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sexta-feira, 3 de abril de 2020

O fascismo eterno




               
              Umberto Eco (1932-2016) era considerado pela imprensa italiana como o homem que sabia de tudo. Nascido em Alexandria e falecido em Milão, foi escritor, filósofo, medievalista, semiólogo, midiólogo, linguista e bibliófilo. Lecionou em várias universidades de renome nos principais centros acadêmicos do mundo. É dele a famosa obra “O nome da Rosa” retratada também nas telas de cinema. Em sua obra “O fascismo eterno” chama a atenção o tamanho diminuto, afinal, são apenas 64 páginas. A obra é na verdade a palestra que deu na Columbia University (EUA) em 25 de abril de 1995. E, não se engane caro leitor, pois, o tamanho da obra é indiretamente proporcional aos ensinamentos que o intelectual italiano deixou como herança para todos aqueles que ousam ler, ousam pensar.
            Eco, ao relembrar as trágicas experiências vividas por sociedades de todo o mundo com o fascismo chama a atenção de que ele está vivo e, entre nós. Afirma que ele pode voltar sob as vestes mais inocentes e que a tarefa de cada cidadão é desmascará-lo e, apontar o dedo para cada uma das suas novas formas a cada dia, em cada lugar do mundo. Uma dificuldade observada é identificar quando o discurso de um indivíduo ou grupo é ou não fascista. Segundo o autor, isso se deve ao fato que o fascismo não tem uma ideologia claramente definida, pura em sua origem, pois, se assemelha a uma “colcha de retalhos” onde os retalhos são ideias/ideais pinçados de diferentes ideários filosóficos e que podem inclusive possuir algumas características divergentes de um grupo para outro, embora permaneçam outras que amalgamam o conjunto. Umberto nos diz que é possível eliminar de um regime fascista um ou mais aspectos e ele continuará sempre a ser reconhecido como fascista.
            Na Itália, o partido fascista nasceu proclamando sua “nova ordem revolucionária”, mas, era financiado pelos proprietários rurais mais conservadores. Assim, uma das primeiras características do “Ur-fascismo” (o fascismo eterno) é o culto da tradição, a defesa do sincretismo e o combate ideológico ao avanço do saber. Nesse sentido, as universidades são consideradas um ninho de comunistas, não por ser isto a realidade, mas, pelo desprezo ao conhecimento científico e ao espírito crítico dos mestres. Há entre os fascistas a recusa em aceitar a modernidade. São saudosos do passado no que concerne ao ordenamento da sociedade, bem como de valores deixados para trás pelo conjunto desta. O fascismo é a adoção do irracionalismo, pois, considera que as atitudes são belas em si e, não precisam ser antecedidas por reflexões sobre a sua adoção ou não. Todo indivíduo que discorda das posições de um grupo e/ou líder fascista é um traidor. Não há espaço para contestação, e, caso o contestador seja um integrante do grupo fascista, imediatamente passa a ser considerado um traidor ou ainda, “um comunista”.
O fascismo tem um campo fértil junto às classes médias frustradas de todo o mundo. Estas desejam ser a elite, mas, a realidade as coloca mais próximas dos estratos mais pobres da sociedade. A revolta permanente com sua condição, a busca por privilégios, o desejo de ser “especial” faz com elas sejam eternas massas de manobra de indivíduos/grupos fascistas. O fascismo tem um caráter xenofóbico (aversão aos estrangeiros). Para os fascistas, há uma necessidade de cultivar a crença na existência do inimigo. Todos devem estar preparados para a guerra. A guerra não necessariamente se faz com armas, mas, combatendo o inimigo que é o sujeito ou grupo que possui uma ideologia diferente. O fascismo não deixa o inimigo em paz. A existência do inimigo “ideológico” é o sustentáculo do fascismo. Se o inimigo não existisse, precisaria ser inventado. No discurso fascista, o inimigo é forte demais ou fraco demais conforme a ocasião ou intenções do líder fascista. O pacifismo é considerado conluio com o inimigo. O pacifismo é mau porque a vida é uma guerra permanente.
O fascismo tem uma forte característica elitista evidenciada por seu caráter reacionário fundamentalmente aristocrático. Os elitismos aristocráticos e militares possuem forte desprezo pelos indivíduos fracos da sociedade. O fascismo cultua o heroísmo personificado em seus líderes sempre do sexo masculino. Possui um desdém pelas mulheres e uma condenação intolerante de hábitos sexuais não conformistas (da castidade à homossexualidade). No fascismo, todos os cidadãos pertencem ao melhor povo do mundo, sendo os membros do partido os melhores cidadãos, porém, todo cidadão pode ou deve se tornar membro do partido. Os fascistas costumam por em dúvida a legitimidade do Parlamento afirmando que este não representa mais a “voz do povo”. Segundo o autor, no fascismo, os indivíduos enquanto indivíduos não têm direitos, e o “povo” é concebido como uma qualidade, uma entidade monolítica que exprime a “vontade comum”. As minorias são desconsideradas.
Umberto Eco conclama a todos a lutar/defender a liberdade e a libertação de forma permanente. Afinal, o fascismo vive/convive entre nós, qualquer descuido pode ser fatal. Encerra pedindo às pessoas que não se esqueçam disso!

Sugestão de boa leitura:
Título: O fascismo eterno.
Autor: Umberto Eco.
Editora: Record, 2018, 64 p.
Preço: R$ 22,12.

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