pessoas são recrutadas dentre a população para auxiliar nos esforços de contenção e tratamento da doença. O Juiz de Direito Othon perde seu filho para a doença, o que evidencia que ninguém independentemente de seu status social, está a salvo da peste. O próprio Dr. Rieux que salva várias vidas, perde sua esposa. Na igreja, o padre Paneloux dá sermões afirmando que a doença foi enviada por Deus como castigo para seus pecados, o que não traz nenhum conforto psicológico/espiritual para as pessoas. Ele muda de atitude quando vê o sofrimento de uma criança inocente ao morrer, quando, então cala-se e se isola. O aumento assustador do número diário de mortes leva os jornalistas a mudarem o tom de suas reportagens. O agravamento da crise sanitária mostra as pessoas da cidade como de fato são, livres de suas máscaras evidenciando seu verdadeiro caráter, mostrando-se egoístas, ignorantes e arrogantes. Outras surpreendem com espírito de solidariedade e cooperação. O Dr. Castel pesquisa e desenvolve um soro (vacina) que começa a curar pessoas, porém, devido a falta de recursos seu desenvolvimento é lento. A chegada da vacina em quantidade suficiente para atender toda a população é tardia, pois, muitos já haviam morrido, para a tristeza de seus familiares. Na obra são contabilizadas e nomeadas as últimas vítimas da doença, algo muito triste, quando se traça um paralelo com os últimos mortos antes do futuro controle da atual pandemia de Covid 19.

            Camus fez uma importante pesquisa sobre epidemias que atingiram a humanidade no passado e, embora a mente do leitor esteja propensa a fazer comparações com a atual pandemia (Covid 19), é preciso reiterar que a obra é uma alegoria ao nazismo, dessa forma, as personagens e a trama têm que ser interpretadas com um viés filosófico à luz da história. Algo que, por motivos óbvios, não fiz aqui.

Sugestão de boa leitura:

Título: A peste.

Autor: Albert Camus.

Editora: Record, 2017, 288 p.

sábado, 13 de março de 2021

Sobre capitalistas e macacos acumuladores de bananas

 

               O escritor, filósofo, professor de sociologia e cientista político Emir Sader publicou em uma rede social a seguinte afirmação: "Se um macaco acumulasse mais bananas do que pudesse comer, enquanto os outros macacos morressem de fome, os cientistas estudariam aquele macaco para descobrir o que diabos estaria acontecendo com ele. Quando os humanos fazem isso, nós os colocamos na capa da Forbes".  Após essa genial afirmação de Sader, nada mais seria preciso dizer neste espaço, porém, é preciso, tendo em vista que vivemos uma crise que, é ao mesmo tempo,econômica, ambiental e social e que interpretação de texto e criticidade é algo individual.

            O fato de o capitalismo estar sempre às voltas com crises econômicas é algo corriqueiro e não causa surpresa a ninguém. Há muito tempo, seus ciclos de crescimento, recessão, depressão e estagnação (ciclos de Kondratieff) foram cientificamente desvendados como algo intrínseco desse sistema. As crises econômicas apenas mostram que o sistema está funcionando em sua normalidade. Sabemos que não há bananas infinitas ou, no exemplo que usei em outra oportunidade, não há pizzas infinitas, dessa forma, também as riquezas (recursos econômicos) são finitas. Para que um macaco ou um ser humano obtenham respectivamente mais bananas ou pedaços de pizza, outros terão que perder uma parte do que lhes cabe. Assim é o sistema capitalista. A lógica usual é reduzir as migalhas que cabem aos excluídos das benesses do sistema para transferi-las a quem já tem demais. No exemplo de Sader, o macaco glutão embora não possa dar conta das bananas que possui, gosta de ter poder (de vida e morte) sobre os demais e pensa não ter ainda o quanto é capaz de possuir.

            Os capitalistas foram muito felizes em propagandear que são os benfeitores da humanidade. Afirmam e raramente são contestados, de que fazem o bem, pois, geram empregos e, dessa forma, sustentam famílias por meio dos salários pagos aos seus empregados. Nada mais falso, concedem empregos porque precisam da mercadoria "mão de obra" e pagam salários menores do que a riqueza gerada pelo trabalhador para que possam obter lucros. Se a mão de obra fosse tão somente despesa e não fonte de lucro, demitiriam os funcionários na mesma hora, como o fazem quando novas tecnologias (mais baratas que a mão de obra mais barata) chegam ou quando crises conjunturais reduzem as margens de lucros. Ninguém enriquece sozinho. Dinheiro não produz dinheiro. Apenas o trabalho gera riquezas. Os banqueiros/investidores ganham dinheiro com juros sobre o capital emprestado a empresas que geram bens e serviços ou adquirindo participações acionárias destas. Nos dois casos citados anteriormente, o trabalho é o fator gerador dos recursos financeiros que pagarão os lucros dos banqueiros/investidores. Sem trabalho não há produção de riquezas. Quando se fala em setor produtivo, penso nos trabalhadores e não nos capitalistas, que a meu ver são o setor apropriativo.

            Repito, as riquezas, assim como as bananas e as pizzas, não são infinitas. Se 1% da humanidade acumula a renda equivalente a 99% da população mundial, ou ainda, que as oito pessoas mais ricas do mundo acumulam a mesma riqueza que a metade da humanidade, não é difícil concluir que algo está errado e que a concentração financeira, tal como uma metástase se espalha pelo organismo. O tumor (câncer) superalimentado, enfraquece e adoece o organismo (sistema). Apenas os ingênuos não se dão conta que num planeta cujas(os) riquezas naturais/recursos econômicos são finitos se alguém ou algum grupo, acumula demais, para outros falta, afinal, a pobreza é um subproduto da concentração da riqueza. O capitalismo também logrou sucesso em propagandear-se como o sistema verdadeiramente democrático. Afinal, o pseudo-discurso meritocrático divide a sociedade em bem sucedidos e fracassados pelo esforço individual. Diz-se que qualquer um pode ficar milionário se trabalhar bastante. Há bilhões que trabalham bastante, mas, apenas vêm crescer a riqueza de seus patrões ante a miséria que ronda seus lares. Há quem não trabalha (especuladores) e cuja riqueza não para de crescer. E há também aqueles que defendem esse falso discurso meritocrático, mas, ironia do destino, são pobres que pensam ser ricos, ou que na qualidade de servos defendem os seus senhores. Não há democracia onde a desigualdade social, a miséria e a fome imperam. Enfim, ainda pior do que o capitalismo, é deixá-lo a mercê dos capitalistas.

domingo, 7 de março de 2021

Silêncio

 


           


A sociedade em que vivemos (em pleno terceiro milênio) é maniqueísta. Não há outros matizes que o branco e o preto, o capitalismo e o comunismo, o bem e o mal, enfim,  a sociedade está dividida em "nós x eles" e, como se sabe, o discurso maniqueísta é inconciliável. Esse discurso é tudo, menos ingênuo, a partir de quem estimula sua propagação. Em tudo há ideologia, principalmente no discurso de quem a nega ou defende a neutralidade (impossível) do discurso. A neutralidade do discurso é conservadora, pois, se não contribui para a mudança, auxilia na conservação do status quo. O discurso, portanto, não é realizado apenas no tom preto ou branco, entre eles há vários tons de cinza, alguns mais escuros (tendendo para o preto), outros mais claros (tendendo para o branco). Se esses diferentes tons de cinza trazem riqueza de opções, trazem também a dificuldade de sua classificação. Há que se cuidar as luzes, o ângulo e o distanciamento necessário, ou seja, é necessário refletir, pois, a resposta não se encontra na superfície. Uma mente cega nada vê, além do que é superficial. Li certa vez a seguinte frase: "somente os tolos acreditam que política e religião não se discute. Por isso, os ladrões continuam no poder e os falsos profetas continuam a pregar" (Charles Spurgeon - 1834-1892).

            A crença ou não em um ser superior (Deus) não define o caráter de uma pessoa, assim como cultivar a espiritualidade, ter uma religião não faz da pessoa um ser alienado. Digo, porque tenho amigos ateus que se sentem ofendidos com o discurso discriminatório e pejorativo de muitos crentes aos não crentes. Da mesma forma, já me senti depreciado, quando em diálogos, meus interlocutores, afirmando que por eu ser uma pessoa "culta" estavam surpresos quando lhes disse gostar de cultivar minha espiritualidade e de que seguia uma religião. Novamente, o maniqueísmo, afinal, pensam, se você é "culto", não pode crer em tradições alienantes. Quando a alienação está em não saber lidar racionalmente com os elementos culturais produzidos pela sociedade. Enfim, o maniqueísmo é típico de tempos autoritários. E tempos autoritários são uma constante na história da humanidade.

            O escritor japonês Shusaku Endo (1923-1996), passou várias vezes por situações de discriminação ao longo de sua vida. Após o final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) resolveu estudar no Ocidente. Asiático, sofreu com a xenofobia na França e, em seu país natal, o Japão, também sentiu a discriminação por ser cristão, uma minoria que mal chega a 2% da população. A obra Silêncio, publicada originalmente em 1966, é seu maior sucesso. Trata-se de um romance histórico, ou seja, apesar de basear-se em fatos reais possui elementos de ficção. Na obra, Endo discorre sobre a implantação do Cristianismo em solo japonês por missionários jesuítas que, inicialmente (Séc. XVI) foram bem recebidos e fizeram alianças com a elite local. O Japão era ainda feudal e desejava fazer comércio com as potências (Portugal, Espanha, Holanda e Inglaterra), por isso tolerava a religião estrangeira que ali se implantava. Com o passar do tempo, os samurais que comandavam o país, começaram a ver na religião cristã, um elemento perigoso para a manutenção da ordem vigente na sociedade. Era a época do Xogunato Tokugawa (1603-1868), uma ditadura militar feudal.

            Os samurais começaram a expulsar os padres e a oferecer recompensas por denúncias que levassem à captura de cristãos. Perseguidos, os cristãos japoneses passaram então a praticar a religião de forma oculta, tal como o faziam os primeiros cristãos nas catacumbas. Houve padres que se recusaram a deixar os cristãos japoneses sós e foram presos, torturados e mortos. Também o foram vários seguidores da religião cristã. A obra relata a viagem dos padres Sebastião Rodrigues e Francisco Garpe que foram ao Japão em busca do Padre Cristóvão Ferreira, o qual fora professor espiritual de ambos, pois, corria a notícia que havia apostatado, ou seja, renegado a fé e que vivia tal qual um japonês naquele país. Trata-se de uma obra que discute a fé sem ser doutrinária e mostra um período histórico do Japão sem ser acadêmica, proporcionando maior prazer ao ler.  

P.S. A obra foi adaptada de forma bastante fiel para o cinema pelo diretor Martin Scorsese com o mesmo título.

Sugestão de boa leitura:

Título: Silêncio.

Autor: Shusaku Endo.

Editora: TusQuets, 2016, 270 p.

Preço: R$ 25,10