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segunda-feira, 27 de julho de 2020

A festa de Babette



           
Karen Blixen (1885-1964) é uma escritora dinamarquesa também conhecida pelo pseudônimo “Isak Dinesen” que foi várias vezes indicada para o Prêmio Nobel de Literatura. Sua obra mais famosa é “A fazenda africana” que foi adaptada para o cinema com o título “Entre dois amores”. A Festa de Babette também ganhou as telas e ambos os filmes colecionaram prêmios, inclusive o Oscar. A obra “A festa de Babette” é um conto bastante enxuto, porém, com uma ampla interpretação filosófica sobre o sentido da vida e os limites que impedem cada indivíduo de alcançar sua máxima potencialidade. A obra narra a história de um pastor luterano que fundou uma comunidade em Berlevaag, na Noruega. O pequeno povoado situado no interior de um fiorde no qual o líder religioso (deão) impõe regras rígidas para os fiéis quanto à humildade e a não ceder aos vários prazeres mundanos para não estar em falta com Deus. O deão casou-se tarde e teve duas belas filhas, Martine e Philippa. Todas as pessoas seguem seus ensinamentos religiosos e morais, suas filhas também foram criadas de igual forma. Um oficial militar (Lorens Loenwenhielm) ao passar alguns dias no local, conhece Martine, mas, não consegue lograr êxito na aproximação com a mais bela moça que já viu, volta para a cidade de onde veio e segue sua vida de alpinista social, casa-se com uma moça da nobreza, ganha promoções e condecorações, mas, a depressão o toma. Um famoso cantor de ópera francês se encanta ao ouvir Philippa cantar na igreja, faz alguns ensaios com ela e tenta levá-la (como artista e companheira) para a França onde ficaria famosa, mas, recebe uma negativa, volta a Paris e continua sua vida artística, porém com a frustração a lhe acompanhar. O pai delas queria que elas dedicassem suas vidas ao Senhor.
O deão falece e, as irmãs, apesar dos muitos pretendentes jamais se casam, destinam suas vidas ao senhor e prosseguem com as obras de caridade iniciadas por seu pai. Elas levam uma vida de extrema humildade, pois, os poucos recursos de que dispõem utilizam preparando refeições para os pobres e doentes. Apesar de seus esforços, a comunidade não está mais unida como antes e os ensinamentos do deão estão sendo esquecidos. Um dia chega na casa das irmãs, uma mulher chamada Babette trazendo uma carta de Achille Papin (o cantor de ópera), solicitando que a acolham, pois, há uma revolução em curso na França e ela corre risco de morte se retornar ao país, pois,  seu marido e filhos já haviam sido mortos. Ela se oferece para pagar sua estadia trabalhando como cozinheira, e, conforme os ensinamentos de seu pai, elas resolvem aceitar. Babette aprende os costumes e prepara os alimentos conforme a orientação das irmãs. Os desvalidos passam a adorar as refeições, apesar de serem as mesmas receitas de sempre. Após dezessete anos, Babette que deixara dinheiro para um parente jogar na loteria francesa semanalmente em seu nome ganha o prêmio de dez mil francos, uma fortuna suficiente para dar-lhe conforto para o resto de sua vida. As irmãs e também o povoado se entristece, pois, ela certamente irá embora.
Babette solicita que as irmãs lhe permitam oferecer um banquete francês em homenagem aos 100 anos do nascimento do deão e como agradecimento à acolhida da comunidade. Sem conseguir recusar elas aceitam. Babette vai à França comprar os ingredientes e volta com um carregamento de ingredientes exóticos que contava inclusive com uma tartaruga. As irmãs falam com os convidados para que não façam nenhum comentário sobre a refeição sofisticada que receberiam, pois, o prazer despertado pelo paladar também é pecado. Por coincidência, Lorens Loenwenhielm (o militar) estava em visita à sua tia que morava nas proximidades e, que havia sido convidada, após consulta às anfitriãs, leva-o ao banquete de alta culinária francesa. Para evitar spoiler, encerro aqui a resenha e deixo a dica.

Sugestão de boa leitura:
Título: A festa de Babette.
Autor: Karen Blixen.
Editora: SESI-SP editora, 2018, 64 p.
Preço: R$17,00.

sábado, 18 de julho de 2020

O estrangeiro



           
           
            Albert Camus (pronuncia-se Cami) nasceu em 1913, na costa da Argélia, no continente africano. A Argélia estava sob colonização da França, sendo ele próprio descendente de franceses. Seu pai morreu em 1914, em combate na Primeira Guerra Mundial. Como a família era muito pobre, todos precisavam trabalhar para conseguir o sustento. Sua mãe trabalhava lavando roupa para outras pessoas, trabalho digno, porém, que demonstra o nível de pobreza da família. Um professor de Camus viu que ele tinha um futuro promissor, para tal precisava prosseguir os estudos. Os familiares se opunham, afinal, todos precisavam contribuir com a subsistência da família. Camus tomou a difícil decisão de continuar os estudos e cursar a escola secundária. Nesta escola, sob a influência de outro professor, cursou e se graduou em Filosofia. Fez Mestrado em cuja dissertação discorreu sobre o Neoplatonismo e, em seguida o Doutorado, abordando em sua tese, a filosofia de Santo Agostinho. Neste momento em que estava se preparando para lecionar na Universidade, recebeu o diagnóstico de tuberculose o que o impediu de iniciar sua carreira no magistério. Trabalhou em vários jornais, escreveu inúmeros artigos além dos livros que o tornaram um dos grandes nomes da literatura francesa e mundial, reconhecimento este que cresceu exponencialmente após ganhar o Prêmio Nobel de 1957.
            O diagnóstico da grave doença inseriu marcas profundas na personalidade e na obra de Camus. Filósofo de formação, sua obra é classificada no gênero de “Filosofia do Absurdo” que alguns confundem com o existencialismo, mas, que na realidade é distinta. Camus sempre teve durante a sua curta e intensa vida a perspectiva da morte o rondando. A formação que teve, ao ser turbinada pela doença, intensificou as suas reflexões sobre a busca do sentido da vida ou de uma lógica que explicasse o motivo de nossas pobres e vazias existências, mas, chegou à conclusão que não existem, afinal, o caos governa o Universo desde sua origem. Apesar disso, Camus teve suas paixões, constituiu família. Adorava futebol e conta-se que era um bom goleiro. Em 1949, esteve no Brasil para proferir palestra e solicitou que o levassem para assistir um jogo de futebol. Encantou-se com a paixão dos brasileiros pelo futebol. Sua obra de maior destaque é “O estrangeiro”, embora, “A queda” e “A peste” sejam também muito famosas. Esta última inclusive tem vendido muito devido ao momento de pandemia que vivemos atualmente. O famoso filósofo Jean Paul Sartre adorou o livro “O estrangeiro” e disse em entrevista que desejava conhecer Albert Camus. Eles se conheceram e tornaram-se amigos por longo tempo até que se afastaram por conta das críticas de Camus à União Soviética, algo que desagradou Sartre. Ele irritou também as autoridades francesas ao denunciar a forma como estas tratavam os cidadãos árabes. Camus, certamente sabia que sua vida seria curta, então, deu a ela, intensidade, porém, não morreu pela doença, mas, num acidente de automóvel em 1960.
            A obra “O estrangeiro” tem como narrador-personagem Meursault e, a trama se inicia com este contando haver recebido um telegrama informando-o da morte de sua mãe, a qual se encontrava num asilo na cidade de Marengo. Meursault ao receber as condolências de pessoas do trabalho, afirma que não é sua culpa, para o estranhamento dos demais, tamanha sua indiferença. Meursault pede dispensa para o patrão e pensa que ele não deve ter gostado de dispensá-lo, mas, que não é sua culpa. Viaja para Marengo e lá chegando é atendido pelo diretor da instituição que lhe dá os pêsames, mas, ele apenas reclama do calor. É então conduzido para o salão onde o velório está se realizando, senta-se em uma cadeira e recusa-se a ver o corpo da mãe, ato que causa estranheza para os funcionários do asilo. Durante a noite toma café, fuma e cochila sentado na cadeira. Na manhã do dia seguinte, após a realização dos rituais religiosos, juntamente com o diretor da instituição e alguns idosos (amigos de sua mãe) seguem até o cemitério, Meursault reclama do calor enquanto caminha. Após o enterro, viaja para sua cidade e lembra que agora terá mais dois dias sem trabalho e pensa: não é culpa minha. Liga para a namorada Marie, passam o final de semana juntos, vão à praia, jantam, vão ao cinema onde assistem a um filme de comédia. Questionado por Marie se ele se casaria com ela, dá a entender que se ela quer, pode ser. Meursault usa muito a expressão “tanto faz”. Questionado se ele a ama, diz que não. E ela pergunta: e se casaria comigo mesmo assim? Tanto faz, casar ou não. Questionado se ele diria sim a outra que quisesse se casar com ele, responde “talvez”. Convidada a passar mais uma noite com ele, Marie declina, pois precisa trabalhar no dia seguinte, então vai a pé para sua casa, ele não a acompanha.
Raymond, o vizinho cafetão de Meursault espanca uma jovem árabe.  E Meursault aceita fazer testemunho falso para aliviar a barra deste perante a justiça, afinal, Raymond precisa, e, para ele, tanto faz. No trabalho, o patrão lhe oferece promoção caso aceite se mudar para o escritório de Paris, ele responde para o estranhamento deste, que ganhar mais ou não, morar ali ou em Paris, tanto faz! O patrão lhe pergunta: mas você não tem ambições na vida? Ele responde que tanto faz, gosta de viver ali. Raymond vai passar um final de semana numa casa de praia com uma de suas garotas e convida Meursault e sua namorada. Na praia deparam com o irmão da moça espancada e ali ocorre uma briga. Meursault volta armado à praia e encontra novamente o árabe. Sem dar tempo a este, puxa o revólver e atira, o árabe cai morto, Meursault, mesmo assim, descarrega outros quatro tiros no corpo inerte. Meursault vai preso, e pensa que para qualquer pessoa que viveu um ano do lado de fora, estar preso ou não, tanto faz. Ao juiz, afirma que tanto faz ter advogado para defendê-lo ou não. O juiz nomeia um defensor público para representá-lo. O processo é o ponto alto do livro. Testemunhas arroladas pela acusação falam sobre seu jeito estranho de ser, pois, não sentiu a morte da mãe e por ser indiferente aos demais. O promotor explora de forma brilhante o final de semana que Meursault passou curtindo a vida (logo após o enterro da mãe), e traça um perfil psicológico do réu demonstrando que ele representa um perigo para a sociedade. O advogado se esforça em sua defesa, mas as testemunhas da defesa (ante as perguntas do promotor) se contradizem. Meursault percebe o show que o promotor está dando e, que ele não está sendo julgado pelo assassinato, mas, por sua forma de ser, pois, não vive de acordo com o padrão de normalidade da sociedade. Ele pensa que poderia falar algo em sua defesa, mas, está com preguiça e, afinal, tanto faz! Neste momento, preservo o desfecho da trama, (caso o leitor resolva ler), e digo que ao fechar o livro, genialmente escrito, o leitor terá uma sensação de estranhamento como a dizer “que foi isso que li”? 

Sugestão de boa leitura:
Título: O estrangeiro.
Autor: Albert Camus.
Editora: Record, edição128 (1979), 128 p.
Preço: R$23,90.

sábado, 11 de julho de 2020

O grande Gatsby




           
       Francis Scott Key Fitzgerald (1896-1940), conhecido no meio literário como F. Scott Fitzgerald foi escritor, romancista, contista, roteirista e poeta. É considerado um dos maiores nomes da literatura estadunidense. Oriundo de família irlandesa, Fitzgerald ingressou na Universidade de Princeton, mas, não chegou a se formar, pois, após um período de convalescença, acabou não retornando à universidade. O escritor precisou trabalhar muito para reunir condições materiais para desposar Zelda Sayre (1900-1948) cuja família estava um degrau acima na pirâmide social. Fitzgerald foi um workaholic, trabalhava muito, redigindo contos que eram bastante rentáveis, rapidamente produzidos (se comparados aos romances) e, constituíam a forma preferida por ele para fazer frente às costumeiras dificuldades financeiras do casal. O escritor afirmava que não queria e não podia baixar seu nível de vida, talvez para manter as comodidades a que sua esposa estava acostumada desde o nascimento.
O casal costumava passar temporadas na Europa, momentos em que Fitzgerald aproveitava para escrever seus contos e romances. Zelda, apesar de muitas vezes ser lembrada por trazer ao longo do casamento ingredientes de tragicidade à vida do escritor (como uma suposta traição e os problemas psiquiátricos que demandaram várias internações), foi romancista, contista, poetisa, dançarina, pintora e socialite. Fitzgerald não enviava nada para publicação sem antes colocar seus escritos ao crivo dela. Zelda era considerada um ícone da alta sociedade nova-iorquina dos anos 1920. Jovens, belos e célebres, o casal caiu na graça da sociedade da época e conviveu com grandes personalidades, dentre estas o também célebre escritor Ernest Hemingway. Este acabou por contribuir para a má imagem de Zelda (ambos não se gostavam), e, afirmou várias vezes que Fitzgerald podia ter sido ainda maior, não fosse pelas dificuldades que a esposa lhe impunha. Fitzgerald também tinha seus próprios problemas, um deles era o alcoolismo. O escritor trabalhou muito em Hollywood como roteirista, não por gosto pessoal, mas, para fazer frente às suas necessidades financeiras. E foi em Hollywood que o escritor morreu de infarto aos 44 anos de idade.
            O livro “O grande Gatsby” (publicado em 1925) é a obra-prima de Francis Scott Fitzgerald e, é obra de referência nas escolas e universidades estadunidenses. O narrador da trama é Nick Carraway, de origem humilde, mas, que vai morar de aluguel numa casa simples ao lado de mansões espetaculares de um bairro nobre. Nick trabalha na Bolsa de Valores de Nova Iorque. Seu vizinho, Jay Gatsby mora num palacete famoso em toda a Nova Iorque pelas festas dantescas que realiza com a presença de personalidades do mundo artístico, político e da high society. As outras personagens são Tom Buchanan (um esportista famoso) oriundo de uma das famílias mais abastadas dos Estados Unidos e sua bela esposa Daisy, nascida no seio da abastada família Fay. Gatsby se aproxima de Nick (primo de Daisy), para buscar aproximação com seu antigo amor, pelo qual foi preterido por ser pobre e, cinco anos depois, milionário, deseja reconquistar. Gatsby tem tudo o que o dinheiro pode comprar e acredita que seu dinheiro pode trazer de volta a mulher que um dia perdeu pela falta dele. O autor não deixa claro e o leitor se questiona durante a leitura sobre como o jovem Gatsby enriqueceu em tão pouco tempo, sendo levado a pensar que o fez de forma ilícita na sociedade dos anos 1920, do milagre econômico americano, da lei seca, do jazz e da onda liberalizante com as mulheres vestindo roupas consideradas até então ousadas. É um engano pensar que a obra é um mero romance romântico, afinal, Fitzgerald faz uma crítica velada ao sonho americano e do “self made man”, de que os Estados Unidos é a terra das oportunidades que permite a qualquer um galgar posições na sociedade a exemplo do alpinista social Jay Gatsby. Neste mesmo sentido, mostra o vazio existencial de “pessoas ricas que adoram se encontrar com outras pessoas ricas para serem ricas juntas” e, que tal como dito na obra (ao se referir à futilidade de Daisy) “têm a fala cheia de dinheiro” e de outro lado a dura realidade dos pobres. Há também a afirmação implícita de que se pode ganhar dinheiro, mas, jamais a consideração pelo “berço” que não teve.
Gatsby é um personagem controverso, o leitor nutre por ele um misto de simpatia e aversão, afinal, Gatsby quer reconquistar seu antigo amor ou o único troféu que seu dinheiro ainda não lhe concedeu? Nick também é assim, pois, fica o tempo todo repetindo ser honesto e afirmando não julgar as pessoas, mas, faz isso o tempo todo. A trama conta ainda com a esportista Jordan Baker que juntamente com Nick, Gatzby, Daisy e Tom fazem parte da trama central que envolve ainda o mecânico George Wilson e sua esposa Mirtle. O palacete de Gatsby, adquirido por ele por ficar de frente à casa de Daisy (separado apenas pelas águas da baía) tem sua posição marcada por um farol de luz verde nas noites mais escuras. A região retratada na obra é a de Long Island e Manhattan, sendo que a estrada que liga essa duas regiões passa por uma área degradada no quesito ambiental e social.
Fitzgerald é um grande frasista, na obra há frases tais como a da fala de Daisy quando do nascimento de sua filha: “estou feliz por ser uma menina. E espero que ela seja uma tonta. É a melhor coisa que uma menina pode ser neste mundo. Uma tontinha linda”. Essa frase e a personagem se popularizaram nos Estados Unidos e “Daisy Buchanan” passou a designar em sentido figurativo uma mulher bela, rica e pouco inteligente. Outra frase que consta no livro e que foi gravada no túmulo do autor é a seguinte: “E assim avançamos, barcos contra a corrente, incessantemente empurrados de volta ao passado”. A obra “O grande Gatsby” foi adaptado para o cinema em 1949, 1974 e 2013, esta última regravação está disponível na Netflix (o filme é bastante fiel à obra). Fitzgerald reiterou que muito do que escreveu na obra diz respeito a ele próprio (como a personagem Nick). Sobre seu ofício disse: “o escritor deve escrever para os jovens da sua geração, os críticos da próxima e os professores de todo o futuro”. Ao ler a obra, tive a impressão de que em alguns momentos o escritor perdeu a mão, porém, em seguida se refaz. Trata-se de uma belíssima obra, não à toa, faz parte da lista dos livros mais importantes do século XX.

Sugestão de boa leitura:
Título: O grande Gatsby.
Autor: F. Scott Fitzgerald.
Editora: Landmark, 2013, 224 p.
Preço: R$ 28,04.