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segunda-feira, 27 de abril de 2020

A sucessora



               
Carolina Nabuco (1890-1981) foi uma escritora e tradutora brasileira laureada com o prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras (ABL). Nascida no Rio de Janeiro, Maria Carolina Nabuco de Araújo era filha de Evelina Torres Ribeiro Nabuco e de Joaquim Nabuco, escritor, diplomata e deputado geral do Império do Brasil. Viveu sua infância em Petrópolis e a adolescência nos Estados Unidos da América onde seu pai era embaixador do Brasil. Sua obra de estréia foi uma biografia de seu pai intitulada “A vida de Joaquim Nabuco” publicada em 1939. Publicou também as obras “A sucessora” (1934), “Chama e cinzas”, “Meu livro de Cozinha”, O ladrão de guarda-chuvas e dez outras histórias, Oito décadas, Santa Catarina de Siena, Virgílio de Melo Franco, Retrato dos Estados Unidos à luz da sua literatura.
            Os leitores mais atentos e, principalmente os apreciadores das telenovelas da Rede Globo certamente ao ler o título desse artigo devem ter se lembrado da novela “A sucessora”, adaptação televisiva levada a cabo por Manoel Carlos da obra de Carolina Nabuco e que foi assistida no ano de 1978 por parcela expressiva da população brasileira. A obra de Carolina Nabuco tornou-se famosa internacionalmente por conta de uma situação que deixou a autora muito triste. Carolina enviou em 1934 uma tradução de sua obra para um editor na Inglaterra e Daphne Du Maurier foi uma das leitoras dessa tradução. Em 1938, Daphne Du Maurier publica Rebecca, obra que foi adaptada para o teatro, mas, que ganhou grande notoriedade mundial ao ser adaptada por Alfred Hitchcock para o cinema em 1940. O famoso diretor popularizou-se como o “rei do suspense” no cinema mundial. A trama foi lançada nos cinemas brasileiros com o título “Rebecca, a mulher inesquecível”. O filme teve onze indicações para o Oscar e arrebatou duas estatuetas, incluindo a de melhor filme. A obra cinematográfica teve como protagonistas a atriz Joan Fontaine e o ator Laurence Olivier. O estilo do filme é um misto de suspense psicológico e romance gótico.
            Importantes críticos literários observaram a semelhança absoluta das histórias das duas obras, sendo que muitos chegaram à conclusão que se tratava de plágio. Em 1978, por ocasião do lançamento da novela de Manuel Carlos, a Globo por meio do programa “Fantástico: o show da vida” levou ao ar a polêmica envolvendo as duas obras. Carolina Nabuco, então com 88 anos, disse que à época ficou muito triste. Tendo sido procurada por um advogado norte-americano, o qual lhe prometeu uma quantia patrimonial em troca de um documento atestando que a semelhança entre as obras era mera coincidência. Carolina afirmou que pôs a dignidade acima dos interesses financeiros do filme, não processou e nem redigiu ou assinou documento algum atestando ser coincidência o que muitos vêm como um flagrante caso de plágio da sua obra.
            Este escriba leu apenas o livro e o fez, por saber da polêmica envolvendo a obra da escritora brasileira. Reconhece sua ignorância, pois, nada sabia sobre a autora, cujo sobrenome lhe era familiar apenas por saber quem foi seu pai. Não assistiu a telenovela, mas, pretende adquirir o livro “Rebecca” de Daphne Du Maurier e assistir ao filme de Hitchcock. O romance de Carolina Nabuco está inserido na fase modernista da cultura nacional e conta a história de Marina, uma linda jovem criada na fazenda e que representa o “Brasil velho”. A jovem se apaixona pelo viúvo Roberto Steen, um industrial rico e que representa o “Brasil novo”. Marina vai morar na mansão histórica da família e tem que aprender regras de etiqueta para conviver com pessoas do círculo social de seu marido, muitas das quais considera fúteis. A trama gira em torno da onipresença de Alice, a falecida esposa de seu marido, a qual todos sentem saudade e a citam como uma mulher incomparável por seus inúmeros talentos. Na mansão há um quadro de Alice, pintada pelo famoso artista francês Verron, que também era seu amigo e fã. Mesmo morta, a presença constante de Alice assombra Marina, por meio do quadro e das cartas de famosos que chegam do mundo todo para ela. O charme e a sofisticação de Alice incomodam Marina que não se vê a altura do papel que precisa desempenhar como esposa do importante marido executivo. A obra prende o leitor e convida para preparar uma pipoca e assistir o filme de Hitchcock.

Sugestão de boa leitura:
Título: A sucessora.
Autor: Carolina Nabuco.
Editora: Instante, 2018, 200 p.
Preço: R$ 35,70.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Não há tempo a perder




               
                      Amyr Klink nasceu em São Paulo a 25 de setembro de 1955. Mora no Brasil, mas, se considera um cidadão do mundo. Filho de pai libanês e mãe sueca, afirma deles ter recebido como herança na orientação de sua vida, o não apego aos bens materiais. Não consegue achar a graça de pessoas que movem todos os seus esforços apenas em ter a casa própria, o carro do ano, a roupa da moda, que considera provisório. Fez a primeira travessia do Atlântico Sul a remo em 1984 e já realizou mais de 40 viagens à Antártida, o continente que tanto ama.
            Klink considera muito difícil para um moleque de 17 anos definir o que irá fazer a vida toda. Cursou economia na USP, e, apesar dos grandes economistas lá formados, odiou o curso. Terminou-o devido a mania de levar a cabo seus projetos. Trabalhou em um banco, experiência que considerou muito válida por lhe ensinar que ali não era o seu lugar. No tempo que passou na USP considerou estranho o fato dela ser pública e ter a maior parcela dos acadêmicos oriunda da classe alta. Foi lá que tomou contato e o gosto pelos esportes náuticos ao ingressar na prática do remo em equipe. Mais do que apenas navegador, Amyr é um empresário do ramo náutico. Já escreveu vários livros e realiza palestras para empresas. Sustenta que a burocracia é um dos maiores entraves para as suas atividades, impondo-lhe dificuldades que vão além dos múltiplos conhecimentos que precisa ter (mecânica, eletrônica, geografia, física, nutrição, meteorologia, gestão financeira, etc.).
            Amyr constrói seus próprios barcos, e, afirma que com isso tem uma experiência completa, pois há uma mentalidade nacional de querer tudo pronto, pois, falta ao brasileiro a vontade e consequentemente a experiência do fazer pelas próprias mãos. Considera que isso é herança da cultura escravocrata de nosso país. Não há amadorismo em suas atividades, tudo é fruto de um planejamento detalhista. Detesta correr riscos, procura antecipar os problemas para estar preparado. Luta contra o tempo que assegura não ser reciclável, pois, “uma hora perdida é uma hora perdida” e diz mais: “se a gente não se movimenta, não persegue, não arrisca, as coisas continuam sempre do mesmo modo”. Embora esteja antenado com o que há de mais avançado no meio científico no que concerne a sua área, não se faz de rogado em adotar soluções desenvolvidas pela prática dos mestres canoeiros. Klink diz ter passado por problemas financeiros, familiares e pessoais e que procurou sempre manter o controle. Considera que a pressão é um grande estimulo e que enfrenta o medo com bom humor. Não acredita em sorte, mas, que cada um pode construir as suas oportunidades e que os recursos limitados estimulam a criatividade.
            Amyr Klink considera que não há planos perfeitos e nem viagens perfeitas. O planejamento reduz os riscos, mas, o imprevisto pode ocorrer, apesar disso, jamais perdeu um tripulante ou alguém de sua equipe voltou com trauma. Garante conhecer pessoas que se esmeram tanto no planejamento que acabam por nunca tirar o barco do píer. Amyr obedece rigorosamente ao cronograma, e só atrasa a partida quando descobre algo que comprometa a segurança da empreitada. Assegura que o erro pode acontecer até pelo excesso de experiência (prepotência intelectual). O líder não pode ser arrogante, aquele que fica mostrando o tempo todo que faz melhor o trabalho de dez. É preciso ter humildade, saber ouvir, ceder. Buscar a harmonia e compartilhar responsabilidades. Não se resolve na força bruta! É preciso inteligência e todos os membros da equipe têm qualidades que ao final superam os defeitos. Sustenta que no Brasil falta resiliência, orgulho de produzir e de buscar a excelência, assim, somos um país do mais ou menos, um país meia boca e isso é na engenharia, no planejamento, na economia e que nós brasileiros preferimos sempre o caminho mais rápido, mais fácil, que acaba se tornando aquele em que pagaremos um preço muito mais caro. A obra possui muitas lições que se prestam ao meio empresarial e profissional, mas, não deixa de ser uma literatura de aventura, de viagem.

Sugestão de boa leitura:
Título: Não há tempo a perder: Amyr Klink em depoimento a Isa Pessoa.
Autor: Amyr Klink & Isa Pessoa.
Editora: Tordesilhas, 2016, 216 p.
Preço: R$ 25,94.

sexta-feira, 3 de abril de 2020

O fascismo eterno




               
              Umberto Eco (1932-2016) era considerado pela imprensa italiana como o homem que sabia de tudo. Nascido em Alexandria e falecido em Milão, foi escritor, filósofo, medievalista, semiólogo, midiólogo, linguista e bibliófilo. Lecionou em várias universidades de renome nos principais centros acadêmicos do mundo. É dele a famosa obra “O nome da Rosa” retratada também nas telas de cinema. Em sua obra “O fascismo eterno” chama a atenção o tamanho diminuto, afinal, são apenas 64 páginas. A obra é na verdade a palestra que deu na Columbia University (EUA) em 25 de abril de 1995. E, não se engane caro leitor, pois, o tamanho da obra é indiretamente proporcional aos ensinamentos que o intelectual italiano deixou como herança para todos aqueles que ousam ler, ousam pensar.
            Eco, ao relembrar as trágicas experiências vividas por sociedades de todo o mundo com o fascismo chama a atenção de que ele está vivo e, entre nós. Afirma que ele pode voltar sob as vestes mais inocentes e que a tarefa de cada cidadão é desmascará-lo e, apontar o dedo para cada uma das suas novas formas a cada dia, em cada lugar do mundo. Uma dificuldade observada é identificar quando o discurso de um indivíduo ou grupo é ou não fascista. Segundo o autor, isso se deve ao fato que o fascismo não tem uma ideologia claramente definida, pura em sua origem, pois, se assemelha a uma “colcha de retalhos” onde os retalhos são ideias/ideais pinçados de diferentes ideários filosóficos e que podem inclusive possuir algumas características divergentes de um grupo para outro, embora permaneçam outras que amalgamam o conjunto. Umberto nos diz que é possível eliminar de um regime fascista um ou mais aspectos e ele continuará sempre a ser reconhecido como fascista.
            Na Itália, o partido fascista nasceu proclamando sua “nova ordem revolucionária”, mas, era financiado pelos proprietários rurais mais conservadores. Assim, uma das primeiras características do “Ur-fascismo” (o fascismo eterno) é o culto da tradição, a defesa do sincretismo e o combate ideológico ao avanço do saber. Nesse sentido, as universidades são consideradas um ninho de comunistas, não por ser isto a realidade, mas, pelo desprezo ao conhecimento científico e ao espírito crítico dos mestres. Há entre os fascistas a recusa em aceitar a modernidade. São saudosos do passado no que concerne ao ordenamento da sociedade, bem como de valores deixados para trás pelo conjunto desta. O fascismo é a adoção do irracionalismo, pois, considera que as atitudes são belas em si e, não precisam ser antecedidas por reflexões sobre a sua adoção ou não. Todo indivíduo que discorda das posições de um grupo e/ou líder fascista é um traidor. Não há espaço para contestação, e, caso o contestador seja um integrante do grupo fascista, imediatamente passa a ser considerado um traidor ou ainda, “um comunista”.
O fascismo tem um campo fértil junto às classes médias frustradas de todo o mundo. Estas desejam ser a elite, mas, a realidade as coloca mais próximas dos estratos mais pobres da sociedade. A revolta permanente com sua condição, a busca por privilégios, o desejo de ser “especial” faz com elas sejam eternas massas de manobra de indivíduos/grupos fascistas. O fascismo tem um caráter xenofóbico (aversão aos estrangeiros). Para os fascistas, há uma necessidade de cultivar a crença na existência do inimigo. Todos devem estar preparados para a guerra. A guerra não necessariamente se faz com armas, mas, combatendo o inimigo que é o sujeito ou grupo que possui uma ideologia diferente. O fascismo não deixa o inimigo em paz. A existência do inimigo “ideológico” é o sustentáculo do fascismo. Se o inimigo não existisse, precisaria ser inventado. No discurso fascista, o inimigo é forte demais ou fraco demais conforme a ocasião ou intenções do líder fascista. O pacifismo é considerado conluio com o inimigo. O pacifismo é mau porque a vida é uma guerra permanente.
O fascismo tem uma forte característica elitista evidenciada por seu caráter reacionário fundamentalmente aristocrático. Os elitismos aristocráticos e militares possuem forte desprezo pelos indivíduos fracos da sociedade. O fascismo cultua o heroísmo personificado em seus líderes sempre do sexo masculino. Possui um desdém pelas mulheres e uma condenação intolerante de hábitos sexuais não conformistas (da castidade à homossexualidade). No fascismo, todos os cidadãos pertencem ao melhor povo do mundo, sendo os membros do partido os melhores cidadãos, porém, todo cidadão pode ou deve se tornar membro do partido. Os fascistas costumam por em dúvida a legitimidade do Parlamento afirmando que este não representa mais a “voz do povo”. Segundo o autor, no fascismo, os indivíduos enquanto indivíduos não têm direitos, e o “povo” é concebido como uma qualidade, uma entidade monolítica que exprime a “vontade comum”. As minorias são desconsideradas.
Umberto Eco conclama a todos a lutar/defender a liberdade e a libertação de forma permanente. Afinal, o fascismo vive/convive entre nós, qualquer descuido pode ser fatal. Encerra pedindo às pessoas que não se esqueçam disso!

Sugestão de boa leitura:
Título: O fascismo eterno.
Autor: Umberto Eco.
Editora: Record, 2018, 64 p.
Preço: R$ 22,12.