O russo Ievguêni Zamiátin (1884-1937)
celebrizou-se pelo livro “Nós”. Engenheiro Naval de formação e atuação tinha o
hábito de escrever ficção como passatempo. Apoiou o levante bolchevique de 1905
contra o governo czarista sendo preso em 1911 e anistiado em 1913. Também
cerrou fileiras na Revolução de Outubro, porém, apesar de fiel à Revolução, tornou-se
crítico da censura imposta pelo governo bolchevista. Ergueu o tom de sua
escrita, tornando-a cada vez mais crítica ao governo, tendo por isso, suas obras
proibidas. Diante de tal situação, em 1931, escreveu a Stalin solicitando a
autorização do líder da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) para
sair do país, permissão esta, que lhe foi dada com o auxilio do famoso escritor
Máximo Gorki. Instalou-se em Paris, onde continuou a desenvolver sua
literatura, porém, morreu em 1937 vitimado por um infarto, quando contava 53
anos e, se encontrava em estado de pobreza. A obra, objeto dessa resenha,
somente foi publicada na URSS no ano de 1988, após as reformas liberalizantes
de Mikhail Gorbatchev.
A obra “Nós” é uma distopia escrita entre os anos 1920/21
e, foi fonte inspiradora dos autores de obras clássicas do gênero como “1984”
de George Orwell, “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley e “Fahrenheit 451” de
Ray Bradbury. Nestas obras citadas é possível observar elementos inspirados no
livro de Ievguêni Zamiátin. A trama de “Nós” narra uma sociedade totalitária
liderada pelo “Bem-Feitor” que age de forma ditatorial, inclusive matando
pessoalmente seus opositores, apesar disso, sempre é reeleito pelo povo (está
em seu 48º mandato), que se considera feliz ao viver numa sociedade
igualitária, porém, extremamente controlada e vigiada. O governo do Bem-Feitor
criou uma tabela de horas concernentes às atividades que devem ser cumpridas à
risca pelos cidadãos. Nessa tabela de horas, o Estado Único reserva duas horas
pessoais diárias, nas quais as pessoas podem fechar suas cortinas (por lei, as
paredes das residências são de vidro transparente) para ter um pouco de
privacidade e, assim se dedicar a qualquer atividade que lhe aprazer. Nessa
sociedade futurística do século XXIX, o amor e o casamento foram banidos.
Qualquer pessoa pode ter relações sexuais com qualquer outra, basta preencher
um formulário e encaminhar ao Estado Único, que organizará a comunicação e o
encontro entre os pretendentes no horário pessoal mais próximo. Após a
realização do encontro íntimo, basta aos dois assinar o canhoto que fica com
cada um deles para comprovação perante o Estado Único, pois, um deles teve que
se ausentar de sua residência para ir até a do outro.
Os integrantes dessa sociedade são refratários à arte
(originalidade) e à beleza porque ferem o princípio da igualdade. As pessoas
vestem roupas iguais e o próprio narrador da história “D-503” anseia pelo dia
em que o Estado Único consiga eliminar as diferenças físicas entre as pessoas,
para que enfim a sociedade seja homogênea de fato. As pessoas, devido à lavagem
cerebral realizada pelo Estado Único, pensam de igual forma e consideram que demonstrar
mais cultura ou inteligência é algo repugnante. Não há mais famílias, quando
grávidas, as mulheres são acompanhadas pelo Estado Único e, após o parto a
criança é encaminhada para as instituições responsáveis pela sua criação. Não saberão
quem são seus pais e não terão nomes, pois, a elas será dada uma identificação
como a do narrador da obra. D-503 conhece I-330 em sua hora pessoal, após ter
se inscrito para com ela ter relações sexuais. I-330 é uma mulher consciente da
situação de opressão em que vivem, porém, para não chamar a atenção dos
“Guardiões” da Revolução, procura cumprir parcialmente suas atividades impostas
pelo governo do Bem-Feitor. D-503 se apaixona (algo proibido) por I-330 e passa
a ser por ela influenciado. Começa a pensar no “mundo primitivo”, aquele que
fica além dos “muros” que delimitam a sociedade isolada do resto do mundo.
Começar a refletir sobre o estado de coisas em que vive o preocupa e consulta
um médico. Este lhe diz que está desenvolvendo alma, algo perigoso para sua
saúde e para a sociedade.
A obra não é tão conhecida como o trio de distopias clássicas que inspirou, mas, é igualmente excelente e, como sabemos é sempre bom beber na fonte para entender o que veio depois, e, no caso das distopias, para compreender o risco que corremos, ou quando elementos distópicos se realizam, para entender que era previsível, tanto que o autor se antecipou!
Sugestão
de boa leitura:
Título: Nós.
Autor:
Ievguêni Zamiátin.
Editora:
Editora Aleph, 2017, 344 p.
Preço:
R$55,92.
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