"Falta alguma coisa no Brasil
depois da noite de sexta-feira.
Falta aquele homem no escritório
a tirar da máquina elétrica
o destino dos seres,
a explicação antiga da terra.
Falta uma tristeza de menino bom
caminhando entre adultos
na esperança da justiça
que tarda - como tarda!
a clarear o mundo.
Falta um boné, aquele jeito manso,
aquela ternura contida, óleo a derramar-se
lentamente.
Falta o casal passeando no trigal.
Falta um solo de clarineta."
Foi por meio desse poema intitulado
"A falta de Érico Veríssimo" que Carlos Drummond de Andrade
homenageou postumamente Érico Veríssimo (1905-1975). Ser homenageado na forma
de uma poesia de Drummond é uma das maiores honrarias que um ser humano pode
receber, dispensa estátuas. E o saudoso escritor gaúcho a merece e merece mais.
Merece que o povo brasileiro conheça sua obra, não para que ela venda mais,
mas, para que conheça por meio de seus escritos o maravilhoso ser humano que as
escreveu. Enquanto não conseguia viver de sua obra, trabalhou em vários ofícios
no Brasil e no exterior, foi farmacêutico e também professor, claro foi por
pouco tempo, pois, se sentiu melhor na redação de jornais e revistas, porém, sua paixão era escrever. E nos livros que
escrevia despejava para fora aquilo que angustiava sua alma, mas, também
moldava o país que sonhava e acreditava ser possível. Érico não era dado a
rompantes. Em sua obra passava a sua mensagem de forma quase sutil, mas, não
tão sutil, afinal, a Érico não faltava coragem, mas, sobravam-lhe convicções.
Érico Veríssimo defendia a justiça
social, condenava a absurda desigualdade social de seu tempo (e nesse quesito o
país piorou ainda mais). No entanto, ele não acreditava em soluções extremas
(uma revolução armada) e pensava que o Brasil haveria de ser transformado por
uma revolução por dentro, ou seja, por reformas que levadas a cabo por
sucessivos governos democráticos melhorassem a condição de vida do povo
brasileiro. O que o escritor defendia era basicamente os princípios do artigo
3º da atual Constituição Federal (1988) quais sejam: uma sociedade livre, justa
e solidária; o desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização;
a redução das desigualdades sociais; a promoção do bem de todos sem preconceitos
de qualquer origem. É verdade que a atual Constituição Federal não existia em
seu tempo, nem por isso, defender algo semelhante a aplicação de seu artigo
3º em seu tempo (tal como na atualidade)
produzia resultado diferente que fosse não ser rotulado de comunista. Em seu
livro "Incidente em Antares" (1971) ele escreveu "comunista é o
pseudônimo que os conservadores e saudosistas do fascismo inventaram para
designar todo sujeito que luta por justiça social". Mesmo sendo avesso à
soluções extremas foi fichado no DOPS por ser "comunista", ou seja,
por desejar a justiça social.
Érico conta que somente conseguiu
viver de sua literatura a partir da publicação de "Olhai os lírios do
campo" (1938). Nesta obra, o escritor por meio da personagem Eugênio Fontes
(um médico) que anseia por uma "medicina socializada" na qual os
médicos seriam funcionários públicos e contariam com boas condições de trabalho
para exercer uma medicina gratuita e essencialmente humana. Érico viu em seu
tempo a falta que faz um sistema público e gratuito de saúde. Na época não
havia o SUS, muita gente morria por falta de recursos financeiros, o que lhe
impossibilitava o acesso à medicina, noutras vezes, alguns médicos atendiam
gratuitamente pessoas pobres mesmo sem receber pagamento. Hoje temos o SUS, ele
precisa ser melhorado, mas precisamos defendê-lo.
No ano de 2012, este escriba empreendeu
uma viagem solo de motocicleta pelo Rio Grande do Sul e entrou na cidade de
Cruz Alta apenas para conhecer a casa em que o famoso escritor nasceu. Ao
deparar com a casa em alvenaria de esquina, logo constatou que ele não devia
ter nascido pobre, tendo em vista a época da construção. Érico, de fato, nasceu
em família abastada, mas, cedo viu a ruína financeira e a separação de seus
pais.Nesta casa (em que funciona o Museu Érico Veríssimo), lembrei-me da escola
de minha cidade (Laranjeiras do Sul - PR) em que fiz as séries finais do Ensino
de 1º Grau e que se chama Escola Estadual Érico Veríssimo. Lembrei de meus
colegas, os quais, em sua maioria tomaram rumos diversos e ignorados por mim,
deixando apenas as lembranças de momentos compartilhados. Lembrei de meus
professores dentre os quais haviam aqueles que tinham como principal
característica, a simpatia, outros, enérgicos, porém, todos comprometidos com
os estudantes que formavam. Fui feliz, tive excelentes professores e se não sou
algo melhor, não foi por falta de empenho dos mestres que tive. Sempre me
questionei sobre quem dentre os professores teve a ideia de homenagear o famoso
escritor, pois, a escola foi renomeada pouco tempo após sua morte. E que
homenagem feliz! Mais do que uma homenagem ao escritor, ao ter seu nome é como
se Érico Veríssimo é quem homenageasse a escola! Ainda mais, uma escola
pública, gratuita, portanto a democratizar para todos, sem seleção para o
ingresso ou discriminação quanto a permanência nela possibilitando a todos uma
janela para o saber.
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